A função social do crédito aos consumidores

O crédito aos consumidores é um precioso instrumento de desenvolvimento social se utilizado de forma adequada.

Fico apreensivo quando são publicadas estatísticas sobre a evolução do crédito ao consumo em Portugal que derivam para títulos de primeira página suscitadores de alarme. E esse sentimento é maior quando verifico a tendência para se confundir crédito ao consumo (finalidade) com crédito aos consumidores (cidadãos). Não é a mesma coisa: uma boa parte desse crédito destina-se efetivamente a investimento pessoal produtivo e de melhoria da qualificação, do bem-estar e da qualidade de vida, com os correspondentes efeitos multiplicadores sobre os rendimentos futuros das famílias.

Quando os pais de um bebé solicitam um crédito para preservar as células estaminais do recém-nascido, quando um jovem solicita um crédito para estudar, quando alguém solicita um financiamento para adquirir um carro necessário para as suas deslocações diárias, fundamentais para a geração dos seus rendimentos do trabalho, estamos perante pequenos exemplos que nos fazem refletir sobre a verdadeira função social do crédito aos consumidores, indutora de desenvolvimento do capital humano da nossa sociedade, cujos resultados no todo económico são difíceis de captar por uma qualquer medida de curto prazo.

O crédito aos consumidores é, portanto, um precioso instrumento de desenvolvimento social, se utilizado de forma adequada, quer pelas famílias, quer pelas Instituições de Crédito. E, nesse sentido, a regulação nacional tem vindo a dar importantes e fundamentais passos para robustecer a sua adequação, sendo até mais ambiciosa no que respeita à transposição de legislação comunitária, em concreto a diretiva 2014/17/EU respeitante aos contratos de crédito à habitação. É disso exemplo o Aviso 4/2017 do Banco de Portugal, ao abranger o dever de avaliação da solvabilidade dos consumidores no âmbito da concessão de crédito à habitação e de créditos com garantia hipotecária (conforme consta no Dec. Lei 74-A/2017), mas também os contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Dec. Lei 133/2009 (crédito pessoal com ou sem finalidades específicas).

Deste enquadramento, em vigor desde 1 de julho deste ano, realça-se a importância da medida do rácio DSTI (Debt Service to Income), e da recomendação que o supervisor emite de esse rácio não dever ultrapassar os 50%, ou seja, e simplificando, o valor mensal de encargo com a dívida a assumir pelo consumidor, somado a outros encargos já assumidos com outras dívidas, não deverá ultrapassar metade do rendimento líquido que aufere.

Brevemente, as entidades que habitualmente realizam a intermediação de crédito aos consumidores (pontos de venda de automóveis, equipamentos lar, prestadores de serviços a consumidores, entre outros) estarão obrigadas a constituir-se como Intermediários de Crédito (Dec. Lei 81-C/2017) sujeitos a registo junto do Banco de Portugal, que regula a atividade (Aviso 6/2017). Trata-se de um importante passo no sentido de robustecer o crédito aos consumidores, pois contribui ativamente para uniformizar práticas, fomentar concorrência mais justa e leal, melhorar os deveres de prestação de informação pré-contratual e contratual e garantir os direitos dos consumidores. O supervisor aplica aqui o que me permito apelidar de mais “nobre” missão da economia da regulação: a eficiência no funcionamento dos mercados como forma de incrementar o valor económico dos seus agentes em particular, e deste modo, do país.

Não obstante o louvável caminho percorrido, cabe às Instituições de Crédito a promoção do crédito responsável e o fomento da literacia financeira em toda a cadeia de valor, desde os seus trabalhadores, até ao consumidor final, passando pelos intermediários de crédito, como forma de manter sustentável a função social do crédito aos consumidores.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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