Henok Goitom subiu a pulso e nunca quis autógrafos de ninguém

Nascido na Suécia, filho de emigrantes eritreus, é o capitão do AIK, que recuperou o título de campeão nove anos depois

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Henok Goitom, de camisola preta, durante um jogo do AIK Reuters

Barreiras culturais, barreiras linguísticas, barreiras futebolísticas. Henok Goitom tem-nas superado todas, num percurso em que se deparou com mais obstáculos do que facilidades. Filho de emigrantes eritreus, o avançado nasceu na Suécia e, para além do país escandinavo, representou clubes em Itália, Espanha e EUA. Mas foi no regresso a casa que, aos 34 anos, conseguiu o maior feito da carreira: sagrou-se campeão sueco pelo AIK, equipa que capitaneia, no regresso do clube de Estocolmo aos títulos, nove anos depois.

Na fuga à guerra que opunha Eritreia e Etiópia, os pais de Henok Goitom encontraram refúgio na Suécia. Em 1984 nasceu aquele que viria a ser o futebolista e capitão do AIK, incentivado desde cedo a praticar desporto pelo pai, que tinha sido basquetebolista de topo na Eritreia. Henok cresceu em Husby, um subúrbio de Estocolmo, onde os desafios eram diários. “É um bairro formado por 98% de imigrantes e gente, como eu, da ‘segunda geração’. Ou seja, que já nasceram na Suécia, mas conservam um idioma e uma cultura próprias. Os meus melhores amigos são do Iraque, Marrocos ou Chile, e isso obriga-te a ter uma mente aberta. Lidas com gente de culturas diferentes, o que te faz perder o medo aos de fora”, dizia em 2012, citado pelo blogue espanhol Historias de Segunda.

“Isso leva a que os suecos não me vejam como um deles, ainda que também não possa considerar-me eritreu”, acrescentava Henok Goitom, que chegou a alinhar pelas selecções jovens suecas e esteve muito perto de integrar o lote de convocados para o Mundial 2006, mas em 2015 aceitaria o convite para representar a Eritreia.

O futebol desde sempre fez parte do quotidiano de Henok. Cresceu a jogar na rua, com amigos, e confessaria que nunca lhe passou pela cabeça fazer vida nos relvados: “Nunca pensei que viria a tornar-me futebolista profissional. Gostava de futebol e, depois dos treinos, continuava a jogar com os meus amigos na rua. Tudo mudou aos 18 anos, quando já me tinha estreado na primeira equipa do Vasalund, no terceiro escalão. Fui chamado à selecção sub-19 e a Udinese reparou em mim.”

O jovem Henok rumou a Itália, mas a experiência não correu bem. Uma lesão grave impediu-o de jogar no primeiro ano, e na segunda época teve oportunidades escassas, apesar de até ter marcado um golo que valeu um empate frente ao Inter de Milão. Da passagem pela Udinese guarda o contacto com o treinador Luciano Spalletti e com futebolistas do calibre de Sensini ou Di Natale. “Quando entrei no balneário, pensei: Muito bem, este é o Sensini. E depois? Vim para jogar, não para pedir autógrafos”, contou.

A experiência negativa em Itália quase o fez desistir do futebol, mas o pai convenceu-o a dar mais uma oportunidade e tentar Espanha. Rumou ao Ciudad de Murcia, no segundo escalão, e redescobriu o amor pelo futebol. “Desde a primeira semana que me fizeram sentir bem-vindo. Faziam refeições em grupo e convidavam-me, embora não soubesse espanhol. É a mentalidade do sul: vem, mesmo que não percebas nada. Os dois anos no Ciudad de Murcia foram estupendos. Íamos juntos para todo o lado e isso notava-se em campo. Nas duas épocas ficámos perto da subida”, destacou Henok Goitom.

Porém, o clube seria comprado por um empresário e transferido para Granada – e o futebolista nascido na Suécia não fazia parte dos planos. Henok até conseguiu manter-se na cidade, ao assinar pelo Murcia, então na primeira divisão. Passaria depois por Valladolid e Almería, até que em 2012 regressou à Suécia para alinhar no AIK. Desde então tem vindo a ganhar estatuto no emblema de Estocolmo, com um curto parêntesis em 2016, em que passou pelo Getafe e depois pelo San Jose Earthquakes. De volta a casa, o capitão contribuiu em 2017 para o vice-campeonato do AIK, e agora fez história ao ajudar o clube a recuperar o título que fugia desde 2009. Ele é o primeiro futebolista de origem africana a levantar o troféu enquanto capitão de um emblema sueco. Mais uma barreira superada para o currículo de Henok.

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