Vintage 2016, um clássico para memória futura

Depois do prodigioso Vintage de 2011, o vinho do Porto volta a impressionar com um não menos extraordinário 2016. Um vinho ideal para quem se queira estrear nas maravilhas do vinho do Porto. Um Vintage obrigatório para os que há muito se renderam à grandeza dos Porto que crescem na garrafa.

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Adriano Miranda

Este ano assinalou pelo menos dois grandes momentos para a longa memória do vinho do Porto: um Colheita da Niepoort de 1863, em versão magnum, bateu todos os recordes de preços e foi vendido num leilão em Hong Kong por 111 mil euros, colocando uma vez mais o grande clássico duriense no topo das atenções do mundo do vinho; e, por volta da Primavera, foi declarado o Vintage de 2016, que, pela sua excelência, depressa se tornou num acontecimento à escala global. Se no caso da façanha da família de Dirk Niepoort o que vale a pena destacar são os tesouros guardados nas caves de Gaia e um método muito singular de conservação usado há mais de um século (os famosos demijohns, com capacidade entre os oito e os 11 litros), o sucesso do Vintage de 2016 é uma clara prova de força do sector do vinho do Porto do presente.

Comprar, guardar, provar ou oferecer vinhos desta vindima fabulosa é, por isso, um quase dever para os apreciadores com algum poder de compra. E escreve-se “algum” porque se é verdade que o Porto de categoria superior ainda está longe de atingir os preços médios dos vinhos com os quais concorre em qualidade e prestígio, também é verdade que a política comercial das empresas, que consiste em reduzir a oferta para colocar a pressão no lado da procura, continua a fazer subir os preços. A Taylor’s reduziu a sua produção para 6000 caixas de 12 garrafas, o que corresponde a cerca de metade da média dos anos anteriores. E as marcas do grupo Symington (Dow’s, Warre, Vesúvio, Graham’s ou Cockburn’s) cortaram a sua oferta entre 20 e 30% face à última grande declaração, a de 2011.

Quem se preocupar em exclusivo pelo negócio e ainda conseguir comprar umas garrafas ou uma caixa das marcas mais procuradas pelos apreciadores, coleccionadores ou especuladores tem, no entanto, uma outra boa razão para comprar: estes vinhos vão seguramente valorizar-se imenso no futuro. Para se ter uma ideia destas possibilidades, atente-se ao que aconteceu ao Dow’s de 2011: depois de ser pontuado com 100 pontos em 100 pela Wine Spectator, a sua cotação, a rondar os 380 euros por cada caixa de 12 à saída da empresa, não parou de crescer e situa-se agora na ordem dos 1400 euros.

Para um apreciador de vinho do Porto da categoria Vintage, esta não será, porém, a primeira razão para comprar. O ano de 2016 vai-se inscrever no curto rol dos Porto fora de série, ao lado dos 1963, 1977, 1980, 1994, 2007 ou 2011, porque é um vinho com uma inconfundível marca do ano e porque apresenta um nível elevadíssimo em todas as suas componentes. A começar pela fruta, intensa mas com um refinamento raro, continuando pela sua textura, delicada mas com uma discreta carga tânica que lhe dá garra e promete longevidade, e ainda mais pela sua complexidade que combina especiaria, toques de flores e de arbustos do Douro, e por uma harmonia muito perto da perfeição. “O 2016 poderá vir a ser a lenda moderna do Porto Vintage”, diz James Suckling, jornalista que nos anos 80 do século passado escreveu o seminal Vintage Porto, ainda hoje um guia obrigatório para se entrar no maravilhoso mundo dos fortificados do Douro destinados a envelhecer em garrafa.

É normal que, perante tanta euforia, se pergunte: depois do Vintage de 2011, que toda a crítica colocou nos píncaros, faz sentido voltar a fazer assim um panegírico tão intenso do 2016? A resposta é evidente: vale, sem dúvida. Mesmo que no prazo de dez anos tenha havido três edições geniais (2007, 2011, 2016), não se deve daqui inferir que o vinho do Porto descobriu subitamente uma fórmula mágica que lhe permite produzir a eito grandes clássicos. O que acontece é que a evolução no Douro da ciência dos solos, das videiras ou da enologia foi de tal forma extraordinária que as empresas da região são hoje capazes de corrigir eventuais problemas da natureza. Depois, as empresas dedicam quantidades cada vez mais seleccionadas de uvas para a criação dos vintage. E, finalmente, 2016 foi um ano de uma natureza pródiga – 2011 também o foi, mas com outras características.

O ano climático começou com um Inverno quente e húmido, que fez avançar o ciclo das plantas. Depois veio uma Primavera fria e húmida que ajudou à concentração das componentes fenólicas das uvas. Chegou então um Verão quente (registaram-se 43 graus no Pinhão, no dia 6 de Setembro) e seco. Uma chuva providencial a 25 e 26 de Agosto reequilibrou os efeitos do calor tórrido. A seguir veio o tempo da vindima e aconteceu um daqueles momentos mágicos que tornam a arte dos vinhos ao mesmo tempo produto do acaso e da razão. Os produtores que decidiram não esperar mais umas semanas e vindimaram no tempo seco do princípio de Setembro, perderam a chuva redentora de 12 e 13 de Setembro, que concedeu equilíbrio às uvas e lhes acentuou uma frescura e uma expressão aromática únicos. Como a chuva só reapareceu a 13 de Outubro, os que decidiram adiar uns dias a vindima puderam fazer a colheita na segunda metade de Setembro em condições excelentes de maturação e de complexidade.

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Stoyan Nenov/Reuters

 A maior parte das empresas teve intuição para antecipar o comportamento do clima e produziu vinhos que variam entre o muito bom e o extraordinário – entre as companhias clássicas, ficaram de fora a Niepoort e a Ramos-Pinto, que na edição de 2015 surpreendeu com um Vintage que é talvez o melhor desse ano algo injustiçado. Pela primeira vez em muitos anos, as marcas da Sogrape, principalmente a Sandeman, conseguiram apresentar vinhos capazes de bater o pé à concorrência das firmas ditas britânicas (uma designação que hoje faz pouco sentido, a não ser que se tenha apenas em consideração o seu nome). Quintas como o Vallado ou o Vale de Dona Maria exibiram ao mercado vinhos com absoluta classe. E até empresas familiares do Douro com pergaminhos nos Porto de categoria tawny (envelhecidos em casco) surpreenderam pelo nível de qualidade que apresentaram, caso da Quinta do Estanho. Claro que os viticultores e enólogos das grandes, médias ou pequenas companhias estiveram à altura do desafio, mas é evidente que quem está principalmente na origem das maravilhas de 2016 é a natureza e, em concreto, a natureza temperamental do Douro.

A sequência entre o calor e o frio, o Verão quente e seco e a chuva em momentos providenciais tornaram 2016 um ano ideal para a criação de vinhos com uma particular finesse, uma dimensão aromática irresistível e uma estrutura poderosa mas discreta mesmo nestes seus primeiros de fulgor. Enquanto 2011 é um Vintage másculo, imponente e categórico, 2016 é um vinho mais subtil, mais sofisticado e, por isso, mais fácil de beber quando jovem – embora seja um quase pecado não esperar que a sua intensidade dê lugar ao requinte que é apanágio dos grandes Porto.

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