Porque gostamos dos vinhos do Alentejo?

São 10 razões mas até poderiam ser mais. O Alentejo é a região preferida dos consumidores, é dali que vêm os vinhos de todas as gamas de preços e que são mais apreciados

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Bruno Lisita

O Alentejo é a região preferida dos consumidores, é dali que vêm os vinhos de todas as gamas de preços e que são mais apreciados, desde os vinhos em bag-in-box até aos ícones caros. A região tem uma significativa área de vinha, atingindo actualmente 21.354 ha e por isso tem muito espaço para produzir vinhos de todo o tipo.

Nos anos 1960 e 70 as adegas cooperativas concentravam a qualidade máxima da região: eram célebres os Garrafeira dos Sócios da Coop. de Reguengos, os Garrafeiras do Redondo, os rótulos de cortiça de Borba e, já então, os originais tintos de Portalegre. Digo tintos porque, à época, eram estes que prendiam a atenção do consumidor. Embora já se falasse nos “célebres” brancos da Vidigueira, na verdade era com os tintos que a região mais se identificava. Os tempos entretanto mudaram e do arranque das brancas para plantar castas tintas os produtores estão hoje a plantar cada vez mais brancas, correspondendo assim aos pedidos do mercado. Fora das cooperativas sobravam então poucos, muito poucos, produtores-engarrafadores de que todos conhecemos os nomes: Mouchão, Quinta do Carmo, Tapada do Chaves, José de Sousa, Horta do Rocio, Santos Jorge. A história do Alentejo conta-se também entre o antes e o depois da Reforma Agrária e, por isso, é sobretudo a partir dos anos 90 que se fala do Novo Alentejo: mais produtores, mais área de vinha, mais castas, mais estilos.

O crescimento teve as suas dores próprias porque a região não estava demarcada e ninguém tinha muitas certezas sobre o modus operandi da demarcação, onde deviam passar as “fronteiras” das sub-regiões e que castas incluir como obrigatórias e recomendadas. Das opções então tomadas (muito discutíveis) ainda hoje a região se ressente e, como consequência, chegámos à situação actual, em que são muito mais os vinhos com designação Regional Alentejano do que Alentejo. Cabe ao Conselho Geral resolver, algo que nestes 30 anos ainda não se conseguiu.

Vamos lá às nossas 10 razões. 

1. Aqui convive o Velho e o Novo Mundo vitivinícola. Do Velho sobram castas e sobram práticas, esquecidas umas, renascidas outras. Aqui encontramos as velhas adegas ao lado de edifícios gigantescos onde se produzem vinhos aos milhões de litros, por aqui temos as mais modernas práticas vitícolas, com rega instalada, estações meteorológicas nas vinhas, sondas e drones ao lado de vinhas de sequeiro que souberam adaptar-se ao clima quente da região e que até parece que apenas requerem que as deixem em paz. Aqui também encontramos os velhos tonéis onde sempre se amadureceu o vinho ao lado de caves repletas de barricas novas e câmaras frigoríficas para vinificar brancos em madeira.

2. Mais do que se pensa, o Alentejo tem boa diversidade orográfica, está muito longe de ser uma planície uniforme, da serra de São Mamede às planícies de Beja há muita diferença e variação. Os solos também são diferentes e, só para citar um exemplo, sempre se soube que a originalidade dos brancos da Vidigueira não vinha só da Antão Vaz, mas de uma combinação de solos graníticos com uma orografia que permite a influência de ventos marítimos e noites frescas de Verão.

3. O clima está longe de ser uniforme. Dos calores tórridos da Amareleja à frescura marítima de Vila Nova de Milfontes, das temperaturas das vinhas da serra de São Mamede às noites frescas de Estremoz, há mais variedade do que se pensa. Temos assim a possibilidade de fazer vinhos que espelhem essas diversidades. Depois é tudo uma questão de gosto e de escolha.


4. O Alentejo ainda conserva muitas das castas típicas que lhe moldaram o perfil no passado: nas brancas persiste a Roupeiro, Antão Vaz e Arinto, ao lado de outras que alguns não querem deixar morrer, como Perrum, Tamarez e Rabo de Ovelha. Nos tintos, além da presença da Castelão (outrora obrigatória), por cá continuam a Alicante Bouschet, a Trincadeira e a Aragonez, mas também a Moreto (sobretudo na Granja) e, embora em menor escala, a Alfrocheiro. A Alicante Bouschet esteve outrora confinada ao Mouchão e Quinta do Carmo, mas hoje está disseminada por toda a região.


