Poupança, fiscalidade e os incentivos ao contrário

Que o nosso regime estabeleça uma tributação especialmente gravosa para a poupança que mais deveria ser incentivada é algo de extraordinário e que urge corrigir.

“Não poupes o que sobra depois de gastares, gasta antes o que sobra depois de poupares”, aconselha Warren Buffett na sua biografia The Snowball. Infelizmente, este é um aforismo que as famílias portuguesas não têm querido ou podido seguir, já que Portugal é dos países com a taxa de poupança mais baixa da OCDE.

À boa maneira nacional, passámos a encarar esta situação como uma fatalidade. No entanto, encolher os ombros não é opção e o fomento da poupança deveria ser um grande desígnio nacional, pois permitiria mitigar dois dos maiores problemas que ensombram a economia portuguesa: a falta de capital, com a decorrente dependência excessiva do financiamento externo, e o desafio económico causado pelo envelhecimento da população.

Esta última questão merece destaque. Em 2050, cerca de metade da população portuguesa terá mais de 60 anos, sendo que Portugal será o 4.º país mais envelhecido do mundo. Dá que pensar, não dá? Mas como este não é um problema imediato, pouco ou nada tem sido feito – o que mais parece uma postura governativa fundada no famoso dito keynesiano, “no longo prazo estamos todos mortos” (ou idosos, como parece mais adequado).

Mas então que ações podem ser tomadas para fomentar a poupança? Entra a fiscalidade, cada vez mais o instrumento governativo utilizado para travar ou incentivar comportamentos, seja o consumo de açúcar e sacos de plástico, os carros elétricos ou o ordenamento da floresta. Acontece que o Governo, em 2004, resolveu acabar com vários benefícios fiscais à poupança, entre eles a famosa dedução à coleta de IRS da conta poupança-habitação. E apesar de apresentar motivos válidos para a sua revogação, não foram introduzidos outros incentivos à poupança em substituição. O que sobrou? De substancial, apenas um benefício fiscal relativo a fundos de pensões e planos de poupança-reforma (PPR). Este é um benefício fiscal estruturante... mas que tem uma ineficiência grande e, pior, uma verdadeira perversidade, que urge corrigir.

Diga-se, antes de mais, que os fundos de pensões e os PPR são regimes complementares da Segurança Social, cujo objetivo é o de assegurar um rendimento adicional aos participantes quando estes deixem a vida ativa, permitindo assim mitigar a diferença de rendimento expectável, no momento em que deixam de receber um salário e passam a receber uma pensão da Segurança Social. Como é evidente, o ideal será que o valor acumulado nestes regimes complementares de reforma seja recebido em prestações regulares ao longo da vida pós-ativa, garantindo uma fonte de receita adicional estável e durante um período alargado.

Muito por culpa da fiscalidade, não é isso que sucede. No momento em que o participante reúne as condições de acesso ao rendimento (ou seja, aquando da reforma), opta quase sempre por receber o valor acumulado sob a forma de capital, ao invés de prestações regulares e periódicas, pois aquela é a forma fiscalmente mais eficiente de receber os rendimentos. Esta perversão fiscal ocorre por dois motivos: por um lado, o atual regime prevê uma tributação logo “à cabeça” no momento da conversão do capital acumulado em prestação regular e periódica (desincentivando fortemente esta conversão); e, por outro lado, o atual regime prevê que estas prestações regulares e periódicas, apesar de serem na verdade rendimentos de capitais, sejam tributadas na Categoria H (pensões), estando por isso sujeitas às taxas progressivas de IRS, em vez de estarem sujeitas a tributação autónoma de taxa bastante mais reduzida que é aplicada se o participante receber logo o valor acumulado.

Note-se que só faz sentido que os rendimentos sejam qualificados na Categoria H se resultarem de contribuições feitas por terceiros que não tenham sido objeto de tributação. Se as contribuições forem efetuadas pelo próprio participante, ao longo da sua vida ativa, os rendimentos são na verdade rendimentos de capitais, e deveriam ser classificados enquanto tal. O mesmo sucede com as contribuições efetuadas pelas entidades patronais, que já tenham sofrido tributação como rendimento do trabalho. Ao qualificar erradamente o rendimento como “pensão”, o regime fiscal está a desincentivar as contribuições para os fundos de pensões e os PPR, que ficam em desvantagem, na modalidade de prestações regulares e periódicas, face a qualquer outro produto financeiro!

A OCDE tem alertado continuamente para o problema das pensões que ameaça o progresso da Europa, com especial destaque para Portugal, reforçando a necessidade de incentivar a colocação das poupanças para a reforma. O que se pede a um sistema fiscal é que dê os incentivos corretos ou, pelo menos, seja neutro nesta matéria. Que o nosso regime estabeleça uma tributação especialmente gravosa para a poupança que mais deveria ser incentivada é algo de extraordinário e que urge corrigir, a bem do futuro de todos nós.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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