Catarina Martins: BE será parte do governo "quando o povo quiser"

Na intervenção de encerramento da XI Convenção do BE, a coordenadora também defendeu que o Tratado Orçamental deve ser revogado.

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Catarina Martins na Convenção Nacional do BE LUSA/JOSE SENA GOULAO

No discurso de encerramento da XI Convenção do Bloco de Esquerda, a coordenadora do partido, Catarina Martins, garantiu que o BE fará parte do Governo "quando o povo quiser" e elencou mesmo as cinco áreas nas quais o partido se baterá por mais conquistas: Serviço Nacional de Saúde; demografia e universalidade do Estado Social; ambiente; controlo público da banca e da energia; e criação de uma entidade da transparência com regras para eleitos e gestores públicos.

"Não nos perguntem por isso, se queremos fazer parte do próximo governo que ainda não foi eleito. Porque temos a certeza de que alcançaremos a força para ser parte do governo quando o povo quiser", disse, não sem dar a garantia de que o partido honrará os compromissos. "Tivemos força e cumprimos. Teremos mais força e cumpriremos". Aos bloquistas que a ouviam, sublinhou ainda que "o grande projecto da esquerda para o século XXI" é "a democracia tomar conta da economia".

No discurso de encerramento, Catarina Martins pôs os olhos no futuro e, depois de garantir que o BE não abandonou a luta dos professores pela contagem integral do tempo de serviço, elencou as cinco reformas estruturais que entende serem prioritárias para o país.

“Para onde vamos a partir daqui? Como fazer melhor? Nestes três anos, demos passos importantes, mas sabemos que ainda faltam muitas das grandes reformas estruturais de que Portugal precisa. A primeira grande reforma estrutural é estabelecer um consenso nacional sobre o Serviço Nacional de Saúde, com uma Lei de Bases que deve ser aprovada em 2019", começou por afirmar, defendendo que o investimento deve ser nos hospitais públicos e não direccionado para grupos de saúde privados.

“A segunda grande reforma estrutural que se impõe é a da demografia. Mas digo-vos, desde já, que me choca ouvir os arautos da direita queixarem-se das mulheres terem menos filhos, quando impuseram todas as condições para que ter um filho seja uma forma de empobrecimento", afirmou, defendendo que "o que é preciso fazer é exactamente o contrário do que a direita fez", ou seja, melhorar as condições salariais (igualdade salarial para mulheres também), as condições de abono de família, respeitar os imigrantes, investir nos transportes. Defender "a universalidade do Estado Social", frisou.

“A terceira reforma estrutural a que hoje me quero referir é a de combate às alterações climáticas", declarou. Explicou que "se todas as concessões de furos petrolíferos" tivessem sido aprovadas, "Portugal parecia um queijo suíço". "Mas uma atrás das outras foram recusadas ou caducaram e esta insistência em não apostar no petróleo é a única forma de virarmos a economia para a sustentabilidade", defendeu, incluindo também nesta reforma "a baixa progressiva dos passes sociais, o investimento em transporte público eléctrico, a redução dos automóveis nas cidades, os painéis solares na habitação, a reconversão da produção e dos produtores industriais".

Para Catarina Martins, a quarta reforma estrutural é a "do sistema de crédito e dos bens comuns": "Depois de 30 anos de privatizações, na energia e na banca, se nos perguntarem quanto perdemos, a conta é demasiada. Pagamos com uma das electricidades mais caras da Europa. Pagámos resgastes bancários e garantias que chegaram aos 40 mil milhões de euros. Pagamos com impostos, pagamos de todas as formas", afirmou, explicando que, como "o Bloco não aceita este desperdício", propõe o "controlo público" da energia e da banca.

A quinta reforma passa por "trazer a transparência ao que deve ser claro e transparente, a condução das políticas públicas": "Esse controlo terá de ser feito, desde já, com a proposta do BE que está em debate em comissão desde o início da legislatura, para a criação de uma entidade da transparência, que tenha competências e meios para impor o respeito das regras aos eleitos e aos gestores públicos", afirmou, incluindo nesta proposta "novas e exigentes medidas de separação de responsabilidade pública e negócio privado" para que se "fortaleça o combate contra a corrupção". Para a coordenadora do partido, esta proposta não pode "passar desta legislatura". "Tudo faremos para que a entidade da transparência seja uma realidade ainda este ano", especificou.

