Fazer a espargata em menos de um mês. É possível?

Para quem já desistiu de fazer a espargata, há um livro que diz que é possível em menos de quatro semanas. Aceitei o desafio.

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DR: Albatroz ,DR: Albatroz

Desafiaram-me na redacção a aprender a fazer a espargata em 30 dias. Não consegui, mas há cada vez mais pessoas a tentar, inspiradas pela história da japonesa Eiko. Aos 50 anos ganhou a alcunha de “rainha da espargata”, com vídeos virais no YouTube em que demonstra exercícios para “qualquer pessoa” aprender a fazer o exercício em menos de um mês. Diz que aprendeu sozinha. Depois de 6,7 milhões de visualizações, decidiu escrever um livro sobre o seu método.

A edição portuguesa – Flexível em 4 semanas – chega por meio da Porto Editora. “Como conseguirá fazer alguma coisa se nem a espargata consegue fazer?”, provoca Eiko no seu livro. Diz que cerca de dois terços dos seus alunos completam o desafio: não entrei no grupo, mas admito que notei melhorias.

“É uma questão de ‘mindset’”, escreve Eiko por e-mail depois da minha tentativa falhada. Tal como eu, evitou treinar flexibilidade durante anos. “Não nasci flexível de todo. A amplitude dos meus movimentos também era muito reduzida”, revela. “Comecei a minha carreira como instrutora de aeróbica, e só quando quis mudar para o ioga, é que percebi que tinha de melhorar a flexibilidade.”

Agora, quer motivar mais pessoas a tentar. Faço parte do público-alvo: nunca consegui chegar decentemente com as mãos aos pés (pelo menos, sem dobrar os joelhos), e sempre temi testes de agilidade na escola. Gosto de exercício físico e sou capaz de me inscrever para uma maratona, mas nunca me vão ver a correr para uma aula de ioga ou pilates. Sou – e sempre fui – um zero a flexibilidade, mas também nunca me esforcei muito por melhorar.

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Eiko inclui opções extra para quem tem pouca flexibilidade DR: ALBATROZ

O plano de ataque que Eiko propõe era simples demais para não tentar: três exercícios de alongamentos específicos por dia (focados na área da cintura, anca e coxas) que não ultrapassavam os cinco minutos por dia. As páginas do livro são ocupadas com imagens de demonstração, exercícios alternativos para quem é muito pouco flexível ou tem problemas de mobilidade, dicas dos seus alunos, e algumas histórias sobre os benefícios da espargata (para Eiko, o exercício parece ser solução para quase tudo – do sedentarismo, a hábitos alimentares pouco saudáveis).

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Tentei seguir as instruções à risca e durante um mês consegui quase sempre pôr alguns minutos de lado para os alongamentos. Pela segunda semana, as minhas mãos começaram a chegar perto do chão, e fui gostando mais dos exercícios (o corpo parece “flutuar” depois dos alongamentos). Mas a espargata? Essa continuou desaparecida em combate.

Tal como eu, cerca de 20% dos alunos da Eiko “falham” o programa. Outros 20% desistem antes de chegar ao fim. “Pessoas com a pélvis inclinada para trás, ou com ossos da coluna ligeiramente deslocados precisam de mais tempo”, justifica. Pessoas que façam treinos de força regularmente e evitem alongar (“normalmente homens que fazem muita musculação”) também podem ter mais dificuldade. “As pessoas podem sentir dores musculares quando começam o meu programa. E por causa disto, algumas pessoas perdem a motivação e desistem”, acrescenta a professora de ioga.

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Sugako Nishino demorou dois meses até fazer a espargata. Começou a frequentar as aulas de Eiko aos 72 anos. No livro, sugere treinar alguns exercícios enquanto se vê televisão. DR: Albatroz

Pouco funcional

Mas é assim tão mau não saber fazer a espargata? “A coisa mais importante para completar o meu programa é o foco”, responde-me Eiko. Diz que vê a espargata como “uma motivação” para os seus alunos treinarem a flexibilidade.

Parte do livro também é ocupada por uma série de contos ficcionais baseados no tipo de pessoas que Eiko encontra nas suas aulas. Entre o elenco, há um gerente de 40 anos, ansioso com a ideia de envelhecer, e uma mulher de 30 anos infeliz por não conseguir atingir os seus objectivos. A vida de ambos melhorou depois de aprenderem a fazer a espargata.

