“A Cimpor foi a galinha dos ovos de ouro. Ficou sem ovos. E depenada”

Trabalhadores habituaram-se às entradas e saídas da administração. Estão apreensivos, como sempre. Mas igualmente confiantes porque esperam a chegada de um dono que não use a Cimpor como um mero activo financeiro.

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Fátima Messias Rui Gaudêncio

Fátima Messias entrou na Cimpor para trabalhar na fábrica de Alhandra em Agosto de 1985. Só saiu de Alhandra para estar na sede, em Lisboa, em representação dos trabalhadores. Já regressou a Alhandra, mas continua a ser a representante dos trabalhadores.

É membro da Comissão de Trabalhadores da Cimpor e dirigente da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (Feviccom). Está, nesta dupla qualidade, habituada a ver entrar membros para o conselho de administração da empresa, desde que ela era uma grande empresa pública e depois passou a ser uma grande multinacional em mãos de privados.

É precisamente aí, na decisão de abrir o capital da empresa a accionistas privados que os verdadeiros problemas começaram. “Estes últimos anos têm sido consolidar a insegurança criada a partir daí”, relata. Agora, diz, na perspectiva de um novo conselho de administração e com a entrada de uma nova geografia nos comandos da empresa, os trabalhadores estão apreensivos, como sempre, mas igualmente confiantes.

A venda da Cimpor ao grupo turco Oyak foi anunciada. “Queremos acreditar que os novos donos querem mesmo investir na produção, procurar mercados, fazer a empresa crescer. E que façam a verdadeira diferença face a outros donos da Cimpor, para que termine este longo ciclo em que a empresa foi cobiçada, foi usada, foi uma arma de poder entre interesses económicos diversos”, diz Fátima Messias.

Uma “multinacionalzinha”

A trabalhadora recorda-se de quando a empresa era uma grande multinacional portuguesa, com presença em 12 países. Depois passou a ser uma multinacional portuguesa com presença em oito países.

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Rui Gaudêncio

“Agora é uma multinacionalzinha portuguesa com presença em dois países, Portugal e Cabo Verde”, ironiza a trabalhadora, acusando os últimos proprietários de terem deixado “a galinha depenada”. “A Cimpor chegou a ser a galinha dos ovos de ouro. Agora a galinha ficou sem ovos e está praticamente depenada”, afirma, referindo-se ao que considera ter sido “o desmantelamento da Cimpor para pagar as dívidas das empresas brasileiras”.

Mas o discurso de Fátima Messias, apesar de não estar completamente isento de preocupações (“só as poderemos dissipar quando tivermos a certeza do que pretende fazer a nova administração da empresa, assim que ela chegue”), não deixa de ter um pendor optimista. “Pelo que sabemos, os novos proprietários da Cimpor pertencem a um fundo de pensões dos militares turcos, que zelam os seus investimentos de uma forma muito séria. Eles têm áreas de negócios em várias indústrias distintas e uma delas é o cimento. São os líderes de mercado na Turquia e nós sempre vimos o cimento turco como um forte concorrente ao cimento português. Agora, vamos ser integrados”, argumenta.

Os novos donos da Cimpor, o grupo Oyak, empregam actualmente cerca de 30 mil pessoas em 19 países e registaram, em 2017, um volume de negócios de 10,2 mil milhões de dólares. A Oyak Cement conta com sete fábricas integradas de cimento, três moagens de cimento, 45 centrais de betão pronto localizadas na Turquia, com uma capacidade anual de produção de 12 milhões de toneladas. Gastou cerca de 700 milhões de euros — números avançados pela agência Reuters, ainda sem confirmação oficial — para integrar no seu portfólio as três fábricas e as duas moagens de cimento, as 20 pedreiras e as 46 centrais de betão localizadas em Portugal e em Cabo Verde.

Fátima Messias diz que agora é chegada a hora de investir, de melhorar a capacidade instalada da Cimpor, que está, neste momento, subaproveitada. “Temos muito mais capacidade do que aquela que está a ser utilizada. Se os turcos trouxerem com eles novos mercados, poderemos aumentar rapidamente a produção”, avisou.

Contactada pelo P2, fonte oficial da Cimpor remeteu todos os pedidos de informação para o comunicado divulgado a 26 de Outubro, data em que a operação foi anunciada, e desde a qual aguarda a aprovação dos reguladores. É nesse comunicado que a Oyak diz ter identificado o potencial de integração da Cimpor Portugal e Cabo Verde no âmbito da sua estratégia de internacionalização. A Oyak Cement já ocupa a posição cimeira em mercados muito relevantes, como a Ásia (por via da Oyak Thailand) e a própria Turquia. Faltava-lhes entrar na Europa e em África, mercados também considerados importantes. A Cimpor, com os seus activos em Portugal e Cabo Verde, pareceu-lhes a melhor porta de entrada.

Nos próximos meses será, então, possível verificar se o anúncio da empresa e as expectativas dos trabalhadores se confirmam. E se é possível ver regressar a Cimpor a uma estratégia de crescimento, aumento de produção e internacionalização.

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