Impostos sobre o consumo: pecados e touradas

Contrariamente aos impostos do pecado, não há qualquer teoria que nos ajude a decidir qual a forma certa de tratar fiscalmente as touradas.

Proponho às minhas leitoras e aos meus leitores o seguinte jogo (que eu inventei). Vá ao seu browser de internet, à App Store ou ao Google Play, e procure qualquer coisa como “self-control app”. Depois tente “anti-procrastination app”. Há aplicações que bloqueiam o seu acesso às redes sociais em certos momentos decididos por si; a mais drástica que conheço apaga as vogais do seu texto se o progresso for lento. Há quem funcione melhor quando dói na carteira. Em www.stikk.com, uma pessoa escreve um contrato com o seu umbigo, com um objetivo de poupança ou de dieta; o site cobra uma multa em dinheiro caso não o atinja.

Mas para quê criar um mecanismo externo que me obriga a fazer algo que eu, à partida, quero fazer? Depois de muitos anos a recusar o que os psicólogos e os neurocientistas tinham por óbvio, os economistas acabaram por aceitar que as pessoas nem sempre fazem as escolhas certas para si. Pode ser por falta de auto-controlo: sabendo que o excesso de açúcar faz mal, o indivíduo não consegue controlar-se quando passa diante de uma pastelaria. A segunda possibilidade é a inatenção. Como as consequências para a saúde do consumo de certos alimentos não são fáceis de perceber e a rotulagem dos produtos é complexa, pode não compensar gastar o seu tempo na procura de informação acerca dos produtos. A terceira razão são as crenças erradas: há pessoas que acreditam que o açúcar não faz mal, ou tem como única consequência negativa as cáries dentárias.

E o que é que isto tudo tem a ver com os chamados impostos do pecado? Os economistas chamam “sin taxes” aos impostos especiais sobre produtos com consequências negativas na saúde, que pretendem diminuir o seu consumo. Mas será que estes impostos corretivos são verdadeiramente regressivos? Não necessariamente!

Num estudo de abril de 2018 sobre sin taxes, os economistas Hunt Allcott, Ben Lockwood e Dmitry Taubinsky utilizam uma base de dados que cobre as compras de supermercado detalhadas de 60 mil famílias americanas entre 2006 e 2015. Uma análise simplista dos resultados levaria à conclusão que o imposto sobre bebidas açucaradas é regressivo, dado que as famílias com rendimentos acima de 100 mil dólares por ano compram apenas metade dos 99 litros por adulto adquiridos pelas famílias com rendimento anual abaixo dos dez mil. Mas não! Os autores questionam as famílias acerca do gosto por refrigerantes e interesse na saúde. Também avaliaram o conhecimento sobre nutrição, com perguntas objetivas acerca das características de determinados alimentos, e o auto-controlo nas decisões, por exemplo, perguntando se as pessoas concordam com afirmações como “eu bebo mais refrigerantes e outras bebidas açucaradas do que devia”.

Os resultados são claros. Por um lado, famílias com maior desconhecimento acerca de nutrição e menor auto-controlo compram mais bebidas açucaradas. Por outro, estas famílias são sobretudo as de menor rendimento. Finalmente, estas mesmas famílias mais pobres, com menor informação, e mais dificuldade de auto-controlo, são aquelas que mais reportam apreciar o gosto das bebidas açucaradas. O hábito, neste caso, não faz o monge, mas forma o gosto – imagine o impacto na saúde futura das crianças. Os impostos do pecado são como uma espécie de app de auto-controlo. Ajudando principalmente os pobres, são mais progressivos do que parecem.

Já que aqui estamos, cara leitora, e as touradas? Para corrigir a potencial regressividade dos impostos sobre o consumo, os sistemas fiscais têm uma taxa de IVA reduzida para bens de primeira necessidade: alimentos, saúde, meios de transporte. Naturalmente, não inclui touradas. Os espetáculos culturais são em alguns países sujeitos a uma taxa intermédia. A inclusão de touradas nesta categoria “cultural” é uma decisão política. Contrariamente aos impostos do pecado, não há qualquer teoria ou evidência económica que nos ajude a decidir qual a forma certa de tratar fiscalmente as touradas. Há apenas três países da UE com corridas de touros. Em França, estas pagam a taxa máxima de 21% porque, segundo o Ministério da Cultura, “não são um espetáculo de variedades nem de circo” para terem acesso à taxa mais baixa. Em Espanha, o governo do PP baixou em 2017 a taxa de IVA de 21 para 10% nos espetáculos ao vivo, o que incluía as touradas, mas não o cinema. Aberração? Provavelmente. Em 2018, o PSOE estendeu a redução às salas de cinema. Como disse, uma decisão política. Ou de civilização.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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