Bagão e Cravinho alertam para o “imprevisível” risco italiano

A dívida pública portuguesa continua acima dos 120%, mas quase desapareceu do discurso político. Dinamizadores do manifesto de 2014 apontam êxito do défice e acordo de governo à esquerda.

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João Cravinho alerta para o risco da crise italiana Daniel Rocha
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Bagão Félix adverte que Portugal não tem meios para enfrentar uma crise financeira Daniel Rocha

A 11 de Março de 2014, o PÚBLICO divulgava o manifesto “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente”, um documento que juntava figuras da esquerda à direita na defesa da reestruturação da dívida pública nos Estados-membros da União Europeia e que era assinado por figuras como Adriano Moreira, Freitas do Amaral, Eduardo Cabrita, Ferro Rodrigues, Manuela Ferreira Leite, Sevinate Pinto, Fernando Rosas, Francisco Louçã, e João Cravinho, João Galamba, Vera Jardim, Carvalho da Silva, Mariana Mortágua, Bacelar de Vasconcelos, Pedro Delgado Alves, Bayão Horta e Vítor Martins.

Hoje, a defesa da reestruturação da dívida quase saiu do discurso político, embora o seu valor percentual em relação ao PIB tenha descido apenas de 129%, em Dezembro de 2013, para 126,2% no final de 2017. Na XI Convenção do BE, o tema esteve fora do discurso dos dirigentes, embora conste da moção de estratégia da direcção. E mesmo o PCP matizou a veemência com que já defendeu esta bandeira, ainda que na entrevista ao PÚBLICO na quinta-feira, o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, afirmasse que os comunistas continuam a defender a sua renegociação.

O PÚBLICO foi ouvir os dois dinamizadores do manifesto, Bagão Félix e João Cravinho sobre se o problema subsiste e ambos defendem que sim. Já quanto às razões por que este assunto se matizou no discurso dos políticos, Cravinho aponta a “melhoria da situação económica” e Bagão argumenta no mesmo sentido, “o défice está perto do equilíbrio”.

Esquerda bloqueada

Mas Bagão aduz um outro motivo. “A própria lógica do governo e a solução parlamentar implica uma coligação de vontades em que os partidos não podem expressar a sua opinião”, afirma o ex-ministro da Segurança Social de Durão Barroso e das Finanças de Santana Lopes, acrescentando: “Essa bandeira do PCP e do BE não pode ser tão veemente na sua expressão. Até o PS está calado, lembremo-nos do que Pedro Nuno Santos disse sobre não pagarmos a dívida em 2011 e hoje está calado. As forças de esquerda ficaram bloqueadas pela solução governativa.”

Cravinho recorda que “o que no manifesto se dizia era que a dívida e o esforço da dívida era uma impossibilidade para políticas de apoio ao desenvolvimento”, o que “era fundamental”. O ex-ministro das Obras Públicas de António Guterres sublinha, contudo, que “o manifesto não defendia uma negociação bilateral da dívida portuguesa, mas sim uma negociação entre todos os Estados-membros da União Europeia para resolver o problema global, para encontrar uma solução que permitisse ajustar a situação à necessidade de encontrar apoio ao crescimento”. O que, frisa, “só podia ser levado a cabo no âmbito da Eurolândia, tendo em conta que estava já à vista a reforma do euro, era preciso pensar-se como podiam os Estados-membros ultrapassar esta situação.”

Bagão defende, porém, que “o assunto continua” na ordem do dia, uma vez que “o que baixou foram os juros” fruto da “política do Banco Central Europeu e isso amenizou a situação, mas o problema continua a ser premente”. Explica que “o BCE, ao comprar dívida, amortizou as dívidas nacionais com juros perto do zero”, o que, advoga, é uma forma de reestruturação: “Portugal está a reestruturar na prática quando paga dívida mais cara e contrai dívida com juros mais baixos, uma solução que começou no anterior Governo e continua e muito bem no actual.”

Insistindo na necessidade de ser encontrada uma solução a nível europeu, Bagão considera que “a nível da UE os países patrões têm sempre o mesmo tique, só falam dos problemas quando estão cercados por eles”. Este ex-ministro sublinha, assim, que “a lógica da UE é reactiva e não proactiva, reage perante uma crise, faz estudos, mas mais nada”. E lembra a forma como “a crise bancária está a marinar na UE: “Ouvimos falar em soluções como eurobonds, resolução dos bancos, até fomos as cobaias na solução do Banif e não resultou em nada.” Mas insiste em que em relação às crises das dívidas “nada se resolveu nos Estados-membros, veja-se o caso de Itália”.

A “imprevisível” Itália

Também Cravinho faz questão de lembrar a situação italiana cujo Orçamento do Estado para 2019 foi rejeitado pela Comissão Europeia por não cumprir as regras a que os Estados-membros estão obrigados. “Neste momento as reformas do euro que se prevêem não falam deste problema das dívidas, mas há casos colaterais, como é o caso da Itália, cuja situação terá um desenvolvimento hoje imprevisível.”

O ex-ministro considera que “é difícil ver como se resolve o problema italiano sem equacionar o da dívida dos Estados-membros”, uma vez que “a situação orçamental de Itália tem como pano de fundo a situação bancária e a dívida pública”. E insiste na ideia de que “o problema não desapareceu”, apenas “não tem havido força política dos Estados-membros para fazer uma coisa que é fundamental para o futuro do euro”.

Já quanto à “dívida portuguesa”, Cravinho admite que ela “não causa preocupação porque se trata de uma pequena economia”, mas em contrapartida afirma que “o caso de Itália pode ser de vida ou de morte da União Europeia”. E, embora reconhecendo que, “por causa do desenvolvimento económico português, o perigo de contágio de Itália é menor”, não deixa de alertar que, “se situação italiana sair de controlo, não se salva ninguém”.

Esta tese é subscrita por Bagão, para quem Portugal não tem meios de “enfrentar uma crise” a nível europeu: “O problema subsiste e agora não há já activos do Estado para privatizar e amortizar a dívida. O Estado vendeu os anéis todos. Não há nada para vender. O Estado português está completamente teso.”

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