Entre competição e cooperação: uma Europa social ou proteção pelos estados?

Este programa ambicioso, que decorre duma análise realista do risco crescente de implosão da UE, apenas poderá ser levado à prática de uma forma compartilhada entre os povos da União Europeia, as suas organizações, as suas regiões, as suas instituições políticas e todos os componentes da sociedade europeia.

“Seeking for a single programmatic ‘Europe’ leads only to endless debates about the hitherto unsolved, and perhaps insoluble, problems of (...) how to turn a continent that has been throughout its history, economically, politically and culturally heterogeneous into a single more or less homogeneous entity. There has never been a single Europe.”
Eric Hobsbawm, Munich, 1966 [1] [2] 

INTRODUÇÃO

A União Europeia (UE) vive uma tensão permanente entre uma visão puramente económica e orientada pela defesa de determinados interesses (nacionais, regionais, sectoriais, dos meios empresariais e profissionais, etc.) e uma outra baseada nos princípios da democracia, da solidariedade e do bem-estar de todos os povos que dela fazem parte. Tendo testemunhado directamente essas tensões no interior da Comissão Europeia durante 25 anos, escolhi como ponto de partida da minha contribuição para o Colóquio de Junho passado no Collège de France e para o documento conjunto que dele saiu, a política social europeia, cuja insuficiência cria um desequilíbrio que ilustra essa tensão.

As palavras de Eric Hobsbawm reforçam a minha convicção de que a UE está longe de ser irreversível ou que depende apenas da boa gestão económica e financeira. Apesar da relativa estabilidade da UE e das afirmações dos líderes europeus sobre a continuação inevitável desta realidade por força de um suposto interesse económico comum, a unidade do continente só existiu em períodos excepcionais e não é certamente eterna.

Para sobreviver, incluindo no imediato, a Europa necessita de possuir uma dimensão social como parte duma democracia viva e autêntica e duma solidariedade crescente entre os Estados-membros e no interior de cada um deles. Esta será a única forma de remediar a ausência de homogeneidade histórica, económica, política, cultural e religiosa a que alude Hobsbawm — bem visível na divisão e desagregação actuais no seio desta entidade dotada de um centro político cada vez mais poderoso, desequilibrado e distante dos povos.

Se a Europa nunca existiu como entidade homogénea devemos, então, trabalhar para a sua união de forma diligente e norteados pelo bem comum.

I. O CONTEXTO

O conceito de "Europa social" enraizou-se e encontrou expressão concreta numa UE de natureza predominantemente económica a partir dos anos 70. Em contrapartida, o reconhecimento legal desta noção chegou tarde na história da UE, através do Tratado da União Europeia (TUE) e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a inclusão dos direitos fundamentais políticos, económicos e sociais aos quais deve submeter-se toda a acção da UE, incluindo a que se baseia no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Foram então igualmente incorporados mais claramente no Tratado os conceitos de coesão social e a convergência económica e social.

O direito derivado acompanhou e abriu o caminho para essa “constitucionalização” dos direitos fundamentais, através de dezenas de directivas e outros instrumentos da chamada "política social europeia" adotados especialmente entre 1975 e o inicio dos anos 2000. Ao mesmo tempo, a concorrência entre os Estados e a integração económica extremamente forte dessas primeiras décadas da UE foram conduzidas com equilíbrio, peso e medida e a um ritmo gradual, o que demonstra que havia, à época, a preocupação de preservar os sistemas nacionais e fazê-los convergir não só economicamente mas também socialmente.

Esta abordagem cautelosa à integração europeia favoreceu um forte desenvolvimento económico e social, um apoio popular relativamente estável — que se afirmou positivamente e não apenas em função da memória das guerras devastadoras do século XX — e uma unidade de ação política apenas perturbada, de tempos em tempos, pelas idiossincrasias específicas de cada Estado-membro, nem sempre fáceis de acomodar.

Esse equilíbrio foi repentinamente quebrado, ou mesmo revertido, a partir dos anos 2000 por duas forças que agiram simultaneamente e que se reforçaram mutuamente. Por um lado, o efeito económico de desagregação causado pelo desenvolvimento a passo rápido da Zona Euro, que constituiu desde a sua criação uma fonte poderosa de divergência económica e social entre os seus membros. Por outro lado, uma inflexão ideológica evidente com a tomada de posse da primeira Comissão Barroso em 2004, muito visível na aceitação imediata do pedido de "stand-still" de legislação social que a organização patronal europeia se apressou a enviar ao novo presidente. Seguiu-se um vazio desolador na produção social da União que ainda hoje perdura.

