Vida independente é um direito que depende da “boa vontade de quem está a governar”

Autodeterminação, escolha e controlo são alguns dos aspectos inerentes à vida independente. O modelo proposto em Portugal compromete esses “princípios básicos”, diz o investigador Fernando Fontes.

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ADRIANO MIRANDA

Fernando Fontes é investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Actualmente, coordena o projecto Decide, que tem entre os seus objectivos a avaliação do projecto-piloto da Câmara Municipal de Lisboa de apoio à vida independente, o único que está a funcionar no país, com apenas cinco beneficiários. Defende que esta é uma forma de autonomização das pessoas com deficiência, mas avisa que ao fazer das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) um intermediário do financiamento aos assistentes pessoais, a emancipação fica em risco, uma vez que a pessoa não tem o poder total de escolher o seu assistente.

Há mais-valias em adoptar políticas de incentivo à vida independente?
Absolutamente. Não é por acaso que aparece plasmada na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência. O artigo 19 contempla a questão da vida independente. Trata-se de encararmos as pessoas com deficiência como cidadãos e cidadãs deste país. 

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E há condições em Portugal para que todas as pessoas tenham acesso à vida independente?
Eu espero, sinceramente, que sim. Pela forma como estamos a avançar, a vida independente ainda não vai ser um direito para as pessoas com deficiência. Vai ser apenas acessível a algumas pessoas. São projectos-piloto que têm uma duração e um orçamento limitado, o que vai impedir que todas as pessoas possam aceder à vida independente. Isto também depende muito da boa vontade de quem está a governar. É uma questão de direitos humanos e de cidadania. 

Financiar a vida independente através das estruturas que têm de ser IPSS é uma opção que tem sido alvo de várias críticas. Porquê?
O Colin Barnes, um dos grandes teóricos sobre deficiência, identifica quatro princípios da vida independente: autodeterminação; escolha; controlo em relação a todos os serviços de apoio; remoção das barreiras incapacitantes da sociedade. Quando estamos a atribuir a uma IPSS, que é o que vai acontecer em Portugal, muito deste processo passa a ser controlado pela instituição. Creio que não deviam ser IPSS, mas associações criadas por pessoas com deficiência. Isto não é mais um serviço como os restantes que muitas destas IPSS têm. O que vai acontecer em Portugal é que a grande maioria dos Centros de Apoio à Vida Social (CAVI) vão ser criados por instituições já existentes que prestam apoio às pessoas com deficiência. A mim arrepia-me ter uma instituição que tem um lar residencial e que na porta ao lado tem um CAVI. A filosofia e a política são totalmente diferentes.

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