Projeto mineiro de Moncorvo: cinco alertas vermelhos

Não parece aceitável que o Estado possa vir a envolver-se no apoio ao financiamento deste projeto, pois será alta a probabilidade de vir a recair sobre os contribuintes o custo do seu insucesso.

O Projeto de Reativação das Minas de Ferro de Moncorvo (Projeto) foi notícia no final de 2011, aquando da manifestação de interesse de participação por parte da multinacional australiana Rio Tinto Zinc — RTZ e, mais tarde, em 2015 e 2016, no contexto da aprovação do estudo de impacto ambiental (EIA) e da assinatura de um contrato de concessão por um período de 30 a 60 anos.

Um observador externo interessado pôde acompanhar o seguimento do projeto com base em informação e documentação técnica publicada pela administração pública ao longo de todo o processo, no site da concessionária e nos órgãos de comunicação social. Por outro lado, o autor tem conhecimento dos antecedentes deste projeto, recolhidas no período em que integrou o CG da extinta Ferrominas EP.

Mesmo reconhecendo a limitação do não conhecimento de totalidade da documentação produzida, foi possível elencar um conjunto de cinco “alertas vermelhos” que lançam dúvidas sobre os pressupostos, os resultados e a fiabilidade global do projeto, tal como tem vindo a ser apresentado. O autor tomou a iniciativa de, anteriormente, fazer diligências junto do poder político sobre as conclusões a que chegou sem que daí tenha resultado qualquer efeito prático. O projeto em causa está agora para decisão final no âmbito da Secretaria de Estado da Energia.

Alerta Vermelho #1 

O projeto inicia-se num período em que se verificou uma procura muito significativa de minérios de ferro por parte da China, com consequente aumento nas cotações e uma corrida dos grandes atores mundiais pelo controlo de novos recursos. As jazidas de Moncorvo aparecem integradas nesse contexto através de uma pequena empresa portuguesa — MTI-Ferro de Moncorvo, SA — que, tendo obtido em 2008 um contrato de prospeção e pesquisa, já propõe no final de 2011 ao Grupo RTZ um projeto de grandes dimensões com vista à produção de 16 milhões de toneladas anuais de um “superconcentrado de ferro” para fins siderúrgicos em condições concorrenciais com as grandes empresas que dominam o abastecimento do setor siderúrgico europeu e mundial. Neste contexto, o projeto terá suscitado a atenção do Governo, tendo sido fortemente apoiado e promovido pelo Ministério da Economia para ser posteriormente abandonado por desinteresse daquele grupo internacional. Não haveria razões para referir este facto não fora a falta de informação sobre o assunto, não só sobre o suporte técnico-económico que terá justificado tão enérgico envolvimento político de apoio por parte do Governo como dos motivos do sequente desfecho negativo.

Alerta Vermelho #2

O primeiro formato de projeto adotado pela concessionária em 2011 referia a produção de cinco milhões de ton/ano de um superconcentrado a partir do jazigo de Mua (o único estudado em detalhe suficiente) para em 2012 elevar o seu objetivo para 16 milhões aquando das negociações com o Grupo RTZ. Na versão definitiva do projeto de 2015, e do correspondente EIA em relação ao qual foi emitida a declaração de conformidade, ocorre uma alteração radical do projeto: a exploração de Mua é abandonada e a produção é agora limitada a uma média anual de um milhão de ton/ano de um “mix” de concentrado de baixa qualidade para uso siderúrgico e de um inerte para obras marítimas durante os cinco anos iniciais, passando então para o nível de cruzeiro de 2,2 milhões de superconcentrados. A produção será feita inicialmente a partir de um pequeno depósito eluvial e depois com minério de outras jazidas da serra de Reboredo que, por ainda mal avaliadas, não poderão suportar as conclusões apresentadas. Após um percurso tão errático, por motivos próprios e alheios, os pressupostos iniciais foram completamente anulados e os resultados finais são incoerentes face à realidade a que se chegou.

Alerta Vermelho #3

O sistema logístico adotado pela concessionária para o transporte de 2,4 milhões de ton/anos de concentrado (material extremamente fino e que é mantido húmido em todo o ciclo de transporte), desde a mina até aos porões de navios graneleiros no Porto de Leixões, propõe utilizar pacotões com capacidade para 2,5 ton. O transporte de todos esses pacotões pelas vias rodoviária/ferroviária conduzirá a um tráfego sobre as vias de mais de 250 camiões/dia em cada sentido, atingindo um valor próximo do seu limite de saturação. Parece evidente que a solução prevê que os pacotões sejam descarregados para áreas de armazenamento do Porto de Leixões, sendo a partir daqui desconhecidas as soluções a utilizar dentro do terrapleno portuário até à carga em navio, não obstante a complexidade envolvida na qual são de prever impactos operacionais, financeiros e ambientais relevantes não quantificados.

Alerta Vermelho #4

Os procedimentos no contexto ambiental iniciaram-se com a apresentação de duas sucessivas propostas de definição de âmbito, ambas rejeitadas pela APA, a que se seguiu em meados de 2014 a apresentação de uma versão completa do EIA do projeto, em nove volumes. A decisão da APA foi de novo negativa e acompanhada por um longo parecer que evidenciava os erros e as carências do documento apresentado, pelo que só após uma drástica revisão do conceito foi emitida no ano seguinte a conformidade final. Ficou então claro que a exploração da jazida de Mua estava definitivamente afastada e assim destruídos tanto os pressupostos essenciais contidos no contrato inicial como a consequente valia técnica e patrimonial da concessão.

Alerta Vermelho #5

O argumento comercial apresentado pela concessionária, essencial para a justificação económica do projeto, foi o da fácil colocação no “carente” mercado europeu de um “concentrado de alta qualidade”, não tendo qualquer dos argumentos sido sujeito a uma validação confiável. Por outro lado, a solução de operação intercalar prevê a produção de um “mix” de produtos atípicos e que não mereceu referência a qualquer investigação comercial relativamente a mercados, preços e quantidades, não obstante a importância que tem nas conclusões do estudo económico. Aliás, o estudo económico refere uma TIR de 47%, valor que qualquer economista de empresa considerará surpreendente, quiçá inverosímil.

Com base nestes cinco alertas vermelhos, não parece ao autor aceitável que o Estado possa vir a envolver-se no apoio ao financiamento deste projeto (a solo e/ou no contexto da UE) sem proceder a uma auditoria técnico-comercial-económica complementar, pois, a prosseguir tal como tem sido apresentado, será alta a probabilidade de vir a recair sobre os contribuintes portugueses (e dos outros países europeus) o custo do seu insucesso.

Como cidadão e como profissional, sinto--me no dever de expressar esta opinião, endereçando a quantos possam ainda suscitar uma reanálise deste projeto — políticos e/ou estruturas da administração pública — o pedido de uma ação esclarecedora urgente.

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