Costa irritado com Carlos César pressiona PS no IVA das touradas

O primeiro-ministro não gostou da afronta da bancada socialista na Assembleia da República, que propôs a redução do IVA nas touradas contra a vontade do Governo. Deputados podem ser obrigados a respeitar disciplina de voto.

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O primeiro-ministro diz que se fosse deputado votaria contra a proposta do próprio partido,O primeiro-ministro diz que se fosse deputado votaria contra a proposta do próprio partido Reuters/PEDRO NUNES,Reuters/PEDRO NUNES
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Carlos César argumenta que receita fiscal do IVA das touradas é "quase residual" Daniel Rocha

António Costa pressiona os deputados do PS a mudarem de opinião sobre a descida do IVA nas touradas até ao último dia da aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2019. O primeiro-ministro ficou zangado com o líder parlamentar do PS e presidente do partido, Carlos César, e os dois vão travar um braço-de-ferro que começou nesta quinta-feira em público. Para já, nenhum recua e Costa não afasta a possibilidade de impor disciplina de voto a favor da proposta do Governo - contrariando César -, apesar de dizer que é uma questão prematura.

Em causa está uma afronta directa do grupo parlamentar ao Governo, mas em especial à ministra da Cultura, que defendeu a não descida do IVA para as touradas como uma "questão civilizacional", e ao próprio primeiro-ministro, que defendeu Graça Fonseca em toda a linha. Carlos César anunciou nesta quinta-feira que o partido vai propor uma alteração ao OE que baixa o IVA das touradas para os 6%, à semelhança do que propõe o Governo para espectáculos culturais. O líder parlamentar é, aliás, o primeiro subscritor.

A medida do PS ainda vai dar muitas voltas. Depois de ser apresentada esta sexta-feira em conjunto com as restantes propostas de alteração, terá de ser votada na comissão de Orçamento e Finanças, na chamada votação na especialidade. Aí, tendo em conta que o PSD e o CDS têm propostas no mesmo sentido, ou seja, de não deixar de fora a tourada na descida do IVA para espectáculos, há possibilidade de ser aprovada.

A questão vem depois, quando algum partido avocar esta discussão a plenário, o que significa que, em vez de uma votação por partidos, os deputados podem requerer para votar individualmente, pelo menos os do PS, a quem César dará liberdade de voto.

É nessa votação que Costa aposta as fichas, tentando que muitos socialistas, incluindo alguns que terão subscrito a proposta do grupo parlamentar, mudem de opinião. Nesta quinta-feira à tarde, centrou os argumentos do Governo: "O que estamos a discutir nem é sequer uma matéria de opções em relação à actividade cultural, é politica fiscal. É saber em que áreas damos benefícios fiscais", disse.

Ao puxar o tema para a política fiscal, e não para o campo das matérias de consciência, o líder do Governo puxa pelo argumento da solidariedade que o partido tem de ter no Parlamento com o Governo. De acordo com os estatutos do PS (artigo 66.º), os deputados têm por norma liberdade de voto, com algumas excepções, entre as quais se inclui o Orçamento do Estado.

Seria inédito o primeiro-ministro e secretário-geral do PS exigir disciplina de voto na aprovação da proposta do Governo sobre o tema - tal como é inédito Carlos César decidir, em matéria de Orçamento, dar liberdade de voto à bancada -, mas Costa não quis afastar esse cenário, mesmo que não tenha intenção de o impor. Começou por dizer que era prematuro falar numa decisão nesse sentido...

Assim, pressiona politicamente os deputados, a começar pelo líder parlamentar. "Não vou entrar em especulações sobre o que irá acontecer. Respeito opiniões individuais, mas, efectivamente, é matéria de Orçamento do Estado. É matéria de política fiscal, não é de consciência, em que o partido deve ter uma posição fixada. Veremos o que irá acontecer", disse.

Uma visão que colide com a apresentada por Carlos César que, quase que antecipando os argumentos do primeiro-ministro, disse logo que dava liberdade de voto aos deputados, porque se tratava de uma "matéria cuja implicação orçamental é quase residual" e que essa liberdade permitiria "acomodar" as diferentes opiniões numa matéria que, diz, está "fora do plano político e do plano orçamental". De forma pública, esta é a terceira vez que César colide com o Governo. As duas primeiras foram com Vieira da Silva sobre a reforma laboral e as reformas antecipadas.

Certo é que nem todos os deputados do PS votam a favor da medida do grupo parlamentar. Muitos, como Tiago Barbosa Ribeiro, Isabel Moreira ou Fernando Rocha Andrade, vieram dizer que votarão contra.

Tudo começou por um grupo de deputados, Luís Testa, Maria de Luz Rosinha, Pedro do Carmo e Lara Martinho, que nos últimos dias foram falando com alguns colegas, dizendo que tinham a intenção de fazer esta proposta, recolhendo apoios. Na reunião dos deputados, esta quinta-feira de manhã, o assunto foi apresentado oralmente, não se sabendo ao certo quantos deputados afinal a subscreveram. César disse que era "uma maioria expressiva de deputados", que segundo o deputado Luís Testa se cifra em "cerca de 50" (em 86). Contudo, o PÚBLICO teve conhecimento de deputados que deram o apoio de cruz, e estarão já arrependidos de o ter feito, uma vez que só agora se aperceberam que o que estava em causa era uma proposta que baixava o IVA e não uma proposta para evitar um agravamento.

O deputado Luís Testa, eleito por Portalegre e um dos mais entusiastas apoiantes desta medida, recusou em declarações ao PÚBLICO que se tratasse de uma "afronta" à ministra. Diz que defende a proposta por consciência, mas também pelos interesses do distrito que representa. A tauromaquia é uma "actividade económica muito importante para o Alto Alentejo", disse.

Quem saiu satisfeito com esta posição foi o histórico socialista, Manuel Alegre, que tinha trocado cartas abertas com o primeiro-ministro sobre o tema. Alegre mostrou-se "feliz" por entender que "venceu a liberdade".

Já o CDS viu no assunto do dia uma desautorização da ministra da Cultura e quer uma clarificação por parte dos socialistas. Perante tudo o que aconteceu, a ministra Graça Fonseca apenas disse que reafirmava a sua posição.

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