PS tira isenção às centrais eólicas dos concursos de Sócrates

Bloco aplaude o facto de “o erro ter sido corrigido” e diz que a extensão da taxa às renováveis “é o sinal correcto”. Associação do sector fala em taxa “estúpida” e “injusta”.

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Paulo Pimenta

Chineses, australianos, franceses, japoneses, portugueses… há investidores de várias nacionalidades que vão passar a ter de fazer contas à contribuição extraordinária sobre o sector energético (CESE) com o seu alargamento ao sector das renováveis, bem como a outras centrais – como a central a carvão do Pego da Tejo Energia e a central de ciclo combinado da Turbogás – no Orçamento do Estado para 2019 (OE 2019).

O PÚBLICO apurou que a bancada socialista vai pôr na mesa o fim da isenção prevista no regime da CESE que protegia da aplicação desta taxa extraordinária (criada em 2014 e à beira de entrar no quinto ano de vigência) os centros produtores com licenças atribuídas na sequência de concursos públicos, como os da potência eólica realizados em 2007 no Governo Sócrates.

Estes concursos foram ganhos pelos consórcios Eneop (EDP, Generg e Endesa – comprada entretanto pela Enel) e Ventinvest (Galp e Martifer) e os activos, em alguns casos, até já foram mudando de mãos. Por exemplo, a Trustwind (detida pela Trustenergy, que é uma joint venture entre a francesa Engie e a japonesa Marubeni) comprou activos eólicos da Generg que faziam parte do portefólio da Eneop. E a própria EDP Renováveis (que vendeu à China Three Gorges, sua accionista, activos da Eneop) adquiriu à Galp e à Martifer parques eólicos da Ventinvest.

A pista sobre o fim da isenção já tinha sido deixada pelo ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, na terça-feira, no Parlamento, quando respondeu ao deputado do Bloco de Esquerda Jorge Costa sobre a disponibilidade para “corrigir na especialidade” a norma que se mantinha na proposta orçamental e que poderia cortar em cerca de metade os 30 milhões de euros previstos de receita adicional da CESE com as renováveis.

“Relativamente à questão dos concursos (…) tudo faremos para que o desafio que nos foi lançado tenha uma resposta afirmativa, e tê-la-á, certamente”, disse o ministro ao deputado bloquista. Mas acto contínuo, Matos Fernandes deu uma piscadela de olho aos investidores, convidando-os a modernizar os parques eólicos e a aumentar a capacidade de produção com a promessa de isenções. “É absolutamente fundamental que ao estender a CESE às renováveis não nos equivoquemos e que nada façamos que incentive o menor investimento”, seja nos “reforços de potência das velhas unidades de produção do eólico” seja no chamado sobre-equipamento, disse o ministro.

Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO, a proposta socialista prevê que a substituição das torres eólicas por outras mais modernas não seja contabilizada na base de incidência da CESE, ao passo que o sobre-equipamento, que passa por atribuir mais potência aos parques, estará isento por dois anos. Este será, de resto, um tema sobre o qual o Governo terá de agir, pois empresas como a EDP e a Generg já foram para tribunal queixar-se do facto de a DGEG – seguindo as orientações do anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches – ter deixado por concluir vários pedidos de sobre-equipamento, com o argumento do aumento de custos para o sistema eléctrico que foram estimados pela entidade reguladora do sector da energia, a ERSE. Na legislação actual, no sobre-equipamento os produtores têm direito a uma tarifa de 60 euros por cada megawatt hora de produção adicional, da qual cerca de 1,5 euros reverte para os municípios onde estão os parques.

O PÚBLICO apurou ainda que a proposta socialista também abre a porta a que as empresas que, no âmbito dos consórcios Eneop e Ventinvest, fizeram contribuições para o fundo de apoio à inovação, como previsto nos concursos, tenham um desconto para metade na taxa da CESE.

Sobre a garantia que foi dada pelo ministro do Ambiente no Parlamento, o deputado Jorge Costa sublinhou que “é importante” que o PS tenha ouvido “o alerta do Bloco” e “corrigido o erro”, de maneira a garantir que a receita da contribuição é aquela que o próprio Governo inscreveu na proposta de OE 2019. Sublinhando que “esta não é a contribuição do Bloco”, nem no modelo (a alternativa bloquista era taxar o sobrecusto gerado nas tarifas por cada produtor), nem no impacto nas tarifas (a previsão de receita da taxa que chegou a estar aprovada na votação do OE 2018 eram 250 milhões), o parlamentar considerou, no entanto, que o alargamento da CESE às renováveis “é o sinal correcto”.

Já o presidente da associação que representa as energias renováveis, a APREN, afirma que estender a CESE às renováveis “é um sinal super errado” para os investidores quando Portugal “não vai cumprir as metas das renováveis”, e frisa que a taxa “é estúpida, porque como incide sobre o activo, o projecto quanto mais recente for, mais paga”, porque está menos amortizado.

Assumindo que os projectos licenciados nos concursos serão os “mais fortemente penalizados” quando até têm tarifas administrativas menores, Sá da Costa frisou que a questão ainda “é mais grave” porque os consórcios “tiveram de cumprir obrigações e entregar contrapartidas ao Estado”. O director-jurídico da Generg, Ricardo Jesus, já adiantou ao PÚBLICO que a empresa tenciona contestar a CESE. Sá da Costa admite que este não será caso único e garante que já teve “contactos de associados a dizerem que vão rever a posição em Portugal”.

Fim de isenções no carvão e gás

Com o fim da isenção que estava consagrada no regime da CESE para os centros produtores com licenças atribuídas por concurso, o OE 2019 apanha numa penada para o saco da CESE não só os projectos eólicos, mas também as centrais da Tejo Energia (esta detida pela Trustenergy e pela Endesa) e da Turbogás (da Trustwind), que até à data têm rejeitado pagar a taxa, sustentando ambas junto da Autoridade Tributária o argumento de que estão abrangidas pela cláusula que isenta as licenças atribuídas em concursos.

Apesar de nos pareceres que foi entregando ao fisco, a DGEG sustentar que as empresas não lhes transmitiram elementos que permitissem “sustentar a aplicação da isenção prevista na alínea d) do artigo 4º da CESE”, com a alteração ao regime, o argumento deixa efectivamente de poder ser utilizado pela Tejo Energia e pela Turbogás para não pagarem a taxa.

Para Jorge Costa, o facto de o tema da isenção “só ficar clarificado agora” não impede que o Governo exija às empresas o pagamento dos anos anteriores, reforçando a receita da CESE, “porque não demonstraram que tenham obtido as suas licenças com base em concursos”.

O Governo, que aprovou hoje uma alteração às regras do FSSSE - Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (para onde são canalizadas as receitas da CESE), de maneira a que em vez de 1/3 da receita passem a ser utilizados na redução da dívida tarifária da electricidade 2/3 da receita, está expectante que as tarifas reguladas da electricidade caiam 3,5% no próximo ano para os consumidores com as potências contratadas mais baixas, com o reforço das transferências.

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