Essa viragem política e ideológica teve um efeito devastador nos sistemas nacionais especialmente visível na governação económica europeia (em particular na Zona Euro), que se baseia no princípio segundo o qual boas condições de vida e de trabalho são uma fonte de perda de competitividade e, por conseguinte, devem ser reduzidas. As recomendações dos chamados "semestres europeus" ilustram esta visão ano após ano.

A crise de 2008-2012 agravou esta evolução negativa da política europeia. Apesar duma certa recuperação, a divergência económica e social entre os Estados-membros persiste, as dívidas públicas permanecem muito acima do previsto e a acção em favor do progresso económico e social harmonioso na União não foi retomada.

Em resultado disto, o fosso entre a UE e os seus cidadãos agravou-se, passando um número crescente destes, com razão ou sem ela, a ver na UE um obstáculo ao seu bem-estar e nível de vida, melhor prosseguidos no âmbito nacional.

Às diferenças económicas e sociais veio assim juntar-se uma crescente divergência política, que se traduziu no facto de uma boa dezena de Estados-membros integrarem nos seus governos partidos anti-UE, de extrema-direita, ou mesmo declaradamente neo-nazis, nalguns casos maioritários [3]. Enfim, está a disseminar-se na Europa uma crença geral de que estas divergências políticas sobre os valores fundamentais tendem a agravar-se por força, entre outros factores, da persistência e agravamento da divergência económica e social.

II. O QUE FAZER?

A. Subordinar as políticas do TFUE ao Tratado da União Europeia e à Carta dos Direitos Fundamentais, respeitando estritamente os valores consignados nestes últimos

Parece certo que qualquer revisão do Tratado é muito difícil, ou mesmo impossível, nas circunstâncias políticas actuais e do futuro próximo, devido à falta de confiança política dos cidadãos europeus neste tipo de iniciativa, cuja perspectiva lança o pânico nas classes políticas europeias.

Mesmo sem mudanças no quadro dos Tratados, constituiria já um progresso assinalável que os existentes fossem respeitados de uma forma escrupulosa, a começar pelo TUE. Pode parecer estranho que se tenha de reafirmar semelhante evidência, tal é a força obrigatória desses textos fundamentais. No entanto, são frequentemente transgredidos! Isto implicará que as políticas referidas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e quaisquer medidas tomadas para as levar à prática — que constituem a maior parte das ações desenvolvidas pela UE desde o momento da sua criação — devem ser objeto de avaliação sobre a sua conformidade com os valores fundamentais e o seu contributo para a convergência e o progresso económico e social, tal como previsto no TUE e nas disposições relevantes do próprio TFUE, sem o que não poderão ser aprovadas e executadas.

Esta regra de ouro deverá ser aplicada por todas as instituições, incluindo o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), garantindo assim que todas as acções da UE, em especial as que afectam a organização da economia [4], resistem a este teste fundamental de conformidade com os valores e princípios fundamentais. Isto é já exigido pelo artigo 9.º do TFUE, conhecido como "cláusula social horizontal", mas que, até à data, permaneceu praticamente letra morta.

Tal evolução representará uma ruptura drástica com a prática contrária ao TUE e à Carta que se instalou de forma subreptícia ao longo das últimas décadas nas instituições europeias. Historicamente, os fundamentos desta prática nociva para o ideal europeu são o resultado do caminho económico — uma espécie de desvio — que os fundadores da União tomaram para alcançar a unificação política do continente. Esse desvio traduziu-se na primazia absoluta das chamadas "quatro grandes liberdades" sobre qualquer outra consideração, nomeadamente, de ordem social ou política. Devemos contudo recordar, em defesa da viabilidade política da mudança radical que estamos a propor, que essa proeminência económica na vida da UE nunca foi linear nem coerente na sua cegueira relativamente às suas consequências sociais e políticas.

Do mesmo modo, os conceitos de mercado interno, concorrência, abertura comercial e instauração das liberdades de circulação de pessoas, bens, serviços e capitais foram incluídos nos Tratados desde os primeiros textos fundadores das Comunidades Europeias. Isso não impediu, contudo, longos períodos de inação, ou mesmo retrocessos, na aplicação dessas liberdades económicas. Os últimos dez anos de anemia produtiva em todas as áreas e em todas as políticas da UE (excetuando a política económica e monetária e os serviços financeiros, ainda que limitadamente) evidenciam a natureza relativa da interpretação das regras e obrigações dos Tratados.

