Em memória e louvor de Álvaro Pinto

Ninguém se abalançou a escrever a biografia que ele merece pelo muito que fez pela literatura e pelas culturas portuguesa e brasileira.

Não faz 100, nem 50, nem 20 anos que Álvaro Pinto nasceu, morreu ou recebeu algum prémio, que nunca recebeu. Mas isso não é razão para que não o lembremos, em tempos de desmemórias de chefias, sobretudo mediáticas, que se lavam com a espuma dos dias e diária ou semanalmente querem engordar com a compulsiva fixação em gente do futebol, em políticos de meia tigela e em vedetas da hora, especialmente as de corpinho bem feito. E não é razão para que não lhe prestemos ao menos em papel uma modesta homenagem, já que nunca teve, nem na sua terra, nenhuma que pelo menos merecesse a presença de altas figuras da nação que ele tanto serviu.

Nascido em Barca d'Alva, em 1889 (há quem tenha escrito: 1985), Álvaro Pinto foi aos 13 anos para o Porto, onde estudou e se iniciou como jornalista e onde, com Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão e depois Cláudio Basto, dirigiu a revista Nova Silva, cinco números, publicados no Porto de 2 de Fevereiro a 10 de Abril de 1907, e veículo de ideias ou tendências – libertárias, pedagógicas, sociais e literárias – que reapareceriam em 1910 na revista A Águia, de que o mesmo Álvaro Pinto foi fundador, proprietário e director. Deixou de o ser, passando a ser seu secretário, editor e administrador quando ela se tornou órgão da Renascença Portuguesa (de que ele foi um dos fundadores e membro do Conselho de Administração), na II série (120 números, de Janeiro de 1912 a Outubro de 1921); mas no Rio de Janeiro, para onde emigrou em Março de 1920, ele continuaria ligado à revista como correspondente e colaborador, embora empenhado noutras tarefas como as que lhe exigia a editora Anuário do Brasil – que editou largas dezenas de livros, que fundou com António Sérgio e de que acabaria por ser proprietário único –, a efémera revista Crítica (quatro números, 1928), que co-dirigiu com Tasso da Silveira, ou, antes dela, a menos efémera (oito números) e mais importante revista Terra de Sol, que também co-dirigiu com Tasso da Silveira e que em 1924 e 1925 tentou cumprir no Brasil uma tarefa idêntica à de A Águia em Portugal; aliás, nela também havia sempre lugar para colaborações de portugueses ou para “Páginas portuguesas”.

Em 1937, de regresso a Portugal, onde dois anos antes viera fazer duas conferências sobre O Brasil Actual, proferiu e depois publicou outra conferência sobre São Paulo Cidade Vertiginosa, a que juntou um prefácio onde pedia aos seus filhos, nascidos no Rio de Janeiro, que amassem as duas pátrias, e um importante apêndice sobre “Intercâmbio Luso-Brasileiro”; e logo se empenhou na fundação e direcção de outras revistas de cultura, de literatura e de linguística, em que houve sempre lugar para colaboradores brasileiros: em 1938, Ocidente, de que se quis “redactor-gerente”, confiando inicialmente a direcção a Manuel Múrias, e que sobreviveria (até 1973) ao seu fundador (falecido em 1956; há quem tenha escrito: 1957), e, em 1942, a Revista de Portugal.

Embora referido em muitos estudos sobre A Águia ou sobre a Renascença Portuguesa, Álvaro Pinto aparece neles quase sempre como figura muito secundária e como simples administrador ou animador editorial; ninguém parece reconhecer-lhe méritos como o de aceitar publicar na íntegra o ensaio sobre “A nova poesia portuguesa sociologicamente considerada” de Fernando Pessoa, que lhe dirigiu as 20 cartas que revelou já em 1944 na sua revista Ocidente, a que mais tarde juntaria outra, geralmente ignorada; ninguém lamentou que ele não tivesse publicado o livro que anunciou Trinta Anos de Vida Literária (Em Portugal e Brasil); ninguém se empenhou em analisar os seus livros ou livrinhos e em coligir ou saber do destino (talvez fatal) de muitos dos seus “papéis” – artigos, cartas,  memórias, notas e comentários sobre questões sérias e melindrosas (a Renascença Portuguesa, A Águia, a emigração, o acordo ortográfico, a circulação do livro, glórias e desgraças luso-brasileiras...) –, “papéis” que resultavam do seu muito “trabalho útil aos outros” ou de uma “vida literária intensamente vivida em Portugal e Brasil”, e que continham “muita coisa interessante”, muitos “factos” desconhecidos, muitas “revelações” impressionantes; enfim, ninguém se abalançou a escrever a biografia ou o estudo alentado que ele merece pelo muito que fez pela literatura e pelas culturas portuguesa e brasileira.

E, no entanto, o seu companheiro António Sérgio pôde escrever logo em 1935: “a ele, por consequência, é que cabe na 'Renascença' toda a glória”. E, pouco depois, o seu companheiro brasileiro Tasso da Silveira pôde enaltecer as actividades de Álvaro Pinto e dá-lo como “o verdadeiro iniciador do livro novo no Brasil”. Mais recentemente, Guilherme d'Oliveira Martins pôde afirmar com inteira razão que ele foi o “verdadeiro elemento aglutinador e promotor das forças comuns da 'Renascença'”.

Eis por que só posso concordar com o que, também recentemente, escreveu Romana Valente Pinho: “Álvaro Pinto merecia de todos nós mais atenção.”

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