Ameaça de paralisação de França enterra de vez estado de graça de Macron

Acossado por polémicas e crises, o Presidente francês atravessa o seu pior momento, menos de dois anos depois de ser eleito. A subida do imposto dos combustíveis leva milhares de pessoas a um mega-protesto este sábado.

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Macron no porta-aviões "Charles de Gaulle" Christophe Simon/REUTERS

O Presidente francês Emmanuel Macron passou uma semana num périplo pelos locais na linha da frente da I Guerra Mundial, para assinalar os cem anos do fim do conflito. Esses dias foram marcados por discursos fortes de defesa dos valores da democracia e da liberdade face às ameaças autoritárias. Com a chanceler alemã Angela Merkel, Macron apoiou a ideia de criação de um exército europeu. A utilização do passado de França para defender os valores actuais é um dos terrenos favoritos para Macron brilhar, especialmente num contexto de avanço de líderes e partidos que põem em causa esses valores pela Europa.

Mas enquanto dava um pequeno passeio pelo centro da cidade de Charleville-Mézières, nas Ardenas, a “pequena política” quotidiana falou mais alto e Macron viu-se obrigado a abandonar o perfil “jupiteriano” que tanto favorece. Uma reformada interpelou o Presidente para lhe atirar um rosário de queixas, desde os “privilégios da Assembleia e do Senado”, à denúncia das “poupanças que são feitas às nossas custas”. Outra mulher disse-lhe que nunca participou em manifestações, mas pretende fazê-lo este sábado, descrevia o Le Monde.

Depois de um Verão de polémicas e más notícias, a rentrée política não deu a Macron a ansiada lufada de ar fresco e, pouco mais de um ano depois de ter sido eleito, o Presidente francês, cuja vitória rompeu as estruturas políticas tradicionais, atravessa o pior período do seu mandato.

Coletes amarelos

O culminar do mau momento pode acontecer neste sábado, quando milhares de automobilistas bloquearem as principais estradas do país, num protesto contra a subida dos impostos sobre os combustíveis, mas que se tornou numa gigantesca manifestação contra Macron e as suas políticas, protagonizado por um movimento auto-intitulado dos "coletes amarelos".

A imprensa descreve uma sociedade tensa, especialmente nas localidades rurais. Durante a sua visita aos departamentos do Nordeste francês, Macron foi brindado com gritos de “Presidente dos ricos!” em alguns dos sítios por onde passou. Ao mesmo tempo, eram detidos alguns indivíduos sob suspeita de preparem um atentado contra a vida do chefe de Estado.

O mais recente episódio a gerar descontentamento é a intenção do Governo de subir os impostos sobre os combustíveis – está previsto um aumento de 15% para a gasolina e 23% para o gasóleo, para combater as alterações climáticas. A medida provocou uma explosão de cólera e, nas redes sociais, um movimento nasceu e parece crescer de forma imparável.

Apelidam-se de “coletes amarelos”. Tudo começou como um apelo aos seus apoiantes para que ponham os coletes reflectores na parte da frente dos carros, como sinal de protesto contra a subida do preço dos combustíveis.

Para este sábado estão marcados protestos em todo o país, com o objectivo de bloquear as principais estradas. É incerto de que forma irá decorrer e que adesão terá a acção de protesto.

Uma petição online contra a nova taxa dos combustíveis juntou nas últimas semanas mais de 775 mil signatários, diz o Le Monde. A imprensa francesa diz que vários automobilistas activos no movimento dos “coletes amarelos” tiraram dias de férias e estão preparados para permanecer vários dias a paralisar o país. Em Paris, disse o líder dos protestos, o camionista Eric Drouet, “o objectivo é subir ao Eliseu”, a sede da presidência.

O movimento dos “coletes amarelos” afirma-se apartidário e tem alargado o alcance dos seus protestos. Os seus apoiantes dizem-se contra “os privilégios” da classe política e acusam Macron e o seu Governo de fazerem uma política para os ricos. 

