A carta de despedida nunca enviada de Maurice

Carta à família do tenente Maurice Symington, com 21 anos, do corpo de Artilharia do Exército Britânico e oficial de ligação junto do Corpo Expedicionário Português na França. Redigida na Frente Ocidental, perto de Béthune, na véspera da Batalha do Somme (iniciada em 1 de julho de 1916).

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Maurice Symington em 1914 DR

Para A.J. Symington,

Avenida da Boavista, Nº 1283

Porto, Portugal

Para lhe ser enviada na eventualidade da minha morte

Sábado, 24 de Junho de 1916

Querido Pai e restante família,

Esta é a minha ‘despedida’ de vocês, porque caso recebam esta carta significa que terei morrido: escrevo hoje porque talvez não terei outra oportunidade, sendo este o primeiro dia do que julgo será a maior tentativa até hoje de furarmos o sistema de trincheiras e forçar um desfecho. O principal ataque não será no nosso setor, mas haverá muita atividade em toda a linha a partir de hoje e, naturalmente, e expectável que daí resultem baixas.

Não há necessidade de eu redigir um testamento, não tendo posses de grande valia. Do que há, deixo ao seu critério para decidir como julgar mais apropriado.

Não quero ser recordado como o “coitado do Maurice”, etc., de quem se fala em sussurros e para deixar o ambiente pesado. Ao fim e ao cabo, é uma morte digna e deverão ter orgulho de que um da ‘família’ tenha figurado nesta guerra, embora eu não alimente nenhuma especial vontade em sucumbir a uma morte gloriosa, preferindo ficar bem vivo. Espero sinceramente permanecer vivo, mas estas coisas não se podem combinar.

Mais dois pedidos que espero possam ser atendidos. O primeiro, partindo do princípio que a maior parte de vós será eventualmente sepultado em Agramonte, é que o meu nome pelo menos conste de uma lápide — uma vez que não poderei ser lá enterrado —, para que assim se mostre que um dia pertenci a esta família de que tanto me orgulho. Basta uma linha para registar que fui morto em combate em França; dessa forma, todos os nossos nomes ficarão juntos.

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Maurice Symington DR

O outro, e talvez menos ortodoxo, é que um de vós — Edgar, Mabel ou os gémeos — coloque o nome Maurice a um dos filhos, preferencialmente o primeiro ou um dos últimos, uma vez que através deles terá continuidade o nome Symington. No que toca a nomes, não é de todo mau e assim, através do meu nome, seria lembrado por via daquele que o recebesse. Gostaria que fosse posto de parte £10 para oferecer a esta criança uma espécie de ‘lembrança’, que lhe recordasse que o nome lhe foi dado em minha memória; porventura uma caneca de prata (como eu nunca tive), ou algo desse tipo.

Ideias esquisitas, dou a mão à palmatória; mas tentem sentar-se a escrever uma carta de despedida e vejam que sensações esquisitas vos visitarão.

Não preciso de acrescentar quanto lamento que, depois de ter perdido a Mãe, terá ainda mais este pesar, e até porque tem trabalhado tão arduamente para me proporcionar a excelente oportunidade na Silva & Cosens e na Warre & Ca, a qual eu estava tão ansioso por poder corresponder.

Gostaria que fossem rezadas missas por mim. Tivera a Mãe continuado viva e ela ter-se-ia encarregado disso, mas de qualquer forma, e em vez disso, ela já lá estará.

Todo o meu amor ao Edgar, Mabel, John e Ron, e também para si.

Do seu filho que muito o estima,

Maurice

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