Portugal “fez muito”, mas regras “exigem mais”

Pierre Moscovici elogia esforço português, mas Comissão repete avaliação dos anos anteriores e diz que Orçamento está em risco de incumprimento das regras orçamentais europeias.

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LUSA/JULIEN WARNAND

Apesar dos elogios feitos aos resultados dos últimos anos, a Comissão Europeia voltou, tal como já tinha acontecido nos anos anteriores, a colocar Portugal no grupo de países cujo Orçamento é considerado em risco de não cumprimento das regras europeias. Bruxelas defende que o país voltou a ficar longe da redução do défice estrutural necessária para garantir que a consolidação orçamental é sustentável.

De acordo com o comunicado publicado esta quarta-feira, os planos de Oçamento apresentados por Portugal, Bélgica, Eslovénia e França “colocam um risco de incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento em 2019”, podendo “conduzir a um desvio significativo relativamente às trajectórias de ajustamento no sentido da realização do respectivo objectivo orçamental a médio prazo”. A estes países irá ser pedido que tomem medidas que mitiguem estes riscos e que serão avaliadas já na Primavera do próximo ano.

É por estar a antecipar uma redução do défice estrutural menor face à exigida pelas regras e um crescimento da despesa primária líquida mais elevada que a Comissão Europeia faz esta avaliação, que é semelhante à registada em todos os anos desde que Portugal concluiu o programa de ajustamento da troika.

No relatório agora divulgado, a Comissão calcula que, se é verdade que o saldo estrutural irá registar em 2018 uma melhoria de 0,4 pontos percentuais (bem melhor do que aquilo que era previsto há um ano por Bruxelas), em 2019 este indicador permanecerá inalterado (o Governo estima uma melhoria de 0,3 pontos), o que cria um risco de desafio significativo face às regras que exigem uma melhoria de 0,6 pontos.

Ainda pior é a avaliação relativa à variação da despesa primária (líquida de alguns tipos de despesa), um indicador que tem vindo a ganhar importância na avaliação que é feita pela Comissão à política orçamental seguida pelos diversos países. Aqui, Bruxelas diz que a taxa de variação da despesa primária líquida deve ficar 1,5 pontos percentuais acima do exigido em 2018 e 1,4 pontos acima em 2019, reforçando a ideia de existência no OE de um risco de desvios significativos face às regras.

Relativamente à Itália, considerado neste momento o caso mais grave pela Comissão, o executivo europeu foi bem mais longe, decidindo recomendar, de forma inédita mas já esperada, a abertura de um procedimento por défice excessivo com base na dívida. No pólo oposto, dez Estados-membros – Alemanha, Áustria, Chipre, Finlândia, Grécia, Irlanda, Lituânia, Luxemburgo, Malta e Países Baixos – viram os seus orçamentos serem classificados como estando “conformes com o Pacto de Estabilidade e Crescimento”. E no caso de três Estados-membros – Eslováquia, Estónia e Letónia – foram considerados “globalmente conformes”.

Destaque para a Grécia, que foi pela primeira vez avaliada no âmbito do Semestre Europeu, tendo passado com distinção, com o plano a ser declarado conforme as regras do PEC. Mais, segundo disse o Moscovici, com um excedente primário de 3,5% do PIB, a Comissão não vê necessidade de o Governo avançar com as medidas previstas e acordadas há dois anos de cortes suplementares nas pensões. “Não é segredo nenhum que essas medidas não eram do agrado da Comissão e estamos confiantes que o Eurogrupo vá apoiar a nossa opinião”, disse o comissário, repetindo que a sustentabilidade do sistema não está em risco. “Não é do interesse dos credores insistir nesse corte”, que iria levar a um empobrecimento ainda maior de um grupo que já está muito vulnerável. “Isso só iria contribuir para a instabilidade, cinco meses após a conclusão do programa de assistência financeira.”

“Encantado”, se a Comissão falhar as previsões

Apesar de Portugal estar, mais uma vez, no grupo de países em que é detectado um risco de incumprimento das regras orçamentais europeias, na conferência de imprensa de apresentação das conclusões da Comissão não faltaram elogios a Portugal. O comissário para os Assuntos Económicos e Financeiros começou por “saudar o facto de as finanças públicas portuguesas terem melhorado muito significativamente nos anos recentes”, apresentando isso como uma prova de que “as políticas certas produzem crescimento e redução do défice e da dívida”.

No entanto, Pierre Moscovici, explicou a seguir porque é que essas melhorias não evitam que Portugal volte a ser colocado no grupo considerado de risco. “O foco das nossas regras sobre o esforço estrutural é para assegurar que a melhoria nas finanças públicas é durável, tanto nos maus momentos como nos bons momentos. E é por isso que a redução do défice estrutural é importante, é o verdadeiro motor de uma redução de défice sustentável. Portugal fez muito até aqui, mas as nossas regras exigem que mais esforço seja ainda feito”, afirmou.

O comissário respondeu ainda a António Costa, que assinalou recentemente que as previsões da Comissão sobre os orçamentos portugueses têm falhado nos últimos anos. “Todos sabemos que pode haver variações entre as previsões, que são baseadas em critérios técnicos e na informação disponível no período que antecede a publicação, e depois os resultados. Mas baseado nos anteriores exercícios diria que os nossos relatórios são tão precisos como os de outras instituições internacionais como o FMI e OCDE”, defendeu-se. Dirigindo-se depois directamente ao primeiro-ministro português, declarou: “Ficarei encantado se Portugal acabar por ter um desempenho melhor do que nós estimamos e prevemos, como aconteceu no passado. E o meu bom amigo António Costa então terá novamente o prazer de tweetar que nós nos enganámos. Gostaria muito que isso acontecesse e pode muito bem acontecer”, disse.

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