“O dia-a-dia torna-se mais fácil quando se é mais flexível”, frisa a professora de ioga. “A nossa amplitude de movimento é maior. Torna-se mais fácil andar, subir escadas, apanhar objectos do chão. Alivia dores nas costas e reduz a probabilidade de lesões.”

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Um dos exercícios sugeridos por Ekio é o "alongamento com toalha" DR: Albatroz

Estudos da American College of Sports Medicine (ACSM), uma reputada instituição na área do desporto e medicina, notam que a flexibilidade é uma habilidade fundamental para prevenir quedas com o avanço da idade. Além disso, pode ser visto como uma actividade relaxante, promotora da saúde mental. Saber fazer a espargata, porém, não é definido como fundamental no processo.

“É um movimento pouco funcional”, explica-me Marco Abreu, um terapeuta de movimento e instrutor de pilates. “Ninguém vai fazer a espargata para apanhar uma coisa do chão. Equiparar a espargata a ter flexibilidade é um conceito redutor”, sublinha.

No ioga, a posse é conhecida como hanumanasana (ou posição do macaco), em homenagem a uma personagem da mitologia hindu capaz de enormes saltos.

Abreu diz que “não há mal nenhum em querer fazer a espargata”, mas que o mais importante é treinar para ter uma boa amplitude de movimentos que sejam úteis no dia-a-dia. “Para um atleta de taekwondo pode ser importante chegar com os pés à cabeça, mas para muitos será fazer um agachamento com uma boa amplitude para levantar objectos ou conseguir subir e descer degraus sem dor.”

Recomenda pilates, ioga ou aulas de alongamentos para trabalhar a força e estabilidade, além da flexibilidade. O instrutor acrescenta que a “hidratação” é fundamental (provavelmente uma das minhas falhas, com vários cafés a fazer parte da minha rotina diária).

A fáscia – um tecido conjuntivo formado por fibras de colagénio que envolve os músculos do corpo – precisa de água. Entre muitas funções, como ajudar a manter a postura, a fáscia ajuda os músculos a voltar à sua posição original durante o exercício depois de contrair. Dormir e comer bem também são elementos importantes. “É importante não esquecer que o corpo é um sistema. Funciona como um todo”, insiste Abreu.

Já para Eiko, é “preciso começar pelo básico”: o primeiro passo para chegar à espargata é ver até que ponto o corpo consegue chegar naturalmente. Depois, deve-se baloiçar para cima e para baixo, até aumentar a amplitude dos movimentos. “Trabalha-se com menos tensão, e sentimo-nos mais relaxados”, explica Eiko. “Não é preciso alongar à força toda… Se forçarem demasiado o movimento, o efeito é o oposto.”

No meu caso, ao que parece, não estava a praticar na melhor altura. Optei por fazer os exercícios de Eiko todas as manhãs depois de correr. Embora me sentisse muito mais relaxada no final, é a pior altura para aumentar a flexibilidade porque os músculos estão contraídos do exercício e com o estímulo apenas relaxam até à sua amplitude normal. Oops.

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Marco Abreu recomenda aulas de pilates ou ioga para treinar flexibilidade PÚBLICO/ Sérgio Azenha

“Recomendo fazer os meus exercícios depois de um banho ou duche, de noite. Quando o corpo está quente [mas não cansado], a flexibilidade do corpo aumenta e é mais fácil alongar”, diz Eiko.

Nas redes sociais, há quem sugira alongar à noite enquanto se vê uma série no computador – admito que ainda não consegui trocar o lençol e a caneca de chá pelo tapete de ioga.

O livro da Eiko motivou-me a começar a dar mais valor à flexibilidade (descobri que 15 ou 20 minutos de alongamentos podem ser muito relaxantes de manhã), mas sem o desafio de fazer a espargata num mês, há dias em que me desleixo. A ACSM recomenda tentar treinar a flexibilidade entre dois e três dias por semana para manter uma boa amplitude de movimentos.

Para Eiko, a chave do seu programa é “apagar a imagem mental de alguém pouco flexível, que falha sempre…É preciso esquecer essa pessoa. Só assim se consegue o sucesso.” Estou a trabalhar no assunto.

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