No rio ou no mar. Rui quer tornar Vila do Conde na “capital do stand up paddle

Rui Ramos é de Vila do Conde e tem 36 anos. Aos 30, deixou o futebol onde fez carreira nos escalões secundários. Desde aí descobriu o stand up paddle e está a contaminar a cidade para a prática da modalidade.

Como caxineiro, o mar sempre esteve presente. Por isso, quando o sonho de actuar nos grandes palcos do futebol — e ser como os conterrâneos Postiga e Coentrão — terminou, Rui Ramos virou-se, naturalmente, para o mar. E para o rio. “Sempre tive uma paixão enorme pelo mar e assim que deixei o futebol senti que o meu desporto teria de passar por ele”, começa por dizer ao P3.

A carreira futebolística terminara no final da época 2011/12, ao serviço do Leça, na III divisão Série B. O "Samurai" — como era conhecido pelos adeptos devido aos seus longos cabelos — tinha 30 anos, uma idade tida como precoce para encerrar a carreira. “Já não tinha prazer nenhum e nasceu a minha filha”, conta-nos Rui, agora com 36 anos. 

Para colmatar o vazio de uma vida sempre ligada ao desporto, experimentou várias actividades. Nada o satisfez. Até que descobriu, por mero a caso, o stand up paddle (SUP). Estava a ver o filme Water on the Road (Brendan Canty e Christoph Green, 2011), que documenta dois concertos a solo de Eddie Vedder em Washington. Decorridos cerca de 20 minutos do filme, o icónico vocalista dos Pearl Jam aparece a fazer SUP — modalidade que Rui até então desconhecia. “Achei piada àquilo. Como é que era possível estar ali em pé, no meio do rio, relaxado e a usufruir da paisagem?”

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Rui Ramos tem 36 anos Teresa Pacheco Miranda

Para obter resposta, pesquisou. Descobriu que a modalidade estava a desenvolver-se em vários países mas não encontrou nada em Portugal. Depois de "chatear" um sem número de pessoas, lá conseguiu arranjar uma prancha e um remo, ainda que o material emprestado não fosse o ideal para andar no rio. Pouco importava. “Qualquer coisa servia, queria era pôr-me em cima da prancha” — e atirar-se para a água, acrescentamos nós. Isto porque, no início, não foi fácil apanhar o jeito: não sabia remar e fartou-se de cair. Nada que o tivesse desmotivado. “Gostei logo, mesmo sempre a cair e a levantar. Só facto de estar na água e em contacto com a natureza era divertido.”

O “maluco” que virou a cidade para o SUP

Desde sempre que o mar faz parte da vida das gentes de Vila de Conde: é terra de pescadores, atravessada pelo rio e banhada pelo mar. Ainda assim, a surpresa foi grande quando o viram flutuar na prancha, contornando as embarcações que saem rotineiramente para a faina. Tal como eles, Rui ia todos os dias para o mar. “Nesta comunidade o mar é para trabalhar, é para tirar o pão do dia-a-dia”, explica o caxineiro, recordando que era visto “como um maluco”. “Os pescadores ficavam espantados e perguntavam: como é que aquele maluco está ali no meio do mar sozinho em pé?” Ficavam, depois, à espera que ele regressasse. Só para confirmar que estava “inteiro”.

Desde aí nunca mais parou. A prática fá-lo sentir “conectado de forma mais primitiva com a natureza” e esquecer os problemas do dia-a-dia com que se depara no centro informático onde trabalha, a partir do qual sai diariamente para o rio. Ao fazer este percurso, passa sempre pela sede do Clube Fluvial Vilacondense, defronte para o Ave. Foi a partir de lá que os dirigentes do clube com 115 anos o viram treinar no rio. Depressa perceberam que esta poderia ser uma oportunidade para acrescentar mais uma modalidade ao emblema que tem já um historial de conquistas em vários desportos aquáticos. “Vimos a dedicação e o potencial que ele tinha e juntamos vontades”, explica Miguel Laranjeira, o presidente do clube que abriu a secção de SUP há três anos. Rui começou assim a competir nas provas nacionais e chegou mesmo a campeão nacional em 2017. Com o tempo, mais gente quis aderir, por isso passou a ser também treinador e a modalidade cresceu. 

“O Rui tem feito um trabalho extraordinário, sobretudo ao nível da formação e as crianças adoram-no”, considera o presidente. A verdade é que o treinador quis apostar na formação. Para isso, por exemplo, forneceu gratuitamente material aos mais novos e procurava levar filhos de amigos para os treinos. A estratégia deu frutos: há um ano abriu um escalão de formação que conta com 12 praticantes, dos sete aos 14 anos.

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Um deles é Pedro Viana Areias, nove anos, que começou a praticar por influência do pai. “O meu pai saía sempre de casa ao sábado e só dizia 'Vou embora, já venho' e um dia perguntei onde é que ele ia”, revela o jovem atleta. Como resposta, o pai levou-o com ele. Pedro gostou tanto que decidiu trocar o futebol pelo SUP: “O futebol é só correr e o paddle é muito mais fixe porque podemos ir para o mar e fazer tudo: correr, andar, nadar.” Não é caso único — hoje, já tem mais amigos “no paddle do que no futebol”. No mar, as crianças “ficam mesmo realizadas”, concorda o treinador, que procura transmitir-lhes a importância da prática desportiva. “O que importa é desligarem os telemóveis e tablets e ligarem-se mais à natureza, praticando exercício e preservando o meio ambiente.”

Quem diz crianças, diz adultos. Já são 17 no escalão sénior. Francisco Nunes, 55 anos, é “o cota da equipa”, como se apresenta. Poveiro, sempre viveu em frente ao mar, mas nunca praticou qualquer tipo de desporto. Até ao dia — que se lembra ao pormenor — 29 de Agosto de 2015. “Disse ao Rui que gostava de dar uma voltinha nisto", recorda. E assim foi. Estava a atravessar uma fase complicada, confessa. A filha, de 27 anos, tem uma deficiência mental profunda e um cancro deitara-o abaixo, entrou em depressão profunda. O SUP funcionou como um escape: “É a minha terapia para depressão e estou muito melhor, já não tomo medicação. Quando estou um pouco em baixo, venho até aqui, dou umas pagaiadas e fico novo. Sinto-me livre.”

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Teresa Pacheco Miranda

Histórias que deixam o treinador, que sempre quis incluir toda a gente na modalidade, orgulhoso. “Sempre fomos abertos a todos, independentemente das condições.” O que importa é mesmo o desporto e é por isso que quer que Vila do Conde seja conhecida. “Somos uns privilegiados por ter estas condições de rio e de mar. Eu gostava mesmo que fôssemos a capital do SUP e vamos trabalhar para isso”. Palavra de caxineiro.

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