Esta mudança fundamental de orientação política, por mais insólita que pareça tendo em conta as práticas instaladas há quase duas décadas, parece ser a única forma de relativizar as consequências mais negativas da integração económica cega que tem dominado o modo de ação da UE. Uma nova dinâmica poderá então promover uma renovação e reforçar a viabilidade política duma Europa unida em torno dos valores da UE tanto quanto dos interesses de cada um dos seus membros. 

Esta subordinação ao essencial deve, obviamente, ser assegurada por todas as instituições de iniciativa (Comissão), legislativas (Parlamento Europeu e Conselho) ou jurisdicionais (CJUE). O mesmo se aplica a outras instituições de gestão económica dotadas de enormes poderes, como o BCE ou mesmo entidades que, apesar de não terem reconhecimento legal nos Tratados, desempenham um papel importante na governação económica, como o Eurogrupo ou todo o tipo de entidades administrativas invisíveis mas muito actuantes.

B. Garantir o respeito dos direitos humanos dentro e fora da UE 

A UE é acima de tudo uma comunidade de direito. Ignorar esse facto é destruí-la. A UE deve ser inflexível perante as graves violações dos direitos humanos que são praticadas diariamente dentro do seu território, inclusive por governos ou autoridades públicas, e levar até às suas consequências punitivas finais os processos previstos no Tratado.

Isto também se aplica às políticas externas com efeitos criminosos colaterais fora da Europa, cujas consequências mais ignóbeis são as dezenas de milhares de migrantes afogados no Mediterrâneo durante os últimos dez anos. Ou o número incalculável de pessoas que a cobardia da política de imigração e asilo da UE faz deslocar até às bordas do deserto do Norte da África sem água, comida ou transporte, em direcção a uma morte certa — pela mão dos governos vizinhos da margem Sul do Mediterrâneo, bem pagos a partir do orçamento da UE para levar a cabo esta tarefa imunda!

O objectivo aqui é tratar apenas da dimensão puramente legal e humanitária desta questão complexa, que está intimamente ligada aos difíceis e incómodos debates sobre as migrações para a UE. No que diz respeito à dimensão política, que é a mais decisiva, o artigo "Democracia na Europa" já o tratou duma forma muito correcta e convincente (ver penúltimo parágrafo).

C. Restaurar a convergência económica e social

No quadro actual, a margem de manobra dos Estados-membros para assegurar a convergência económica e social é extremamente limitada, sobretudo para os menos desenvolvidos ou os que têm tido uma trajetória divergente com os restantes. As regras e práticas actuais da governação económica europeia aprisioná-los-ão durante décadas na estagnação económica, na pobreza e no subdesenvolvimento, enquanto beneficiam ao mesmo tempo, de forma perversa, apenas pelo efeito concorrencial interno à União, os Estados-membros mais ricos.

Quer a obediência devida à hierarquia das normas, quer a constatação da gravidade da crise atual, leva-nos a concluir que é imperioso ressuscitar — é o termo — a convergência económica e social que a UE abandonou, especialmente desde a criação da zona do euro e ainda mais com a crise de 2008. Isso implicará acções políticas disruptivas que contrariem radicalmente alguns aspectos da ortodoxia dominante no funcionamento da UE:

  1. Revisão rigorosa das regras da UEM respeitando os princípios da boa gestão económica e financeira, incluindo os objectivos quantificados de défices e de dívida públicos. Para além da sua obsolescência, marcada por velhos receios de inflação de quase um século e virtualmente circunscritos a um único Estado-membro, estes objectivos são desprovidos de qualquer justificação económica. O seu efeito paralisante impede a recuperação e o crescimento económico de grande parte da UE, sendo amplamente responsável ??pela atual divergência interna.
  2. Simplificação dos processos de governação económica de forma a tornarem-se compreensíveis para os cidadãos, cujas vidas e bem-estar são muito mais afectados por estes processos do que por qualquer outro domínio de acção da UE ou dos seus governos nacionais. Os mesmos deverão ainda tornar-se justiciáveis, isto é, permitir que qualquer sujeito de direito ponha em causa a sua legalidade e a sua conformidade com os Tratados. Para tal, duas condições são necessárias:
  • unificação das regras obscuras que regem esses processos, pondo fim à prolixidade impenetrável dos enquadramentos jurídicos (regras do Tratado, regras da UEM, Pacto de Estabilidade, Six Pack, Two Pack, procedimento relativo aos desequilíbrios macroeconómicos, procedimento relativo aos défices excessivos, Semestre Europeu, etc.);
  • a abolição — ou então a formalização — dos órgãos informais cujos  poderes se tornaram incontroláveis ??e insuscetíveis de serem contestados por não terem existência legal, tais como o Eurogrupo e outros.

