O animalocentrismo

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Felizmente, a relação dos humanos com os animais de companhia mudou muito desde o tempo em que se cantava “Atirei o pau ao gato/mas o gato/não morreu/D. Chica/assustou-se/com o berro/ com o berro/ que o gato deu”, ou se enxotava o cão com um pontapé. Mas a sociedade cada vez mais “animalocêntrica” que estamos a criar, em que o amor por um animal, ou por vários animais, começa a ser considerado superior ao amor por um humano ou vários humanos, é a base de sustentação para grupos extremistas como o IRA – Grupo de Intervenção e Resgate Animal – que, utilizando como acrónimo o nome do grupo separatista irlandês, está agora a ser investigado pela Polícia Judiciária por crimes violentos, nomeadamente agressões e roubo.

A relação profunda que é possível estabelecer entre humanos e animais de companhia não nasceu nos últimos anos. Manuel Alegre, agora muito fustigado por causa da defesa das touradas, tem um livro – Cão como Nós – que fala exactamente sobre isso. A expressão “o cão é o melhor amigo do homem” também não é do século XXI. Como é que se passou da existência de relações de pertença a uma alteração social que põe o valor da vida animal a emocionar multidões – em contraste paradoxal com a frieza com que hoje os animalocêntricos europeus olham para os barcos dos refugiados do Mediterrâneo ou para os sem-abrigo das suas cidades?

Não é fácil encontrar explicações para esta mudança de paradigma. Mas é essa mudança que vai, com bastante probabilidade, aumentar a votação PAN, que responde a uma alteração histórica que, no lado positivo, o pode fazer crescer eleitoralmente e, no lado negativo, ter a sua chefe de gabinete suspeita de ter ligações ao grupo extremista que foi objecto da reportagem da TVI e que está a ser investigado pela PJ. O PCP e Os Verdes percebem a ameaça. Num quase inédito comunicado sobre investigações judiciais, o PCP, para além da preocupação sobre o alegado envolvimento da chefe de gabinete no grupo extremista, põe em causa “uma prática subjacente ao projecto político do PAN que, sob o manto das preocupações sobre a natureza e os animais, e assente num discurso de intolerância, promove uma orientação de incriminação, de estímulo à delação e criminalização de hábitos socioculturais, em si mesmo um caldo de cultura para justificação de práticas criminosas”. Infelizmente, o tempo que corre corre a favor da intolerância. 

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