Apoio às artes e autonomia dos museus entre os "dossiers prioritários" da ministra da Cultura

A pasta de assuntos a tratar no ano que Graça Fonseca tem pela frente inclui ainda as colecções de arte dispersas, da SEC à do Novo Banco, passado pela dos Mirós, esta última já mais encaminhada. Diz a nova ministra que, antes de saber que arte contemporânea precisa de comprar, o Estado deve conhecer a que já tem.

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Graça Fonseca assumiu o cargo de ministra da Cultura há cerca de um mês LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO;Jose Sena Goulao

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, quer resolver "dossiers prioritários" durante 2019, mas tem um objectivo na mira: imaginar a política pública de cultura daqui a dez anos, como afirmou em entrevista à agência Lusa.

Um mês depois de ter tomado posse, sucedendo a Luís Filipe Castro Mendes, e a um ano de distância das eleições legislativas de 2019, Graça Fonseca tem apenas alguns meses para "resolver e desbloquear as questões que foram mais polémicas ao longo deste ano", como o modelo reformulado de apoio às artes e o regime de autonomia dos museus e monumentos.

Mas a ministra da Cultura, dirigente socialista, ex-secretária de Estado Adjunta e da Modernização Administrativa, traçou uma "terceira linha" de governação a partir do Palácio da Ajuda: "É absolutamente decisivo pensar a Cultura a médio e longo prazo." "Temos de começar a pensar como imaginamos a política pública de Cultura daqui a dez anos, como geramos novos públicos, como começamos agora a aprofundar as acções com a Educação, trabalhando com os mais novos", defendeu.

Sobre 2019, ano de legislativas, Graça Fonseca diz que haverá "muita concretização" e espera "alguma tranquilidade" no sector das artes, com a perspectiva de um modelo de apoio reformulado e revisto, um aumento de 30% de financiamento e uma possível antecipação de calendários de apoio "para que as verbas consigam ser antecipadas" para as estruturas culturais.

Sobre a reformulação do modelo de apoio às artes, cujas novidades não são ainda conhecidas, Graça Fonseca referiu que a revisão "se baseia quase a 100% nas recomendações consensuais do grupo de trabalho", criado com representantes do sector. "O que o Governo fará é aceitar praticamente na íntegra todas as recomendações consensuais do grupo de trabalho", disse.

O calendário da Direcção-Geral das Artes continuará a incluir concursos bienais.

A autonomia possível

Outro dossier deixado organizado por Luís Filipe Castro Mendes, como sublinhou a sucessora, é o da autonomia de gestão há muito reclamada por vários museus e monumentos. Haverá um ano experimental para depois "aprofundar a autonomia de forma mais orgânica". "A autonomia que vamos conseguir é dentro do quadro legal que temos. Os directores vão ter competência delegada até um limite (...) para gerir despesas e receitas, e isso é o que o actual enquadramento legal permite fazer, criando depois alguns mecanismos que vão permitir flexibilizar como a gestão é feita. Este é um patamar inicial para, a médio prazo, construir um modelo diferente de autonomia", explicou.

Há ainda um acervo de arte contemporânea na posse do Estado que a tutela quer solucionar e gerir "de forma mais estratégica e integrada", porque inclui obras de arte dispersas por outras entidades — a chamada "colecção SEC" —, e colecções que vêm de bancos, como a denominada "colecção Miró" e a colecção de arte do Novo Banco.

"Para definirmos como devem ser feitas as aquisições de novas obras de arte [contemporânea] é preciso perceber as obras que [esse acervo] tem, os artistas que tem, para posicionar o que faz sentido adquirir. Não interessa só adquirir, mas também como vamos expor, como os cidadãos vão fruir as obras de arte que estão no espólio do Estado", disse.

Para 2019, segundo o Orçamento do Estado, a tutela da Cultura terá um orçamento consolidado — que inclui todas as fontes de financiamento e receitas gerais — de 501,3 milhões de euros, quando o de 2018 foi de 480,6 milhões de euros. Graça Fonseca considera que "a cultura tem um impacto económico extraordinário em qualquer país e isso tem de ser medido".

"Temos de, se calhar, ter instrumentos para perceber de que maneira o financiamento público de Cultura, aquilo que deve continuar a ser o apoio através do Orçamento do Estado às várias actividades, tem um impacto económico muito significativo, porque isso também faz parte do caminho que temos de prosseguir sobre o aumento do que é o apoio público à Cultura", disse.

Questionada sobre essa meta tantas vezes abordada de "1% para a Cultura", Graça Fonseca responde: "Eu até gostaria que fosse mais do que 1%. O que queremos é que a parte do investimento público cresça sustentadamente. Temos de perceber o que é 1%. Se é 1% no Ministério da Cultura ou 1% nas políticas públicas de Cultura."

