O Brasil e a lusofonia na Amadora BD

A 29.ª edição do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora tem como tema central o Brasil, além de exposições sobre Francisco Sousa Lobo, Artur Correia ou Álvaro. Termina este domingo.

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O Brasil é o tema da edição deste ano da Amadora BD Miguel Manso
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O Brasil já era o tema da edição deste ano da Amadora BD, a 29.ª do certame, antes sequer de se imaginar que Jair Bolsonaro podia vir a ser o seu presidente, explica ao PÚBLICO Nelson Dona, director do festival de banda desenhada da Amadora, que acaba este domingo.

"Programamos às vezes no ano anterior, outras vezes com dois anos de antecedência, e isto começou a ser pensado no ano passado", diz Nelson Dona, explicando que "havia dois factores principais" a considerar. O facto de "muitos artistas brasileiros escolherem o festival da Amadora para fazerem lançamentos de livros que só depois saem no Brasil" e a circunstância de se tratar de um país que "vive um momento de grande quantidade e qualidade de artistas brasileiros a fazerem, como eles dizem, 'quadrinhos'".

No Verão, o director estava no Brasil a finalizar a escolha dos dez artistas – que na verdade são 11, já que há uma dupla, a de João Pinheiro e Sirlene Barbosa – representados na exposição principal deste ano, cuja curadoria é da sua responsabilidade. "A partir de meados de Setembro começa a grande agitação político-social", conta, "e a exposição ganhou uma outra importância do ponto de vista de representatividade e representação de um país", com peças a serem até adaptadas, continua.

Isso pode ver-se no piso 0 do Fórum Luís de Camões, na Estrada da Brandoa, onde o festival está a decorrer desde 26 de Outubro. A exposição principal, Era uma vez um país (mais ou menos) maravilhoso tem, por exemplo, uma reportagem em banda desenhada – que tinha sido o tema da edição do ano passado – da autora Helô D'Angelo, sobre as manifestações #EleNão do final de Setembro. É a obra mais actual da mostra e, na quarta-feira à tarde, quando o PÚBLICO passou pelo festival, serviu de pretexto para uma conversa entre miúdos a entrarem na adolescência. 

A exposição era para ter outro título, mas foi mudado ainda antes de saberem o resultado das eleições, para reflectir os artistas escolhidos, que "levantam muitas questões, muitas delas complicadas de responder", e "questionam a sociedade brasileira", elucida o curador. Já os critérios de escolha dos artistas incidiram, assume, sobre nomes que "trabalhassem temas estruturantes ou fracturantes contemporâneos brasileiros, que ajudassem a entender o Brasil de hoje".

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É um leque de nomes que vai dos episódios da resistência negra à escravidão de Marcelo D'Salete e à História de Portugal e do Brasil por João Spacca, passando pela vivência em São Paulo de André Diniz – tirados do seu Malditos Amigos, que está disponível para consulta e dá vontade de passar o tempo todo da visita a lê-lo de uma ponta à outra. O grupo é diverso, e inclui, além dos nomes já referidos, João Marcos, André Ducci, Klévisson Viana, Pedro Cobiaco e Marcello Quintanilha.

O director costuma dizer que "cada vez mais a banda desenhada deixou de tratar os heróis e passou a tratar de pessoas de carne e osso, histórias de pessoas que muitas vezes são os próprios autores". São "bandas desenhadas de hoje, que representam a sociedade, com etnias diversas, com alguns autores que vão à procura daqueles de quem nunca se falou", prossegue.

A representação de pessoas negras que foge a estereótipos historicamente comuns não só na banda desenhada – e por vezes ali naquele mesmo espaço –, mas em toda a arte, dialoga quase directamente com a exposição que está ao lado, a de Francisco Sousa Lobo, que venceu o prémio de Melhor Álbum Português na edição do ano passado do festival por causa de Deserto/Nuvem, comissariada por Tiago Baptista. É alguém que faz um "questionamento constante, sobre assuntos muito difíceis", resume Nelson Dona. No início de O desenhador defunto, uma das muitas e complexas obras suas ali expostas, o autor vai ver a exposição de um amigo desenhador, e refere-se às "caras cartoonescas, ligeiramente racistas" que vê lá.

Ainda no mesmo piso, mostram-se também os vencedores de alguns dos festivais mais importantes de banda desenhada da Europa. "É algo que temos estado a tentar fazer há muitos anos", confessa o director. Já no andar de baixo, o destaque dele vai para O riso como vocação, extensa retrospectiva de Artur Correia, "uma figura incontornável" da banda desenhada e do cinema de animação em Portugal, que morreu em Março, comissariada por Luís Salvado. 

Na génese da exposição do Brasil, diz o director, estava a ideia de lusofonia. "Há uma presença muito forte e de grande qualidade de banda desenhada em língua portuguesa, quer em Portugal ou no Brasil", conta. As estruturas do festival, prossegue, assentam no tema, por um lado, por outro nas efemérides e por outro ainda nos prémios, que no ano passado "calharam ser atribuídos a autores portugueses" – Álvaro, por exemplo, tem uma exposição no piso -1 do fórum, por ter ganho o prémio Melhores Tiras Humorísticas. "Pareceu interessante explorar e perceber esta questão de que hoje é possível fazer um festival de grande qualidade praticamente só com autores lusófonos. Há alguns anos, isso significaria de imediato um fracasso em termos de público."

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