Sobre o eucalipto, uma posição pública

A acusação que me fizeram em artigo recentemente publicado neste jornal é evidentemente absurda.

A atual situação de predomínio e expansão de eucalipto em Portugal justifica uma tomada de posição pública. Faço-o desta forma porque os circuitos das redes sociais, embora também úteis para este efeito, limitam a análise e facilmente suscitam interpretações abusivas da mensagem que aí possa transmitir. Faço-o, ainda, porque entendo que o território nacional enfrenta hoje um conjunto complexo e multidimensional de problemas associados aos espaços e economias rurais, que impõem uma agenda para o restauro da floresta portuguesa, visando o seu ordenamento e conversão progressiva numa composição diversa e resiliente.

Há muitos anos que venho tomando posições públicas no âmbito da minha responsabilidade cívica e académica, em particular em matérias que estudo e que se relacionam com a ecologia e a conservação da natureza, ou sobre políticas de ambiente e de território, justificando-se, por maioria de razão, que o faça num momento em que me acusam de uma putativa insinuação quanto à conduta de colegas universitários, a propósito da subscrição de um manifesto apoiado por empresas cuja atividade depende das plantações de eucalipto. Esta acusação que me fizeram em artigo recentemente publicado neste jornal é evidentemente absurda. 

Tenho o entendimento que posições públicas em matérias susceptíveis de informar e condicionar as políticas públicas relevantes para o país, em particular subscritas por académicos aos quais a sociedade reconhece o mérito e a bondade dos argumentos técnicos – não é por acaso que se invoca essa condição –, devem ser transparentes e acompanhadas de declaração de conflito de interesses, uma boa prática que a ética universitária impõe e que eu subscrevo. São muitos os académicos cujos estudos e trabalhos de investigação versam sobre o eucalipto, alguns dos quais financiados pelas empresas a quem estes estudos interessam. Esta colaboração é conhecida e é tanto mais legítima quanto mais transparente se revelar, identificando-se uma relação que, na minha opinião, não põe em causa a idoneidade ou a isenção do académico que faz esta opção. Eu não tenho colaborações diretamente com esta indústria, por opção, mas não é essa circunstância que me tem inibido de manter uma relação construtiva, no interesse do país, sempre que sou chamada a fazê-lo. É esta mesma abertura e sentido de responsabilidade que me levam a escrever este texto.

É bem visível para todos, mesmo para os mais irredutíveis, que a regeneração natural do eucalipto na sequência dos incêndios de Outubro de 2017 adquiriu uma expressão distinta e especialmente vigorosa. Esta condição de praga é particularmente evidente nos concelhos mais fustigados da região centro do país, onde vivo. O período do ano em que ocorreram estes incêndios – final do Verão e preâmbulo de Outono – terá proporcionado um contexto favorável à germinação e à propagação do eucalipto nos meses subsequentes. Pode admitir-se que muita desta germinação não será viável, mas há uma mudança em curso e uma expansão que tem de ser compreendida e rapidamente enfrentada.

Julgo que este é o momento em que importa uma avaliação prudente da situação, no interesse de todos, e a qual deve assumir um conjunto de premissas: 1. Há uma indústria importante para o país e para a qual o eucalipto e a produtividade do eucaliptal ainda é relevante; 2. Há uma potencial incompatibilidade entre os interesses da conservação da natureza e os interesses da produtividade silvícola, condição que se agrava quando as espécies revelam comportamento invasor; 3. O atual desordenamento não beneficia a indústria e também não beneficia a conservação da biodiversidade e serviços dos ecossistemas; 4. Continuando sem ordenamento e sem gestão na maior parte do território, num quadro climático e demográfico favorável à acumulação e impacto de múltiplos riscos, desperdiçamos recursos e condenamos de forma irreversível as boas soluções.

A insistência em debates e narrativas que fomentam a diabolização ou o endeusamento do eucalipto, numa insensata radicalização de posições, levará apenas a um aproveitamento indesejável e ao adiamento das soluções que verdadeiramente importam ao país.

Penso que este é o momento para um caminho de convergência daqueles que se preocupam genuinamente com a floresta e com o território, o que envolve naturalmente a própria indústria, no sentido da construção de uma agenda comum para o restauro da floresta portuguesa, incorporando princípios de valorização e sustentabilidade ecológica dos territórios.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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