Parece problemático à partida reunir estas duas condições (tal como outras que se seguem) sem revisão dos Tratados. Mas a questão jurídica é, neste estádio do debate político, secundária: o direito encontrará, como sempre, forma de acompanhar as vontades políticas dominantes.

Pleno envolvimento do Parlamento Europeu, a única instituição europeia eleita directamente pelos cidadãos, na governação económica através do processo de co-decisão, como acontece com a maioria das outras políticas da UE muito menos importantes do que aquela. E, o que se afigura ainda mais importante, a governação económica da UE deve ser gerida e decidida com base em programas políticos apresentados aos eleitores europeus, permitindo a estes terem a escolha decisiva nesta matéria. Esta é a essência da democracia!

  1. Forte implicação dos parlamentos nacionais na governação económica da UE em tempo útil e com uma voz decisiva, ainda que, sem uma revisão do Tratado, este processo não possa ser formalizado e tenha de ser aplicado através de um compromisso político. Deste modo, remediar-se-ia um dos principais fracassos do Tratado de Lisboa (e da iniciativa constitucional que o precedeu sem sucesso): encontrar uma forma de respeitar as prerrogativas essenciais dos nossos parlamentos democráticos nacionais em termos de soberania financeira. O fracasso deste objectivo tem constituído uma das principais fontes de distanciamento dos cidadãos relativamente à UE, que os governa à distância sem respeitar as prerrogativas seculares dos seus parlamentos.
  2. Criação de um orçamento europeu com recursos próprios substanciais, retirado de impostos directamente lançados pela UE sobre as emissões de carbono e sobre as transacções financeiras e controlado pelo Parlamento Europeu (tal como foi proposto pelo nosso grupo no artigo publicado há algumas semana citando a este respeito os trabalhos de Michel Aglietta e Nicolas Leron). Estes recursos seriam aplicados na modernização económica, na transição ecológica e na coesão económica e social da UE. Também devem dar uma contribuição importante para esse esforço transferências muito mais consequentes entre os mais ricos e os menos ricos da Europa.
  3. Talvez a medida mais inovadora e certamente a mais controversa: fixação de objectivos quantificados — que tanto fascinam a UE — a fim de alcançar a convergência económica e social entre os Estados-membros: dentro de um prazo razoável, isto é, no espaço duma geração (20 anos), a divergência entre Estados não deve exceder um objetivo pré-estabelecido para o conjunto da UE, por exemplo, 10% ou 25%, valores estes que representam os limites abaixo dos quais são activados os instrumentos financeiros da política de coesão (para o primeiro) e estrutural (para o segundo). Isso impediria a UE de executar políticas e ações conflituantes com esta convergência no âmbito de outros domínios. Devem estabelecer-se igualmente objectivos semelhantes, mas não necessariamente quantificados, para alcançar um nível razoável de coesão económica, social e regional em cada Estado-membro.
  4. Relançamento — tal como previsto no TFUE — de uma verdadeira política social europeia no sentido lato, incluindo o emprego, a política social stricto sensu, o direito do trabalho, a educação e a formação profissional, a saúde pública e a defesa do consumidor. Não se trata de garantir, como se tenta actualmente, níveis mínimos, sejam eles chamados "bases", "pilares" ou qualquer outra coisa, mas garantir efectivamente a todos um conjunto de direitos sociais comuns respeitadores das tradições e das práticas nacionais
  5. Eliminação de uma das principais fontes do sentimento de pertença (senão de subordinação) a uma UE submetida apenas a interesses económicos: a desigualdade, a injustiça (e a ineficiência económica) do actual sistema de concorrência fiscal entre os Estados-membros, especialmente no domínio da tributação das empresas.
  6. O sistema actual, que beneficia nomeadamente as mais ricas das multinacionais europeias e mundiais, deve ser reformado pela pressão política dos cidadãos, obrigando os decisores a reformarem por unanimidade o sistema de fuga de capitais, lucros e receitas fiscais para os países com baixa tributação (normalmente os mais ricos) ou, o que é ainda pior, em direção aos paraísos fiscais, incluindo os situados na UE. Estas acções contribuirão determinantemente para reconquistar a credibilidade da UE junto dos cidadãos europeus e um compromisso renovado para uma acção conjunta.
  7. Por fim, a resolução do problema das dívidas públicas é inevitável tendo em conta os desequilíbrios financeiros monstruosos entre os Estados-membros que foram instalados ao longo do tempo ao ponto de parecerem insolúveis. Para esse fim, poderia ser repensada a Conferência de Estados-membros da Zona Euro aventada há tempos com vista a encontrar uma solução que alivie o peso desmesurado da dívida para alguns, em benefício de todos.

