Monte da Ravasqueira: um vale, o vinho e o ferro de coudelaria

Um dos segredos mais mal guardados deste vale é o Museu de Atrelagens que reluz entre as vinhas. Por aqui há raízes de romãs, cogumelos silvestres, piqueniques e um mil-folhas de massa fina e estaladiça que vale a pena descobrir.

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Museu de Atrelagens
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"Um achado!" É assim que à mesa alguém elogia a dona Suzete, que ajudou a confeccionar o peru com espinafres e farinheira e também o mil-folhas de massa fina e estaladiça recheado de creme de frutos vermelhos e doce de ovos. "Aprendi em casa e vou inovando. Gosto de cozinhar", assume com simplicidade a própria, sentada a uma das mesas largas da Casa da Malta, o antigo local de convívio dos ranchos do Monte da Ravasqueira, na vila de Arraiolos, que conserva o espírito afável e que procura manter-se fiel às suas origens. Ligada há três gerações à família José de Mello, e com uma área de três mil hectares de paisagem tipicamente alentejana, é mais ou menos essa a mensagem que esta casa pretende transmitir. "Um local que abre as portas para um modo de vida tradicional, calmo e tranquilo, mas capaz de surpreender a cada instante."

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As paredes brancas da Casa da Malta, lareira ao centro, estão marcadas pelas letras MR que se fundem numa só como num ferro de coudelaria — ou não fosse o apuramento da raça do Cavalo Lusitano um dos segredos mais mal guardados desta família, que em 1943 adquiriu a propriedade como retiro fora da cidade. Conta a história que em 1966, após o falecimento do seu pai, José Manuel de Mello assumiu a gestão do Monte da Ravasqueira, onde cresceram os seus 12 filhos, que hoje lideram o Grupo José de Mello e que ainda agora aqui se reúnem com os ramos mais jovens da árvore genealógica. Em 1996, com três décadas de experiência na arte de criar cavalos, o Monte da Ravasqueira sagrava-se campeão do mundo de atrelagem, um feito alcançado, a quatro cavalos, por uma equipa de Lusitanos conduzida por Feliz Brasseur, em Waregem, Bélgica. Foi a primeira grande vitória de Cavalos Lusitanos numa competição hípica mundial e como que o pretexto para o início de uma nova aventura: a vinha.

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Em 1998, os pomares foram arrancados pela raiz e nas encostas do vale, e de uma forma cirúrgica, foram plantadas as primeiras vinhas. "A fruta era muito boa, mas amadurecia muito tarde e com valor baixo", justifica Mário Gonzaga, responsável pelo enoturismo enquanto passeamos pelo vale onde lado a lado coexistem 18 castas. "As encostas funcionam como uma concha com condições diferentes nas maturações lentas. O facto de termos vinhas a altitudes diferentes e com todas as exposições solares vai dar origem a diferentes tipos de maturação. Assim, temos matéria-prima com diferentes perfis para ser trabalhada de uma forma independente." Para além disso, as barragens nas imediações fazem as vezes de um termóstato. "É normal chegarmos às seis da manhã e encontrarmos aqui uma neblina, que vai fazer com que as temperaturas durante a noite desçam abruptamente. Se durante o dia temos os 40 graus do Alentejo, à noite podemos ter 12, 13 graus. Esta relação directa com as maturações mais lentas vai fazer vinhos diferentes do resto do Alentejo. Não é o perfil típico", explica Mário Gonzaga, que por instantes se deteve num cruzamento com dois blocos de granito que suportam dois painéis de cerâmica bicesse com as inscrições Alvarinho e Viognier.

As cores do solo — e os vestígios romanos que por aqui se escondem mais do que as diferentes espécies de cogumelos silvestres —, a viticultura de precisão e as imagens aéreas do vale que estão afixadas no escritório do enólogo Vasco Rosa Santos são apenas alguns dos protagonistas destes "três mil hectares de histórias". "Seria possível separar cepa a cepa", explica Vasco Rosa Santos enquanto circulamos através de uma "adega vivida".

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O vale esconde, por exemplo, raízes profundas de romãzeiras — as mesmas que romanticamente se entrelaçaram com as da vinha para dar origem a um "puro single vineyard" — e, a dois passos, um espaço de piqueniques onde os visitantes, num dois-em-um, podem apreciar a riqueza visual do vale (onde também se produz azeite e mel e onde se procede à engorda de porco preto) e alguns dos sabores da região, cuja paisagem é dominada pelo sobreiro e azinheira. Salada de couscous com chouriço e grelos, partes de pato, salada de batatas, nozes e "pêro" (maçã) verde, feijão-frade e favas de vinagrete.... Se a vinha se alimenta daquilo que existe no solo, nós também.

No fundo, e para além de organizar diferentes provas e cursos de vinhos (degustar o vinho, conduzir o vinho e viver o vinho), as actividades de enoturismo do Monte da Ravasqueira procuram recordar "como é boa a vida no meio da natureza" e conhecer melhor a cultura alentejana através de uma série de actividades que reflectem o dia-a-dia de trabalho na propriedade (extracção de cortiça, vindima, apanha da azeitona, tapeçaria de Arraiolos...). "Se formos mais um enoturismo, somos um enoturismo a mais", resume Gonçalo Ribeirinho dos Santos, director de marketing.

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Se um dos pilares do Monte é a imponente adega, onde repousam os vinhos, o outro é o Museu de Atrelagens, uma forma de homenagear a criação de Cavalos Lusitanos fortemente enraizada na cultura da casa. A colecção privada, apontada como uma das maiores da Península Ibérica, foi adquirida por José Manuel de Mello e é composta por 37 exemplares, adquiridos ao longo de décadas em vários países, entre eles Inglaterra, França, Alemanha e Suíça, contando ainda com cinco peças de origem portuguesa. São peças que contam toda uma história, desde a primeira metade do século XVIII até à última metade do século XX, através das mais diversas tipologias como atrelagens destinadas a passeios na cidade e no campo, atrelagens utilizadas por médicos nas suas visitas domiciliárias, atrelagens de competição, atrelagens para transporte do clero ou utilizadas nas casas senhoriais, algumas exclusivas para crianças ou idosos, entre outras, contando a colecção até com um carro de neve.

O Enoturismo do Monte conta também com um conjunto de infra-estruturas como a Sala dos Azulejos, a Sala dos Arreios (para reuniões ou pequenos eventos) e o Picadeiro (espaço amplo, totalmente coberto, para eventos de maior dimensão).

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