Libertação de arguidos de Alcochete acelerou detenção de Bruno de Carvalho

O receio de ter de libertar alguns dos primeiros arguidos esteve na base da decisão.

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Daniel Rocha/PÚBLICO

A detenção do ex-presidente do Sporting a um domingo ao final do dia espantou muita gente, apesar de a lei permitir a actuação das autoridades nestas circunstâncias. Mas teve, desde logo, um motivo: aproxima-se a passos largos o final do prazo máximo de detenção dos primeiros arguidos do ataque à Academia de Alcochete.

E se o Ministério Público já pediu ao juiz de instrução criminal do Tribunal do Barreiro encarregue do caso nesta fase de inquérito mais tempo para investigar, entre outras coisas porque ainda não foram concluídas as perícias aos telemóveis das cerca de quatro dezenas de suspeitos do ataque, a verdade é que o magistrado ainda não decretou a especial complexidade do caso, que permite manter os arguidos na cadeia durante um ano. Caso não o faça, haverá 23 suspeitos em liberdade antes do final deste mês, com tudo o que isso implica, na óptica do Ministério Público, ao nível de destruição de provas ou de eventuais fugas.

Embora não impeçam estas libertações, as detenções de Bruno de Carvalho e do líder da Juve Leo, Nuno Mendes, mais conhecido por Mustafá, são mais um passo para acelerar o fim do inquérito: a procuradora Cândida Vilar terá, pelo menos teoricamente, mais condições para produzir uma acusação, o que lhe permitirá prolongar as detenções dos suspeitos mesmo que não venha a ser decretada a especial complexidade do caso. Quanto aos restantes 14 arguidos presos, como foram detidos nos meses seguintes a sua libertação ainda não se aproxima.

“Fui notificado da intenção do Ministério Público de que seja decretada a especial complexidade do processo”, confirma o advogado de um dos arguidos presos, Pedro Madureira. Embora legal, a forma como isso foi feito dá bem conta do cuidado com que a questão do prazo está a ser encarada: os guardas da GNR prontificaram-se a ir ter com os advogados onde eles estivessem para os notificarem pessoalmente, algo que Pedro Madureira diz nunca ter visto antes. Outro advogado, Melo Alves, que representa três arguidos, pensa que se justifica de facto ser decretada a especial complexidade, dadas as dimensões e a natureza do caso. "Há inquirições que ainda têm de ser realizadas, como a do ex-treinador Jorge Jesus, que não está em Portugal e penso não ter sido ouvido", exemplifica. 

Mas existiu outro motivo, talvez mais importante até, para as detenções dos dois dirigentes desportivos terem ocorrido a um domingo: os hábitos das claques. Em dia de jogo, os órgãos de polícia criminal envolvidos na investigação – a GNR, mas também a PSP – contavam encontrar provas de actividades delituosas na sede da Juve Leo. E chegaram de facto a apreender droga, embora em pequena quantidade.

As buscas à residência de Mustafá ocorreram já durante a noite, um facto apenas permitido por um dos mais de 50 crimes de que está indiciado juntamente com Bruno de Carvalho ser o de terrorismo. Diz a lei que as buscas domiciliárias entre as 21h e as 7h só podem ser realizadas quando estiverem em causa suspeitas de terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou organizada. Ou então se o dono da casa as autorizar, ou ainda se for apanhado em flagrante a cometer um crime punível com pena prisão superior a três anos.

Além de terrorismo, impendem sobre Bruno de Carvalho e Nuno Mendes suspeitas de terem sido os autores morais de 20 crimes de sequestro e outros tantos de ameaça agravada, bem como 12 crimes de ofensa à integridade física qualificada. Nem um nem outro estiveram em Alcochete na tarde fatídica.

Melo Alves defende que não faz sentido falar em terrorismo mesmo que tudo se tenha passado como diz o Ministério Público. Juntamente com um colega seu de escritório, o advogado alega que só se pode falar neste tipo de crime em situações nas quais outras pessoas que não as vítimas se sintam intimidadas. "Não comete um acto terrorista quem decide matar um indivíduo por ser de raça negra, mas apenas aquele que o faz com uma motivação que transcende aquele acto, isto é, com o objectivo de atemorizar todos os indivíduos daquela raça", exemplificam os causídicos. No caso de Alcochete, as vítimas foram apenas os jogadores e restante equipa, não estando por isso em causa a paz pública, uma vez que "mais ninguém podia ficar intimidado".

Família vai à prisão

Junto às instalações do posto da GNR de Alcochete onde Bruno de Carvalho passou a última noite detido, foram surgindo familiares do ex-presidente do Sporting.

Um deles foi Rui de Carvalho, pai do antigo líder “leonino” que mostrou confiança na inocência do filho.

"Não há factos e provas concretas de nada", começou por afirmar o progenitor de Bruno de Carvalho, para acrescentar depois: “Ele não fez nada. Não tem nada que encarar ou deixar de encarar, só tem que esperar que as coisas corram como devem correr.

Rui de Carvalho, contudo, manifestou alguma desconfiança na justiça, dando conta que o estado de espírito de Bruno de Carvalho em relação a isso é diferente do seu. “Confiança na justiça? Ele tem mais do que eu", declarou Rui de Carvalho.

Indignada com a detenção de Bruno do Carvalho estava a sua irmã. Assegurando que o seu irmão iria declarar-se inocente – “com certeza” - quando fosse ouvido pelo juiz, Alexandra Carvalho foi parca em declarações aos jornalistas que se encontravam à porta do posto da GNR, mas fez questão de manifestar a sua indignação pelo facto de alguma comunicação social ter estado várias horas à porta de casa de Bruno de Carvalho. “Passar a morada de uma pessoa de um clube destes durante um dia inteiro é absolutamente indecoroso”, criticou.

Sobre o estado de espírito do irmão, limitou-se a afirmar que ele se encontrava “muito bem”, e quando foi questionada sobre se ele ficou surpreendido com a detenção, respondeu de forma sintética: Um dia vão perguntar-lhe. E vocês, ficaram surpreendidos com a detenção dele?”

Já o Sporting foi absolutamente lacónico a comentar a detenção do seu antigo presidente. Fonte do clube limitou-se a afirmar que “o Sporting manifesta a sua total confiança no sistema judicial".

Indignada estava a irmã de Bruno de Carvalho Alexandra Carvalho, que acedeu a prestar breves declarações aos jornalistas antes de dar entrada, acompanhada do advogado José Preto, no Comando da GNR de Alcochete, onde o antigo presidente do Sporting se encontra detido.

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