As novas vestes do BE: “Compromisso”, “moderação” e outro “estilo de actuação”

Para o politólogo André Freire, não há “uma alteração da identidade programática” do BE, mas de “identidade de actuação, em termos de estilo de actuação”. Passou da simples contestação para a obrigação de estabelecer “pontos de encontro” e fazer “cedências”.

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Para André Freire, a solução de Governo “é benéfica para o sistema, porque traz mais inclusividade e inovação” Miguel Manso

Do “ponto de vista da identidade programática”, o politólogo André Freire não vê “grandes alterações” no Bloco de Esquerda por apoiar agora uma solução de Governo, quando dantes o partido se situava sobretudo na oposição, no protesto, na contestação. Não vê alterações nesse campo, mas vê noutros: na “prática política”, na disponibilidade para o compromisso, no “estilo de actuação”.

“Do ponto de vista da identidade programática, não há grandes alterações. O que há é em termos de prática política. Precisa de gerir a agenda em função dos compromissos, mas a identidade programática permanece. Era um partido mais de protesto e, desse ponto de vista, há uma alteração de identidade, porque passa a estar mais disponível para compromissos”, diz André Freire que vê, porém, “essa alteração como positiva”. Porquê? “Não representa uma alteração da identidade programática, mas de identidade de actuação, em termos de estilo de actuação. Era um partido mais de contestação e agora está mais apostado em encontrar pontos de encontro e mais disponível para fazer cedências”, nota.

Foi um partido, recorda o docente universitário, que sofreu “flutuações” ao longo dos tempos, mas que, se começou por ser pequeno, acabou por conseguir afirmar-se até chegar à actual bancada parlamentar. “Consolidou-se à volta de um resultado bastante mais substancial do ponto de vista numérico”, argumenta o politólogo, sublinhando que, “mesmo não estando no Governo”, o BE tem uma “proximidade com o poder”, através do acordo assinado em 2015 com o executivo do PS, que lhe dá “uma influência na feitura de políticas públicas” que “nunca” tinha tido.

O actual cenário político, continua André Freire, deu aos partidos que apoiam a solução governativa, BE e PCP, uma “maior disponibilidade para o compromisso e moderação política”, provando que foram “capazes de subalternizar as diferenças” e eleger as “questões mais relevantes” da agenda política. “Estes partidos ficam mais disponíveis para alianças no que isso significa para cedências mútuas, nomeadamente na agenda europeia, por exemplo”, acrescenta o docente.

Essa negociação permanente permitiu aos socialistas garantirem os compromissos europeus e aos partidos mais à esquerda acelerarem a reposição de rendimentos que tinha sido cortada: “Os compromissos internacionais foram cumpridos, o que era o ponto-chave para o PS. Mas, ao mesmo tempo, estes partidos também fizeram vingar a sua voz. Foram recuperados cortes de uma forma mais rápida do que o PS propunha. E isso é, em grande parte, a influência da esquerda radical no PS”, sublinha o politólogo.

Para André Freire, o balanço é positivo para estes partidos, mas não só – o próprio poder e sistema políticos beneficiaram com esta correlação de forças: “[A solução governativa] é benéfica para o sistema, porque traz mais inclusividade e inovação. Estes partidos estavam fora da esfera governativa. E é mais inovadora, porque esta solução nunca tinha sido experimentada e, até agora, funcionou muito bem, do ponto de vista da estabilidade do sistema e do Governo”, argumenta o académico.

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