Projectos sobre cachalotes na Madeira e enguias nos Açores ganham 150 mil euros

Segunda edição do Fundo para a Conservação dos Oceanos, lançado pelo Oceanário de Lisboa e pela Fundação Oceano Azul, dá 100 mil euros a estudo sobre a migração das enguias nos Açores e 50 mil euros a projecto sobre o cachalote na Madeira.

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O recorte da barbatana caudal das baleias será arquivado num catálogo Paulo Pimenta

A aposta na protecção de espécies ameaçadas mantém-se. Depois das raias e tubarões em Portugal, a segunda edição do Fundo para a Conservação dos Oceanos vai apoiar um projecto dedicado ao vulnerável e enorme cachalote na Madeira (e arredores) e um estudo sobre a pequena enguia-europeia, classificada como uma espécie criticamente em perigo, que vive nos Açores. No total são 150 mil euros para a luta pela conservação da biodiversidade, em projectos que decorrem em Portugal e especialmente dirigidos a espécies em perigo.

Em 2017, o Oceanário de Lisboa e a Fundação Oceano Azul escolheram um projecto que apoiava o tubarão, conscientes da sua imerecida má fama e reputação. A edição deste ano promete ajudar a beneficiar a imagem de um outro animal seriamente ameaçado que, à partida, pode também não merecer uma particular simpatia da maioria das pessoas: é a enguia-europeia, ou Anguilla anguilla.

O projecto apresentado pela Fundação Gaspar Frutuoso é coordenado por José Azevedo, professor da Universidade dos Açores e investigador do Grupo de Biodiversidade dos Açores, e promete explorar uma das mais intrigantes e facetas deste animal. “A enguia tem uma das migrações mais complexas do reino animal. É impressionante”, avisa o investigador. Por incrível que pareça, a vida das enguias pode ser fascinante.

Sabemos hoje que este animal nasce no mar, faz uma viagem de milhares que quilómetros que poderá demorar anos até aos rios e lagos europeus, onde cresce até à idade adulta, regressa ao mar alto (ao mesmo local de nascimento) para se reproduzir e morrer. Pelo caminho, transfigura-se em várias formas, cores e feitios. A hipótese que coloca a maternidade e cemitério das enguias-europeias (e da enguias americanas, já agora) num mesmo lugar, no Mar dos Sargaços, foi avançada pelo oceanógrafo dinamarquês Johannes Schmidt em 1922. José Azevedo quer aproveitar a privilegiada localização dos Açores (próximo do Mar de Sargaços) e a população (ainda que em reduzido número) de enguias que escolhem os rios e ribeiros açorianos como destino para confirmar a hipótese de Schmidt e saber mais sobre esta espécie animal que “corre um sério risco de extinção”.

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George Cowan

Seguir as enguias

Não fosse suficiente o facto de existir um parasita que viajou das aquaculturas japonesas introduzidas na Europa para as espécies selvagens e que estará a matar muitos destes animais, existe ainda a ameaça trazida pelo homem e por capturas ilegais daquele que é um petisco para muitas pessoas. A enguia tem várias fases de desenvolvimento e uma delas, quando é o chamado meixão, é especialmente atractiva. Segundo José Azevedo, o tráfico das capturas ilegais de meixão é uma das maiores ameaças a esta espécie. Vendido a peso de ouro na China, o meixão chega a ser traficado a cerca de 1500 euros por quilo nas redes ilegais com destino aos compradores chineses que, por sua vez, conseguem obter um lucro considerável junto dos consumidores.

O projecto coordenado por José Azevedo não tem como objectivo resolver a exploração ilegal, mas quer proteger a enguia. “Serão conduzidos estudos sobre a distribuição, dinâmica populacional e os movimentos das enguias nos Açores”, refere o resumo sobre a investigação, acrescentando que “com base em métodos de telemetria via satélite e estudos genéticos e ecológicos pretende-se compreender os factores que determinam o período de migração da enguia-europeia”.

Assim, José Azevedo explica que este estudo poderá confirmar a hipótese de migração das enguias até ao Mar dos Sargaços e também ajudar a reunir dados que sustentem o facto de as viagens de regresso das enguias a este local, no final das suas vidas, demorar afinal mais tempo do que se pensava. “Julgava-se que demoravam meses, que começavam a viagem no Inverno na Europa e chegavam na Primavera ao local. Mas hoje já percebemos que esta rota, afinal, demorará mais de um ano”, adianta.

É preciso seguir as enguias para saber quando e para onde nadam. Para isso, os investigadores vão recorrer à colocação de 20 transmissores via satélite em enguias. Os 100 mil euros de financiamento garantidos agora pelo Fundo para a Conservação dos Oceanos vão servir para a aquisição deste equipamento.

O plano A é tentar iniciar esta vigilância no final deste ano, aproveitando o facto de estarem a começar a viagem de regresso ao mar. Mas o mais provável, de acordo com José Azevedo, será cumprir o plano B que agenda essa “perseguição” para o Inverno de 2019.