UE "em crise"

A coordenadora do partido lembrou que "o próximo ano é de escolhas" e que "quem decide é o povo". E avisou que "o caminho é difícil e tem opositores": "Teremos pela frente quem vive do lado do privilégio", disse.

Sobre as questões europeias, não deixou de se referir aos perigos da xenofobia e da extrema-direita: "A União Europeia está em crise profunda e nenhum país, nem nenhuma força política a pode ignorar. É também por isso que levamos muito a sério as eleições imediatas em Maio para o Parlamento Europeu", notou.

Catarina Martins deixou ainda clara outra ideia, a da “urgência” em revogar o Tratado Orçamental “que criminaliza o investimento e submete os estados à voragem do sistema financeiro internacional": "O compromisso é com o povo e com esta certeza funda de que, quando os tratados atacam o povo, a responsabilidade da esquerda é clara: mudem-se os tratados", defendeu.

E resumiu aquilo que o Bloco quer fazer num futuro muito próximo: "Este compromisso ‘agora o povo’, as cinco reformas estruturais e o pacto pela soberania que a Marisa Matias aqui apresentou ontem são a nossa resposta a quem nos pergunta o que queremos fazer. É isto." Mais: "Disse há dois anos, no fim da convenção anterior, que toda a política é luta pelo poder e pelo governo. Aqui está: esta é a nossa luta pelo governo. Queremos um governo capaz de cumprir, perante o nosso povo, estas obrigações no Serviço Nacional de Saúde, no investimento dos serviços para as pessoas, na protecção da parentalidade, na reconversão ambiental, na transparência pública. Trabalharemos para que esse governo exista", garantiu.

Antes, Catarina Martins lamentou que, no Congresso do PS, o secretário-geral do PS, António Costa, não tivesse referido que "este Governo só vive por causa dos acordos à esquerda".

Como resposta, a bloquista preferiu "a cordialidade de sublinhar que esse caminho contra a austeridade foi possível, porque houve a convergência que nunca tinha existido antes" e que "essa convergência foi um sucesso para Portugal": "Saúdo com amizade toda a gente que trabalhou nesta convergência", disse, incluindo nessa saudação o Governo, o PS, o PCP e os Verdes. "Não nos arrependemos de nada", garantiu ainda.

"Geringonça" esteve em risco

No início da intervenção, Catarina Martins admitiu que “o dia-a-dia destes dois anos foi longo” e que “negociar com tantos ministros e secretários de estado é, às vezes, tarefa para ganhar o céu”. Mas nem isso desmotiva os bloquistas: “Tenho uma novidade: os próximos tempos vão exigir muito mais”, disse na convenção em que o partido decide o que fará em 2019 e 2020.

Dirigindo-se à direita, que só pensa “em voltar ao passado” em que abusou “do poder”, aconselhou-a a habituar-se ao Bloco. Disparou, entre outros, contra as instituições europeias, contra o antigo Presidente da República, Cavaco Silva, contra o ex-primeiro-ministro Passos Coelho, contra a actual líder centrista e na altura ministra do Governo de direita, Assunção Cristas.

“Todos sabiam que a economia ia colapsar, o desemprego disparar, as contas públicas ficariam destroçadas, o trigo passaria a crescer para debaixo da terra. Era ciência certa. Não foi assim. O diabo não apareceu. A Comissão Europeia teve de recuar nas sanções, mas não nos esquecemos que as tentou impor. A aliança da direita desfez-se e agora é o salve-se quem puder. Cavaco Silva anda pelo país a pedir desculpas por ter engolido um sapo de um Governo que abomina”, disse, frisando que essa página foi virada há dois anos e “toda a gente vê os resultados”. “Temos orgulho em que esta convergência e negociação permanente tenha garantido a devolução de salários e pensões e a redução de impostos”, acrescentou ainda.

A coordenadora contou também que “só houve um momento em que a legislatura esteve em risco”. Foi “quando o Governo decidiu compensar os patrões pela subida do salário mínimo com uma redução da TSU, a contribuição da empresa para a Segurança Social”. Ora, lembrou, “o acordo assinado com o BE impedia taxativamente essa medida que prejudica a Segurança Social e reduz pensões futuras”. A intenção do Governo não foi para a frente e a alternativa passou pela redução do Pagamento Especial por Conta: “Nós levamos muito a sério a nossa palavra. Queríamos e conseguimos o aumento do salário mínimo, mas não damos com uma mão para tirar com a outra.”

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