No ambiente de descrença e de afastamento actual relativamente à UE, a restauração das condições para um regresso à convergência económica e social constitui a única forma de inverter essa tendência. Isso está absolutamente dependente das profundas inflexões políticas acima descritas, que visam assegurar que todos os actos e todas as políticas da UE respeitam a primazia dos valores e princípios do TUE e da Carta, permitindo que países, regiões, sectores e pessoas menos favorecidas recuperem o seu atraso.

A oposição feroz a uma reviravolta política com esta dimensão no seio das instituições europeias e nos círculos mais próximos destas será mais do que certa, tão certa como é a afirmação de que a sobrevivência política da UE depende em absoluto da subordinação do funcionamento "técnico" da UE àqueles princípios fundamentais.

CONCLUSÃO

Este programa ambicioso, que decorre de uma análise realista do risco crescente de implosão da UE, apenas poderá ser levado à prática duma forma compartilhada entre os povos da União Europeia, as suas organizações, as suas regiões, as suas instituições políticas e todos os componentes da sociedade europeia. Pese embora a gravidade e a urgência da situação actual, estamos ainda muito longe dessas condições de consenso.

Por esse motivo, é necessário, em primeiro lugar, que a questão do futuro da Europa seja seriamente debatida em cada país. Basta ler, no entanto, os principais órgãos de imprensa europeus para perceber a pobreza desses debates nacionais – com excepção do mundo académico, ou dalgumas personalidades políticas, dos meios de comunicação e outros, cujas tomadas de posição e alertas clarividentes têm tido um alcance extremamente limitado.

Os pontos de vista acima referidos têm principalmente como base a minha experiência das práticas políticas concretas da UE que eu próprio vivi do interior, durante décadas. Mas são igualmente muito marcados — admito — pela minha pertença a um país do sul da Europa, com um grande atraso de desenvolvimento económico que, apesar dos recentes avanços, está condenado a viver décadas de estagnação económica, sem capacidade para enfrentar os desafios da pobreza e impedido de poder aproveitar as oportunidades de progresso sem uma mudança radical a nível da UE. Outros tirarão naturalmente conclusões diferentes a partir das suas próprias experiências e visões, marcadas por contextos mais favoráveis. Mas todos têm um interesse comum em salvar a UE.

É por isso que me parece essencial ir além da estreiteza que domina inevitavelmente os debates nacionais e promover intercâmbios transnacionais — os únicos susceptíveis de contribuir para as conclusões conjuntas que tenham em conta os interesses, os contextos, as aspirações e as formas de ver a Europa na variedade de países, regiões, contextos e culturas que a compõem.

As eleições europeias do próximo ano constituem porventura a última oportunidade de realizar esse debate em condições de serenidade e de construir uma verdadeira união de acção no seio da UE sem a violência política que está a conquistar o mundo e a alastrar para o nosso espaço europeu.

[1] Este artigo resume e amplifica as principais linhas da minha intervenção no Colóquio "Révisiter les solidarités européennes” que teve lugar em 18 e 19 de junho de 2018 no Collège de France, que constituiu também a minha contribuição para o artigo colectivo "Da democracia na Europa", liderado pelo professor Alain Supiot e co-assinado por 17 participantes no debate e publicado em Setembro e Outubro de 2018 nalguns dos principais órgãos da imprensa europeia. No PÚBLICO, aqui. Ao contrário desse artigo colectivo, as ideias que se seguem são puramente pessoais e vinculam-me apenas a mim.
[2] Versão inglesa duma lição sobre a Europa e sua história dada em alemão pelo historiador inglês (nascido no Egipto) Eric Hobsbawm sob os auspícios da Fischer Taschenbuch Verlag, que lançou sua nova série Europäische Geschichte por ocasião do Congresso Anual dos Historiadores alemães (Munique, 1966).
[3] Tanto assim que é hoje duvidoso que os procedimentos previstos no artigo 7.º do TUE prevêm sanções aos Estados-membros que violem gravemente os valores referidos no artigo 2.º do TUE (caso do processo contra a Polónia ou do anunciado contra a Hungria) consigam recolher as maiorias necessárias no seio do Conselho.
[4] Começando pela governação económica, mas chegando até às medidas relacionadas com o mercado interno, a concorrência, a política comercial comum, etc.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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