Um antídoto contra o "veneno" da maioria absoluta

O Bloco não quer facilitar a vida a António Costa, que, à conta do desaparecimento do PSD, tem, nos tempos que correm, a vida bastante facilitada.

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A ideia da reestruturação da dívida, esse incrível palavrão que durante os anos negros da troika foi partilhado com convicção por bloquistas, comunistas e muitíssimos socialista, não foi localizada no pavilhão do Casal Vistoso onde os bloquistas se reuniram para preparar a estratégia para as legislativas. Se há dois anos, na anterior convenção, o Bloco se apresentou ainda mais eurocéptico - a submissão do Syriza a todas as regras europeias tinha sido encarado como uma derrota no partido - agora, sem alienar o combate ao Tratado Orçamental, diminuiu o teor de sal. 

Na realidade, excluindo a devolução ao sector público da banca e da EDP, todas as condições apresentadas pela coordenadora do Bloco, Catarina Martins, para fazer parte de um Governo PS são facilmente aceites por qualquer socialista. E, tendencialmente, por qualquer eleitor socialista. A dessalinização do discurso do Bloco serve um propósito fundamental: capturar também uma parte do centro e da esquerda que o PS quer "comer" e tentar travar ao máximo a maioria absoluta.

À sua maneira, e ao contrário do PCP, o Bloco também sempre foi um partido catch-all, uma expressão anglo-americana que serve para caracterizar uma força política que "apanha todos os eleitorados". Tendo as suas origens na esquerda radical, o Bloco conseguiu fazer disparar eleitoralmente as expectativas iniciais dos partidos que o fundaram, a UDP de Luís Fazenda e o PSR de Francisco Louçã, que tinham sido reduzidos à irrelevância nas urnas. 

Isto quer dizer que o Bloco meteu o seu particular tipo de socialismo na gaveta? Não, evidentemente. Ele está lá e foi anunciado em vários discursos da Convenção. Naturalmente, o Bloco continua a defender a reestruturação da dívida. O problema é que há um eleitorado que é preciso convencer intensivamente a não colaborar para a emergência de uma maioria absoluta do PS - e até existe algum eleitorado socialista que, defendendo a continuação de António Costa como primeiro-ministro, não o quer ver instalado no castelo do poder absoluto. É a este eleitorado que o Bloco de Esquerda agora se dirige: aquele que quer António Costa no poder em acordo com o Bloco e o PCP.

Mariana Mortágua diz ao PÚBLICO que o BE "não coloca condições impossíveis para que alguém rejeite". Não, o Bloco não quer facilitar a vida a António Costa, que, à conta do desaparecimento do PSD, tem, nos tempos que correm, a vida bastante facilitada. É uma estratégia de antídoto contra o "veneno" da maioria absoluta. 

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