Vivemos de costas voltadas para os vinhos franceses mas continuamos a tentar fazer vinhos portugueses à francesa

O nosso provincianismo não se revela na nossa recusa (ou será medo?) de provar vinhos estrangeiros. Revela-se, sobretudo, na maneira como continuamos a querer fazer vinho português à francesa.

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Miguel Manso

Tenho passado os últimos meses a provar conhaques. Encontro muita resistência por parte dos portugueses. A atitude deles é “com tantas boas aguardentes portuguesas, era o que faltava, pôr-me a beber aguardentes francesas”.

A verdade, creio eu, é que os portugueses também não bebem (ou conhecem) as aguardentes portuguesas. Quantos provaram, por exemplo, a aguardente da região demarcada da Lourinhã?

Nós, os portugueses, sejamos francos, bebemos whisky escocês e whiskey irlandês. Isso cria-nos uma grande culpabilidade em relação às aguardentes portuguesas. É essa culpabilidade que leva à insana indiferença pelo mundo fascinante e delicioso dos conhaques.

É caso para dizer que os portugueses gostam de whisky porque os portugueses não fazem whisky. É esta a verdadeira snobice de que sofremos: a não ser nos vinhos de mesa, nós preferimos sempre as bebidas estrangeiras.

Eu, por exemplo, nunca provei nenhum vinho Moscatel que não fosse português. Por um lado, falta-me a curiosidade e, por outro, sinto-me culpado de não ter provado mais do que duas dúzias de bons Moscatéis.

Com os vinhos estrangeiros, acontece o mesmo. A conversa do “temos vinhos tão bons” associa-se à questão dos nossos preços mais baixos. Mas a verdade é que há bons vinhos europeus a preços simpáticos e, cada vez mais, bons vinhos portugueses a preços indefensáveis.

O nosso provincianismo não se revela na nossa recusa (ou será medo?) de provar vinhos estrangeiros. Revela-se, sobretudo, na maneira como continuamos a querer fazer vinho português à francesa.

Cabe na cabeça de alguém alterar um bom vinho branco português, feito com castas portuguesas, com o sabor de carvalho-francês? Esqueça-se o extravagante custo acrescido, passado para o consumidor. Esqueça-se o sacrifício de um vinho fresco e novo que é obrigado a envelhecer para os efeitos da madeira serem menos óbvios.

Aquilo que impera é a sujeição aos modelos franceses. Não são os melhores grands crus de Chablis envelhecidos em barricas? E se em Portugal agora se vem usando menos madeira francesa (graças a Deus) será porque somos nós a corrigir o erro ou estaremos, mais uma vez, irredimivelmente, a copiar o que os franceses estão a fazer?

Felizmente, há cada vez mais vinhos portugueses feitos conforme as nossas tradições – que, obviamente, não têm madeira francesa – mas com a sabedoria e a limpeza das técnicas contemporâneas.

Espero ainda estar vivo quando a utilização de carvalho-francês novo for vista como uma moda aberrante para nos fazer rir das pretensões do século XX.

A leitura de A Cidade e as Serras continua a ilustrar perfeitamente o dilema português. Temos coisas muito boas. Os franceses também. Mas as deles são mais finas. E nós também queremos ser finos.

Em vez de fazermos o que é sensato (recusarmo-nos a escolher entre as duas culturas), oscilamos entre defender acerrimamente o que é nosso e elogiar tresloucadamente a superioridade das culturas mais fortes.

Felizmente, há um autor português, grande sábio do vinho, que defende obstinadamente os vinhos bons, sejam de que nacionalidade forem. É João Paulo Martins, claro, e é típico da generosidade dele oferecer no seu website as soberbas crónicas que escreve para o Expresso.

Voltando aos conhaques, é estranho que os apreciadores de aguardente de cevada (whisky) não se interessem mais pelas aguardentes vínicas de Cognac (duplamente destiladas) e de Armagnac (destilada uma só vez).

Até a apreciação do Cognac é parecida com a do whisky. Para provar pode-se usar um cálice Glencairn próprio para whiskies. Os melhores conhaques (tal como os melhores whiskies e runs) não precisam de mais nada.

De resto, convém provar os conhaques lado a lado: numa copita sem nada, num copo com uma pedra de gelo e, depois, como long drink. À inglesa é com ginger ale, à francesa é com água tónica (sim, eu sei) e à antiga é com água gaseificada (a melhor com conhaque e whisky é a Perrier).

Os preconceitos, como sempre, são os piores obstáculos no caminho para o prazer.

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