Dos 20 transmissores que serão colocados nas enguias, todos têm uma bateria para a emissão do sinal com a sua posição que durará entre quatro a cinco meses e uma grande parte dos equipamentos ficará pelo caminho. É assim mesmo. A perda de transmissores faz parte deste esforço de investigação. José Azevedo lembra um dos grandes projectos internacionais, que terminou em 2007, colocou 700 enguias sob vigilância e que apenas conseguir recuperar 200 transmissores. Neste caso, conseguir ficar com pelo menos dois transmissores já poderá ser considerado um final feliz.

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João Brum / Universidade dos Açores

As enguias a seguir serão algumas que fazem parte da reduzida população que escolhe os caudais de água doce nos Açores para viver. “Num contexto de crise e extinção, todas as populações contam”, justifica o investigador, acrescentando que também pretende aproveitar as vantagens da proximidade do Mar de Sargaços e o facto de as enguias dos Açores não terem registo de estarem afectadas pelos tais parasitas fatais que foram detectados noutras populações na Europa.

"A maior criatura com dentes"

O projecto Whale Tales é o outro financiado pelo Fundo para a Conservação dos Oceanos. Foi apresentado pela Associação Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação (ARDITI) e vai receber 50 mil euros. O objectivo é “aumentar o conhecimento científico sobre a utilização de habitat e da condição fisiológica do cachalote nas águas insulares da Macaronésia, com foco no arquipélago da Madeira, onde existe menos informação”.

Filipe Alves, investigador da ARDITI e do Mare (Centro de Ciência do Mar e Ambiente), explica ao PÚBLICO que este trabalho pretende responder a um mar de perguntas sobre estas enormes e magníficas criaturas que andam pelas águas insulares, próximo da Madeira, mas também dos Açores e das Canárias. “Queremos saber quantos são, quem são, como são, o que fazem, como estão de saúde e através dessa resposta obter também dados sobre todo o ecossistema.”

O que sabemos então agora sobre os cachalotes? “Pouco, quase nada sobre a sua ecologia. Sabemos que são a maior criatura com dentes à face da Terra. Que são uma espécie altamente móvel que vive num habitat sem barreiras físicas e que ocorre ao longo de todo o ano por estas águas”, responde Filipe Alves. Sabemos ainda, nota ainda o investigador que é neto de um baleeiro, que o cachalote é uma espécie classificada como vulnerável após anos de caça no passado (ainda recente) e de poluição (desde os plásticos na água até aos barulhos cá fora) no presente.

O estudo sobre o Physeter macrocephalus junta várias áreas, parceiros e tecnologias. “O projecto irá utilizar dados recolhidos em censos visuais, foto-identificação (baseada nas marcas individuais presentes na barbatana caudal), biomarcadores de satélite, biópsias e presença de microplásticos na superfície da água”, explica o resumo sobre o projecto.

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João Silva/Arquivo

Os cachalotes (ou baleias) serão marcados na barbatana dorsal com um pequeno aparelho que o investigador compara a “um piercing numa orelha de uma pessoa” e que vai permitir seguir estes cetáceos. Serão ainda recolhidas amostras de pele (nalguns casos elas ficam a flutuar na água) para análises genéticas. E a imagem do recorte da barbatana caudal de cada indivíduo vai ser recolhida e arquivada num “álbum” como se de uma impressão digital se tratasse. “Este projecto vai permitir saber mais sobre a espécie e sobre o habitat dos cachalotes, tendo como foco principal a Madeira, mas beneficiando também o conhecimento sobre as águas insulares dos Açores e das Canárias”, diz Filipe Alves.

Ao contrário do que se passa com a enguia, os investigadores vão usar a simpática espécie que inspirou, por exemplo, a célebre história de Moby Dick (de Herman Melville) para chegar ao público. “Vamos usar ferramentas multimédia que vão permitir, por exemplo, a transmissão em tempo real da posição dos indivíduos. Vamos divulgar vídeos e fazer parcerias com várias entidades, desde escolas a operadores turísticos”, diz o investigador.

O Fundo para a Conservação dos Oceanos foi lançado em 2017e a 1ª edição teve como tema “Raias e tubarões – Da escuridão para a luz da ciência”, tendo premiado três projectos com 100 mil euros (no total). Este ano o financiamento aumentou e dos 14 projectos candidatos foram escolhidos dois projectos numa edição que tinha como tema “Espécies Marinhas Ameaçadas – Da ciência para a consciência”. Os candidatos tinham de apresentar iniciativas que contribuíssem para a conservação de espécies marinhas classificadas como criticamente em perigo, em perigo e vulnerável na “Lista Vermelha” da União Internacional para a Conservação da Natureza. Ganharam as enguias e os cachalotes. E ganharam, outra vez, os oceanos.

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