Partidos admitem mexer na lei para evitar nova fuga de dados em 2019

A exposição de dados pessoais é grave e não se pode repetir, diz BE. PS e CDS admitem clarificar a lei para evitar casos nas legislativas do próximo ano.

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Nas eleições legislativas são afixados nas secções de voto as listas nominativas dos candidatos Nuno Ferreira Santos

Numa altura em que a protecção de dados pessoais merece uma atenção redobrada depois da entrada em vigor do novo Regime Geral de Protecção de Dados (RGPD), os partidos consideram ainda mais grave a publicação sem freio de informações íntimas de políticos eleitos e de candidatos às eleições de 2015 e a sua permanência online durante três anos. E admitem adaptar a legislação eleitoral para impedir novos casos.

Perante este caso, o CDS pondera fazer uma clarificação à lei que passa por aplicar as regras do RGPD à lei eleitoral. Em conversa com o PÚBLICO, a deputada Vânia Dias da Silva confessa que esta situação a deixou preocupada porque é natural que os políticos tenham "parte da sua vida exposta", mas não todos os seus dados pessoais. Esses e outros, como declarações de rendimentos, já têm de ser entregues a tribunais e depositados no Tribunal Constitucional, reservados apenas a algumas consultas controladas.

"É preciso alguma alteração legislativa para clarificar que a publicação das listas tem de ser feita sem que sejam divulgados os dados pessoais além do nome. Às vezes, uma clarificação não faz mal. Vamos ter de acautelar isto, até porque se fosse seguido o RGPD à risca nem podiam ser publicados os nomes", acrescenta a deputada, que lembra que na comissão eventual da transparência da Assembleia da República se discute actualmente quais os dados que os políticos eleitos têm de entregar. 

Uma das soluções que apresenta, mas que admite que tem de estudar, passaria por obrigar os partidos a enviarem uma lista nominativa que pudesse circular para publicação, além de todo o processo com dados e documentos. A deputada acredita que uma solução deste tipo facilitaria os tribunais que, muitas vezes porque as listas são entregues em cima da hora e não têm tempo ou gente, enviam os processos tal como lhes chegam às mãos, não tendo a preocupação de expurgar das listas os dados pessoais dos candidatos.

O deputado do PS, Pedro Delgado Alves, também membro da comissão da transparência, considera que o problema não está na legislação, mas na sua aplicação. O socialista acredita que a lei actual já é clara e permite que os tribunais apenas publiquem listas com os nomes dos candidatos, mas que tendo em conta este caso de fuga dos dados das eleições de 2015, talvez valha a pena "fazer uma clarificação" e evitar que o mesmo aconteça no próximo ano, quando houver novamente eleições legislativas.

Essa clarificação, explica, pode ser feita também no grupo de trabalho que estuda no Parlamento a forma como se aplica "o RGPD à ordem jurídica nacional" uma vez que, apesar de o regime já estar em vigor, é preciso "adaptar algumas parcelas na lei nacional". "Nesse quadro pode ponderar-se uma salvaguarda para que não fiquem dúvidas" sobre a aplicação do RGPD à lei eleitoral à Assembleia da República. "Não excluímos avaliar uma norma que seja mais clara", disse.

José Manuel Pureza e Catarina Martins também foram dos visados nesta exposição de dados e o vice-presidente da AR chegou a comunicar o caso à CNPD sem resposta. O BE é mais contido e responde apenas que espera "que esta situação não se repita", mas lembra que a publicação destas informações nada tem que ver com "qualquer informação essencial às obrigações de transparência que devem existir".

A publicação destes dados é uma violação da privacidade e cria uma situação de risco, que o novo regime de protecção de dados tenta evitar. Filipa Matias Magalhães, especialista em protecção de dados e professora universitária na Business School de Coimbra, lembra que o novo regime introduziu um conceito novo, o conceito de "risco". "Antes de divulgar, pedir, temos de pensar no risco que representa para o titular". E, neste caso concreto, "há um risco em saber a morada e há um risco enorme em saber assinaturas ou dados completos", defende, facilitando o trabalho a quem queira roubar identidade. 

Nesta avaliação do que deve ou não ser público, a especialista diz que não se deve ter em causa o cargo do titular dos dados. "A intimidade das pessoas não tem que ver com o cargo que desempenham", ou seja, mesmo havendo argumentos para a publicitação de alguma informação pessoal sobretudo no caso de políticos, esta tem de ser "relevante, adequada e necessária para que um eleitor forme a sua opinião". 

Por isso, no que diz respeito às leis eleitorais é preciso fazer o exercício de perceber o que é relevante, adequado e necessário. "Faz sentido que um eleitor conheça o nome da pessoa ou até a cidade, mas a morada em concreto, número de telefone ou outros dados nada tem a ver com o cargo a que se candidata. É irrelevante e não devia ser objecto de publicidade", defende.

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