Le Pen na retaguarda

Apesar de não ser apoiado oficialmente por nenhum partido, a extrema-direita é a que tem aproveitado para usar os “coletes amarelos” para fazer oposição a Macron. A União Nacional (a antiga Frente Nacional, de extrema-direita) tem instado os seus líderes regionais a apoiarem o bloqueio de sábado, embora Marine Le Pen tenha garantido que não irá participar pessoalmente.

A ideia de que a subida do preço dos combustíveis afecta as comunidades rurais – onde a população é mais dependente do automóvel – encaixa perfeitamente num dos temas predilectos da extrema-direita francesa, que diz defender a “França esquecida”. “Fomos o primeiro partido a manifestar o nosso apoio total a este movimento que é de facto apolítico, mas no qual muitos dos nossos eleitores se revêem”, afirmou esta semana Le Pen.

Uma sondagem do IFOP mostra que dois terços dos franceses apoia as reivindicações dos “coletes amarelos”, mas há uma diferença evidente entre a população parisiense – que é em geral melhor servida pelos transportes públicos – e a restante. Na capital, o apoio aos protestos é de 59%, face a 75% no resto do país. O descontentamento não se resume, porém, a esta medida em concreto.

Crise após crise

Macron chegou ao Palácio do Eliseu imbuído de um espírito reformista, apostado em combater de frente os poderes instalados que, segundo ele, impedem a França de atingir o seu potencial. Mas uma sucessão de polémicas tem-no obrigado a deixar alguns planos na gaveta, como aconteceu com a reforma constitucional, que está adormecida na Assembleia Nacional.

O ponto de inflexão deu-se com o chamado “affaire Benalla”, quando o chefe da segurança pessoal do Presidente passou a concentrar nele as atenções depois de ter sido divulgada uma gravação em que era visto a agredir manifestantes durante a marcha do 1.º de Maio, em Paris. O caso tomou novas proporções à medida que se foi percebendo que Alexandre Benalla gozava de um estatuto pouco usual (e no limite da legalidade) para um chefe de segurança.

Seguiu-se a demissão do ministro da Transição Ecológica, Nicolas Hulot, anunciada em directo numa entrevista na rádio, no final de Agosto, que desferiu um golpe que apanhou de surpresa Macron. Hulot fez acompanhar a sua saída de um chorrilho de críticas ao Presidente, que acusou de passividade perante os desafios das alterações climáticas e de ceder aos lobbies. A saída do ministro do Interior, Gérard Collomb, um mês depois, obrigou Macron a fazer uma reformulação do Governo e a atrasar ainda mais os seus projectos reformistas.

A par das grandes crises que o seu Governo foi tendo, Macron foi também protagonista de momentos infelizes que têm prejudicado ainda mais a sua imagem. No final do Verão, decidiu oferecer o cargo de cônsul em Los Angeles ao escritor Philippe Besson, um confesso admirador de Macron autor de Un Personnage de Roman, um livro que relata a campanha eleitoral vitoriosa em tons altamente elogiosos. A oposição equiparou a nomeação a uma prenda dada a um “cortesão” por um monarca.

Numa visita a Copenhaga, Macron descreveu os franceses como “gauleses refractários à mudança”. As declarações, que fazem eco do hábito que Macron tem de retratar a sociedade francesa de forma negativa, foram muito mal recebidas no “hexágono”.

A popularidade do Presidente está em queda livre desde o início do ano. Um estudo de opinião feito pelo instituto Ipsos em Outubro concluía que 56% dos cerca de mil inquiridos dizia “não gostar da personalidade nem da conduta” de Macron.

As eleições para o Parlamento Europeu em Maio serão o barómetro para medir a aprovação do eleitorado à gestão de Macron e, neste momento, as perspectivas são pouco animadoras. Uma sondagem recente do IFOP mostrava a União Nacional a subir nas intenções de voto e a colocar-se em ligeira vantagem face à República em Marcha (LREM), fundada por Macron e que detém a maioria na Assembleia Nacional.

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