Diego Luna e Michael Peña ajudam Narcos a mudar-se para o México

A série do Netflix voltou atrás no tempo, rumou ao México e mudou de nome para Narcos: México, que traça a ascensão do cartel de Guadalajara e o início da guerra contra a droga.

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Os vários lados do Cartel de Guadalajara e da luta contra a droga, com Diego Luna e Michael Peña no meio.
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Nas duas primeiras temporadas de Narcos, Wagner Moura fazia do traficante de droga colombiano Pablo Escobar. O actor Michael Peña estava a ver o início da série e achou que Moura não soava nada colombiano. "Parecia-me francês, não sabia que era brasileiro. Tive de ir ver donde ele vinha", conta. Quando começou a trabalhar em Narcos: México, a nova série do Netflix que traça a guerra contra a droga e a ascensão do cartel de Guadalajara, os produtores pediram-lhe para fazer um sotaque espanhol perfeito. Lembrou-se do sotaque de Escobar e protestou: "Mas antes as personagens não falavam um espanhol perfeito..."

Peña está num hotel em Bilbau, cidade para onde viajou no início de Novembro para apresentar um prémio nos MTV European Music Awards e promover Narcos: México, que chega ao Netflix esta sexta-feira. Era para ter sido a quarta temporada de Narcos, mas é uma série com um novo nome, o que faz com que os actores se refiram a épocas anteriores, mesmo que tecnicamente esta seja a primeira. Nela, o actor norte-americano de origem mexicana faz de Enrique "Kiki" Camarena, agente norte-americano da DEA que foi colocado em Guadalajara e começou a investigar as operações de Miguel Ángel Félix Gallardo, o ex-polícia que, vindo de Sinaloa, se transformou em barão da droga, primeiro com marijuana e depois cocaína. Félix é interpretado pelo mexicano Diego Luna e a acção desenrola-se nos anos 1980, antes das temporadas anteriores.

Desta feita, a equipa é composta maioritariamente por mexicanos, daí haver mais ênfase do que o normal nos sotaques. Diego Luna, ensonado mas a falar apaixonadamente sobre o contexto da série, diz que isso faz diferença. "A maioria dos actores desta temporada sabe do que está a falar. Vimos desse país, vivemos esta época. Eu tinha dez anos quando o Miguel Ángel foi preso. Lembro-me desse México e das consequências desta história. As outras épocas eram mais episódicas, esta é mais pertinente e presciente. O resultado de todo este sistema se ter desmoronado é a confusão que estamos a viver hoje", prossegue o actor que se vai manter ocupado em televisão nos próximos tempos, voltando à personagem que interpretou em Rogue One para uma nova série da saga Star Wars no Disney+, o vindouro serviço de streaming da Disney.

A série vive entre os EUA e a América Latina. Quem está por trás, a figura do showrunner, continua a ser o norte-americano Eric Newman. Michael Peña conhece bem a dualidade entre esses dois mundos: "Quando és mexicano-americano, na América consideram-te mexicano. Quando vais ao México, és americano. Isso deixa-te num limbo", elucida. "Já me aconteceu. As pessoas têm preconceitos nos dois lados. É estranho, mas leva-te a perceber como elas pensam", proclama.

Kiki é uma figura da vida real, cujo destino é facilmente desvendável para qualquer pessoa com acesso à internet. Na cena em que o ficamos a conhecer, ele está infiltrado em Fresno, na Califórnia. Quase a conseguir sacar informação de um grupo de traficantes (há ecos de Mel Gibson no primeiro Arma Mortífera), a polícia local irrompe e trata-o como um traficante, mesmo que ele explique que é agente. "Às vezes é difícil distinguir os maus hombres dos bons", desculpa-se um dos polícias, fazendo uma ponte com o discurso do actual presidente dos Estados Unidos.

O jogo do gato e do rato entre Kiki e Félix tem pontos em comum com Heat: Cidade Sob Pressão, de Michael Mann, uma inspiração, assegura Luna. Tal como Pacino e De Niro, Peña e Luna têm, ao longo dos dez episódios, que ficam todos disponíveis de uma só assentada, muito poucas cenas juntos. Só que com uma grande diferença, lembra Diego Luna: Miguel Ángel Félix Gallardo era tão grande, e pertencia a um sistema tão organizado e tão corrupto, que envolvia governo, polícia e autoridades norte-americanas, que podia não querer saber quem estava atrás dele.

"Não é uma série sobre um mau interpretado por mim, ou um bom atrás de um mau", continua o actor. "É sobre como tantas pessoas em tantos níveis de poder estiveram envolvidos numa organização que se transformou no melhor negócio do planeta, basicamente. Põe a pensar sobre o quanto o governo, a polícia e os militares tiveram de estar envolvidos, até mesmo do outro lado da fronteira, que é algo de que nunca falamos", afirma. "Os Estados Unidos faziam parte desta organização e estavam mesmo a utilizá-la para gerar a mudança que queriam porque estavam a financiar contraguerrilhas na América Central. É uma estrutura política que vai bem além dos traficantes de droga", refere.

Uma geração que está a mudar

Pode ser estranho ouvir o sotaque espanhol do brasileiro Wagner Moura. Mas, em Narcos, os actores que fazem de sul-americanos são na sua maioria de origem latina ou ibérica. Os dois intérpretes que encabeçam Narcos: México parecem contentes por fazerem parte de uma produção com tantas pessoas que se parecem com eles.

"É uma série metade em espanhol, com muitos actores latinos e muito sucesso", comenta Michael Peña, algo que dificilmente aconteceria quando começou a representar. Menciona que, no dia anterior, esteve à conversa com Terry Crews, o jogador de futebol americano transformado em actor que pertence ao elenco de Brooklyn Nine-Nine, sobre o facto de ser de uma geração em que "as coisas estão a mudar", tanto para actores negros como para actores latinos.

"Estamos nesta indústria há mais de 20 anos e ao início não era tão fácil", confessa. De cabeça, assinala nomes que vão do próprio Diego Luna a Gael García Bernal, passando por Javier Bardem, Rosario Dawson, Gina Rodriguez, Zoe Saldana ou America Ferrrra. É uma variedade de nomes que, alega, levam a que os argumentistas que trabalham em Hollywood "não tenham medo de escrever papéis para latinos", porque há muitos por onde escolher. É uma Hollywood diferente daquela que, nos anos 1930, obrigou Margarita Carmen Cansino a pintar de vermelho o seu cabelo preto, entretanto modificado pela electrólise, e a mudar de nome para Rita Hayworth, tudo para parecer menos hispânica. "É uma boa altura, mas ainda há muito trabalho por fazer", conclui.

Já Luna acha que a ascensão desses nomes é reflexo do que o público quer. "Estão a pedir personagens que falem como eles, que sejam como eles”, assevera. "É preciso cuidado, não se pode fazer só o que eles querem, é preciso surpreender", mas, continua, "haver espaço para um bocadinho de tudo" é sinal de que o mundo do entretenimento "está mais saudável". Mesmo que a temática de Narcos: México seja zero saudável.

O Ípsilon viajou a convite do Netflix.

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