Medida contra as amnistias fiscais ganha apoio no fisco e pressiona PS

BE quer dar à administração fiscal informação sobre quem aderiu aos regimes de regularização lançados por Sócrates e Passos. Medida já foi defendida por ex-governante de Costa, mas a aprovação ainda não é certa.

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Ricardo Salgado foi um dos cidadãos que se sabe ter aderido aos RERT Daniel Rocha

O Bloco de Esquerda (BE) quer obrigar o Banco de Portugal (BdP) a enviar ao fisco todas as declarações de regularização tributária dos contribuintes que beneficiaram das três amnistias fiscais aprovadas pelos Governos de José Sócrates e Pedro Passos Coelho. São documentos a que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ainda não tem acesso, o que deixa os inspectores tributários de pés e mãos atadas se agora forem investigar as mesmas pessoas que aderiram a esses perdões fiscais.

Em causa está a forma como foram desenhados os famosos Regimes Excepcionais de Regularização Tributária (RERT), os mecanismos que permitiram regularizar e amnistiar quem tinha património colocado no estrangeiro não declarado ao fisco, ilibando esses cidadãos de eventuais infracções.

É uma incógnita se a alteração do Orçamento do Estado para 2019 proposta pelo BE vai passar no Parlamento, na especialidade, na comissão de orçamento, finanças e modernização administrativa. A pressão recai sobretudo no PS, porque o objectivo central a que o BE dá corpo já foi em tempos defendido pelo anterior secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo de António Costa. E a posição que Fernando Rocha Andrade tinha em Julho de 2017 é a mesma que tem hoje. Ao PÚBLICO, o agora deputado do PS diz concordar em traços gerais com a iniciativa do Bloco.

A medida é aplaudida tanto pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), Paulo Ralha, como pelo presidente da Associação dos Profissionais da Inspecção Tributária (APIT), Nuno Barroso. Os dois consideram a iniciativa um passo em frente e ambos coincidem num ponto: só peca por tardia. Falta saber se será uma realidade.

Hoje, os funcionários da AT enfrentam barreiras quando investigam pessoas que aderiram aos RERT de 2005, 2010 e 2012, aos quais recorreram cidadãos apanhados nos escândalos do Swissleaks ou figuras conhecidas como o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, o ex-presidente da PT, Zeinal Bava, ou o ex-administrador da Escom Luís Horta e Costa.

Se o fisco for agora investigar algum desses contribuintes, pode não conseguir saber se o valor que está a reclamar já foi pago ou se está em causa um novo montante oculto. O que acontece é que se o contribuinte for confrontado pelo fisco pode dizer que já o regularizou, mas a AT não consegue perceber, preto no branco, se o valor corresponde à operação investigada. Porquê? Veja-se o caso de um contribuinte que, por hipótese, colocou cem milhões de euros no estrangeiro e regularizou dez milhões num RERT; se entretanto o fisco detectar cinco milhões dos restantes 90 milhões ocultos, a pessoa pode alegar que regularizou esses cinco milhões dizendo que essa fatia seria supostamente uma parte dos dez milhões regularizados, quando na verdade eles não o foram.

O que a proposta pretende resolver é esse “véu de opacidade”, sintetiza o inspector tributário Nuno Barroso, porque o fisco passaria a conhecer as declarações de regularização, que hoje só estão guardadas no Banco de Portugal (e nos bancos a que os aderentes ao RERT recorreram).

Rocha Andrade apoia

O BE salvaguarda que as declarações e as respostas dadas pelos contribuintes, caso sejam chamados pelo fisco a colaborar numa inspecção tributária, continuem a não poder ser utilizadas como prova dos factos contra os autores das infracções. Mas pretende que sirvam para “fundamentar diligências destinadas a confirmar” a exactidão dos factos e verificar se há outras dívidas.

A deputada do BE Mariana Mortágua desafia todos os partidos a apoiarem a iniciativa, porque, diz, “seria um péssimo sinal” se algum não a aprovasse. A medida, garante, foi decidida de forma autónoma e o apelo do Bloco dirige-se “em igualdade de circunstâncias a todos os partidos”. Mas tem significado político maior em relação ao PS — e não só pelo facto de ser o partido de Governo com quem o BE negoceia no Parlamento. É que a ideia de haver esta medida partiu de uma voz do PS. Foi no dia em que Rocha Andrade, já demissionário, assumiu no Parlamento as “culpas” do PS na aprovação de amnistias fiscais e desafiou os partidos a avançarem com uma iniciativa como aquela que agora surge.

Ao PÚBLICO, Rocha Andrade diz que “concorda” com o princípio de fundo da proposta do BE. Apesar de afirmar que não iria tão longe em relação a alguns pormenores da iniciativa, também não os considera “inaceitáveis”. Um deles tem a ver com a norma onde se prevê que os contribuintes amnistiados, se forem alvo de uma inspecção do fisco e invocarem que já regularizaram a dívida, indiquem quem prestou a consultoria ou o aconselhamento (excepto advogados ou solicitadores).

Questionado se concorda com o objectivo do BE, o actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, não respondeu.

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