5. Por aqui, em relação a novas castas, soube-se filtrar o que deveria ser adoptado e o que poderia ser dispensado. Assim, após alguma euforia dos anos 1980, a Cabernet Sauvignon passou à história mas a Syrah e a Touriga Nacional vieram para ficar. Chegaram também algumas “castas de tempero”, como a Petit Verdot e Touriga Franca. Pode agora dizer-se que o lote mais habitual de um tinto alentejano inclui três destas variedades: Alicante Bouschet, Syrah, Touriga Nacional, Trincadeira e Aragonez. Nas brancas o movimento de renovação não foi tão forte mas há que salientar a disseminação da Antão Vaz por toda a região, deixando de estar confinada à Vidigueira. Vieram depois a Viognier e os temperos de Sauvignon Blanc, Verdelho e Alvarinho. O lote mais frequente continua a ser Antão Vaz e Arinto.


6. O Alentejo tem a serra de São Mamede. Isolo-a aqui porque ela funciona como um todo: como serra que é, tem dispersão de vinhas até aos 700m, factor fundamental para o perfil de alguns vinhos; tem um clima próprio, mais fresco, e vinhas de orientação solar diversa; a serra é também o último reduto de vinhas velhas da região, tendo sobrevivido à euforia do arranque dos anos 1980 e 90. Por isso ali se conservam castas antigas, algumas totalmente desconhecidas dos consumidores e que, num verdadeiro field blend, originam vinhos de perfil próprio que estão a recolher cada vez mais adeptos. Por essa razão, várias empresas se interessaram pelas vinhas da zona: Fundação Eugénio de Almeida, Lusovini, Symington Family Estates e mais recentemente Sogrape estão por ali e essa pode ser uma razão para acreditarmos que o património tão próprio da serra se irá manter.


7. O Alentejo é a pátria dos vinhos de talha. Embora actualmente, por razões onde se misturam a moda e a conservação do património, haja produtores de outras zonas a fazer vinhos recorrendo a esta antiga prática, em boa verdade é na planície que a tradição impôs esta forma de fazer vinhos. Bem mais difícil do que se imagina, com muitas talhas a partirem-se durante a fermentação, atestando essa dificuldade, as talhas pesgadas contribuem para aromas originais, antigos, claramente afastados de tudo o que hoje se faz em enologia. Por isso muitos enólogos dizem, com humildade, que é preciso aprender com a prática porque a talha contém segredos escondidos.

8. O Alentejo tem projectos de dimensão. Embora os wine freaks só olhem para as produções microscópicas e para os produtores que em anos de boa produção fazem 1000 garrafas, a verdade é que o vinho só é negócio se tiver dimensão. Não há como fugir desta realidade. O vinho vende-se sobretudo nas grandes superfícies e para entrar nesse negócio tem de se ter disponibilidade para colocar centenas de milhar de garrafas no mercado. Há uma lógica trituradora neste negócio e há produtores que conseguem sair dela apostando todas as fichas na exportação, mas nem todos alcançam esse objectivo. Mesmo na exportação é preciso ter dimensão para responder a encomendas. Crescer torna-se assim obrigatório e o Alentejo tem respondido em várias frentes, beneficiando também do apreço que os seus vinhos têm em Angola e Brasil, por exemplo.


9. O Alentejo tem ícones. Todos sabemos como eles são importantes para o prestígio de uma região. Nem sempre as razões do sucesso de uma ou outra marca são evidentes, mas a verdade é que, para citar o mais óbvio, o nome Pêra-Manca é hoje um verdadeiro mito no Brasil e Angola, ao nível do outro mito duriense, o Barca Velha. Também por cá há vários anos que se torna difícil adquirir e, pior, pagar o que se pede por uma garrafa de Pêra-Manca tinto. Ganha a região. Não há muito mais ícones no Alentejo mas o Mouchão soube impor o seu Tonel 3-4 como a quintessência da Alicante Bouschet e é hoje uma marca de enorme prestígio. Se formos a uma garrafeira, local por excelência para procurar os mais prestigiados vinhos da região, vemos que os preços médios subiram consideravelmente e são muitos os que rondam (um pouco para cima ou para baixo) os 50 euros por garrafa. Boas notícias para o prestígio da região, mais dificuldades para os consumidores. Nestas circunstâncias houve quem nos ensinasse a frase mágica: é a vida…!

10. O Alentejo tem uma gastronomia extraordinária. Partindo de uma base elementar, pão, azeite e umas ervinhas (como dizia o nosso saudoso amigo David Lopes Ramos), a região construiu um património gastronómico muito rico e diversificado, com maior foco nas carnes de porco de montado e borrego, com abundante recurso aos coentros, a erva mágica a que alguns, que não são do Sul, teimam em não dar crédito, mas também às beldroegas, à hortelã da ribeira, aos orégãos. Mais recentemente, também a criação de carne de vaca certificada de raça alentejana veio alargar as escolhas. Se a tudo isto juntarmos a variada oferta de enoturismo e agroturismo, dos abrigos mais simples aos hotéis rurais mais sofisticados e sempre invariavelmente associados à gastronomia, não nos faltam razões para gostar dos vinhos alentejanos.

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