Querida Graça Fonseca

Durante algum tempo alimentei a esperança de que o artigo 13.º – que ameaça de forma séria a liberdade de expressão na Internet e o ecossistema de inovação digital – viesse a ser removido da proposta, mas já me deixei de ilusões.

Querida Graça Fonseca,

O Natal está aí à porta e gostava de lhe fazer um pedido. Há quem lhe peça o IVA das touradas a 6%, mas não é isso que quero no meu sapatinho, até porque estou longe de ser aficionado. A minha lide é outra e é tão ou mais controversa. Tão controversa que motivou uma troca de farpas entre Rui Tavares e António Marinho e Pinto neste mesmo jornal, com ad hominems vários de parte a parte. Por essa altura, andava eu a chatear o eurodeputado Marinho e Pinto com o tema (sou um dos três docentes universitários a quem ele diz, nesse artigo, ter respondido – e respondeu, de facto). Como não tive sucesso com ele, tento agora consigo.

O assunto é a nova diretiva da UE sobre direitos de autor no mercado único digital e, em particular, o seu artigo 13.º – que tem estado a ser discutido por estes dias nos “triálogos” entre o Conselho, o Parlamento e a Comissão.

Embora cada instituição europeia tenha a sua versão do artigo 13.º, a ideia fundamental é a mesma: ou as plataformas de partilha de conteúdos (leia-se YouTube, Facebook, Instagram e outras de menor porte) celebram acordos de licenciamento com os titulares de direitos de autor, ou implementam tecnologias capazes de filtrar os conteúdos carregados pelos utilizadores que violem estes direitos. Estas tecnologias estão apenas ao alcance das plataformas mais abonadas e mesmo as tecnologias mais eficazes incorrem frequentemente em falsos positivos (exemplo: um vídeo de uma aula sobre direito de autor na Universidade de Harvard foi removido do YouTube porque o professor utilizava curtos fragmentos de canções para ilustrar algumas matérias).

Durante algum tempo alimentei a esperança de que o artigo 13.º – que ameaça de forma séria a liberdade de expressão na Internet e o ecossistema de inovação digital – viesse a ser removido da proposta, mas já me deixei de ilusões. Aquilo que lhe queria pedir era que procurasse fazer do artigo 13.º um artigo menos bravo. Há várias formas simples de o conseguir e algumas propostas do Conselho e do Parlamento vão já nesse sentido.

Uma forma é isentar de responsabilidade as micro e pequenas empresas, os serviços de correio electrónico, as plataformas online sem fins lucrativos como a Wikipedia ou os repositórios científicos, e outras plataformas que não fizeram mal nenhum aos titulares de direitos e que não deviam estar abrangidas pelo artigo 13.º.

Outra forma de amansar o bicho é sujeitar a responsabilidade das plataformas abrangidas a um requisito de razoabilidade ou proporcionalidade dos esforços, de forma a evitar excesso de zelo da parte destas e consequente excesso de falsos positivos.

Se a isto juntarmos a inclusão de mecanismos de reclamação destinados a avaliar os casos de remoção injustificada de conteúdos (e, já agora, a exigência de que essas reclamações sejam revistas por um ser humano e não por uma máquina), já ficamos mais próximos de um artigo 13.º com velcro e sem muito sangue. Não é pedir muito.

Peço-lhe ainda que não leve a mal este formato epistolar em que lhe escrevo. É que, além de ser um formato em voga, estou para ser pai nos próximos dias e aproveitei a ocasião para praticar.

Votos de um Natal feliz (e amigo da liberdade de expressão e da inovação),

Tito Rendas

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