Feiras internacionais e livrarias de bairro

É no sector do livro que a nova ministra da Cultura terá o seu primeiro palco internacional. Portugal é o país convidado da Feira Internacional do Livro de Guadalajara, uma das maiores do mundo, que começa no sábado. Graça Fonseca diz que nesta participação na feira mexicana Portugal deve ser olhado como uma "potência cultural": "É um país com quase mil anos de história, mas que conseguiu reinventar-se e tem hoje em dia novas gerações que representam uma riqueza cultural. Acho que a imagem que conseguimos passar com este programa é que Portugal é uma potência cultural e deve ser olhado assim. É importante que isso seja projectado internacionalmente", afirmou.

Considerada a maior feira do livro e de negócio editorial da América Latina, a Feira de Guadalajara decorrerá entre sábado, 24 de Novembro, e 2 de Dezembro, com uma programação cultural associada que se estende pela cidade mexicana e que inclui cinema, dança, música, arquitectura e artes visuais.

A presença de Portugal na feira, que custará cerca de dois milhões de euros, insere-se numa estratégia de divulgação internacional da cultura portuguesa. "A expectativa é de maior promoção da internacionalização dos autores e criadores portugueses", disse a ministra.

Enquanto em Guadalajara estará uma embaixada portuguesa com "um programa extraordinariamente rico", com editores, programadores e cerca de 40 escritores, internamente Graça Fonseca ainda não se reuniu com o sector livreiro, por estar apenas há um mês à frente do Ministério da Cultura.

O Orçamento do Estado para 2019 define duas prioridades para o sector do livro: apoio à criação literária e apoio às livrarias, aos quais a ministra da Cultura acrescenta o apoio à tradução para internacionalização das obras em língua portuguesa. Sobre o primeiro, explicou que as bolsas de criação literária, recentemente reactivadas, são para continuar, mas a ministra quer perceber como é que o regime pode ser alargado, a que áreas, e que "impacto isso tem no aparecimento de novas obras e novos autores".

O apoio às livrarias deverá passar pela concretização do selo de mérito cultural, uma das medidas da anterior tutela e que se relaciona com o grupo de trabalho das livrarias independentes, que apelam a um maior equilíbrio do sector, entre pequenos e grandes livreiros. Segundo Graça Fonseca, a Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB) tem em cima da mesa uma proposta de constituição de uma rede de livrarias de mérito cultural. Os critérios de atribuição do selo distintivo poderão passar por moldes semelhantes ao programa de protecção das lojas históricas.

"As cidades mudaram muito ao longo das últimas décadas e isso significa que temos de ter políticas públicas que assegurem a preservação da nossa identidade, garantir que as livrarias não fecham, e vai ser preciso instrumentos legais para o evitar", disse à Lusa.

Recusando a ideia de que o selo de mérito cultural seja uma "bóia de salvação" para evitar o fecho das livrarias independentes e mais pequenas, Graça Fonseca fala na "feliz conjugação entre políticas públicas e vontades privadas". "Se desejam que a configuração das cidades não se altere radicalmente e que as livrarias e as lojas históricas não fechem, as pessoas têm de ser co-responsáveis para que isso aconteça, porque uma livraria não fechará enquanto tiver actividade económica, ou seja, enquanto eu for lá comprar livros", opinou.

Portugal em Guadalajara

A ministra da Cultura estará no sábado na abertura oficial da Feira Internacional do Livro de Guadalajara, onde fará uma intervenção, mas há um programa cultural associado que arrancará dias antes e no qual também estará presente.

Na quinta-feira, Graça Fonseca inaugurará a exposição O que dizem as paredes: Almada Negreiros e a pintura mural, no Instituto Cabañas, onde serão reveladas as tapeçarias que reproduzem os painéis que Almada Negreiros fez nos anos 1940 para a Gare Marítima de Alcântara e para a Gare da Rocha do Conde de Óbidos, pondo-os em diálogo com os murais do pintor mexicano José Clemente Orozco.

Na sexta-feira, são inauguradas duas exposições: Variações sobre uma tradição: Dos lenços de amor aos bordados com poesia, no Museu Regional de Guadalajara, e Ana Hatherly e o Barroco: Num jardim feito de tinta, no Museo de las Artes.

No encerramento oficial da feira, a 2 de Dezembro, estará o primeiro-ministro, António Costa. A sessão servirá ainda para Portugal passar o testemunho à Índia, país convidado da edição de 2019 desta importante feira do mercado editorial.

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