Profundidade

As tecnologias e a inovação apresentadas na Web Summit são, na sua grande maioria, superficiais.

A tecnologia e a inovação são componentes essenciais para o desenvolvimento económico e para a competitividade de um país. Esta afirmação é um lugar-comum, repetido até à exaustão por políticos, economistas e empresários. Porém, a verdade é que muitas tecnologias e muitas inovações são relativamente superficiais e não representam contribuições significativas e estruturantes para o desenvolvimento económico sustentado. Podem, no curto prazo, criar valor acrescentado, mas, no médio prazo, estão sujeitas à competição de outras empresas que facilmente copiam o modelo de negócio e lançam produtos e serviços concorrentes.

Quando se passa pelas centenas de expositores que preenchem os diversos pavilhões da Web Summit, onde são promovidos uma miríade de produtos e serviços, é inevitável ficar com a sensação que as tecnologias e a inovação lá apresentadas são, na sua grande maioria, superficiais. Existem centenas de expositores que promovem serviços e produtos semelhantes, sem qualquer carácter distintivo e com uma componente de inovação muito limitada. Existem também excepções, é certo, produtos e serviços profundamente inovadores e em alguns casos mesmo revolucionários, baseados em tecnologias complexas e surpreendentes. Por exemplo, no expositor de uma grande multinacional está em demonstração um produto em que uma câmara identifica as faces de cada pessoa na audiência, e indica o género e a idade (prevista) de cada uma dessas pessoas, assim como o seu estado de espírito. Algumas destas tecnologias levaram, em muitos casos, anos ou décadas a desenvolver, e correspondem a um grau de maturidade que é difícil ser reproduzido pela competição.

Em inglês, a designação “deep tech” (tecnologia profunda) é usada para referir tecnologias que, pela sua natureza, exigem um profundo domínio das ciências subjacentes e têm o potencial para causar alterações profundas na sociedade e na economia. O termo “profundo” é também usado noutros contextos, como por exemplo em “deep innovation” (inovação profunda) ou “deep learning” (aprendizagem profunda). Em muitos casos, estas tecnologias resultam de muitos anos de investigação fundamental, cujos resultados demoram a chegar ao mercado.

A competitividade sustentável de uma empresa ou de uma economia tem de se alicerçar, necessariamente, em tecnologias sólidas e profundas. Embora a inovação ao nível de modelos de negócio ou de processos seja essencial para criar empresas competitivas, só é possível manter essa competitividade numa economia global se existirem factores diferenciadores que sejam difíceis de copiar e duplicar. Na maior parte dos casos, esses factores têm origem num domínio profundo de uma tecnologia ou de um conjunto de tecnologias específicas. Podem corresponder a patentes, que nalgumas áreas são essenciais, a tecnologias proprietárias, não patenteadas, ou mesmo a tecnologias secretas. Mas, em todos os casos, representam um activo que tem a característica de ser difícil de replicar e reproduzir, pela competição.

Novos modelos de negócio que não estejam alicerçados em tecnologias proprietárias são, inerentemente, susceptíveis de sofrerem uma concorrência directa e estão fortemente limitados na sua capacidade de expansão. Os casos de três recentes empresas portuguesas que estão entre as mais competitivas internacionalmente, a OutSystems, a TalkDesk e a Feedzai (as duas primeiras avaliadas em mais de mil milhões de dólares, a terceira a caminho disso) são ilustrativos. Todas elas desenvolvem a sua actividade com base na aplicação de tecnologias sofisticadas, em muitos casos proprietárias, a problemas de grande relevância económica. Pelo contrário, muitas grandes empresas portuguesas tecnológicas, de grande dimensão, não têm, no grau necessário, a competência tecnológica profunda que lhes permitiria competir eficazmente no mercado internacional, e sobrevivem essencialmente porque dominam o mercado nacional, onde a competição é limitada.

É por isso que a competência, profunda, nas áreas da engenharia, é um requisito essencial para a competitividade económica de uma nação. Novos modelos de negócio são importantes, mas, na grande maioria dos casos, pouco valem se não se basearem em realizações de engenharia, que implementem os modelos de negócio e permitam criar e manter valor. Para um produto ou serviço existir alguém tem de criar os dispositivos, fabricar os veículos, codificar as aplicações ou desenvolver as bases de dados que suportam os modelos de negócio, por mais inovadores que estes sejam. E é aqui que a engenharia se afirma como o factor essencial de competitividade de uma nação, no longo prazo. E é por isso que a qualidade da educação em engenharia é um factor determinante na competitividade de um país.

Portugal está, aqui, muito bem posicionado. Os engenheiros formados em Portugal são apreciados em todo o mundo, e reconhecidos como excelentes. Apesar do baixíssimo nível de financiamento a que estão sujeitas (o financiamento por cada aluno de engenharia, em Portugal, é menos de um quarto do financiamento por cada aluno de engenharia na Alemanha ou na Suécia, por exemplo), as grandes escolas de engenharia portuguesas transmitem eficazmente, aos seus alunos, os conhecimentos que são necessários para que as nossas empresas e organizações desenvolvam “tecnologia profunda”. É também por isso que os nossos engenheiros são tão procurados, nacional e internacionalmente, criando uma escassez em determinadas áreas que representa um significativo travão ao desenvolvimento da economia.

Porém, com o rápido desenvolvimento da tecnologia, deixou de ser suficiente ter uma formação de base sólida em engenharia, obtida pela frequência de um curso universitário. Se um curso superior na área da engenharia era, no século passado, suficiente para capacitar alguém para criar e gerir tecnologias competitivas durante diversas décadas, isso deixou, progressivamente, de ser verdade. Neste momento, qualquer profissional tem a obrigação de fazer um esforço para se manter actualizado, usando para tal todos os recursos ao seu dispor. É por isso que as grandes escolas de engenharia, em todo mundo, criaram programas de formação ao longo da vida, dirigidos tanto a executivos como a quadros técnicos. Tornou-se necessário, a todos os níveis, ter um conhecimento tão profundo quanto possível sobre as últimas evoluções tecnológicas. Também aqui a engenharia portuguesa tem sabido acompanhar a evolução internacional. As grandes escolas de engenharia portuguesas têm criado cursos e estruturas de formação que têm como objectivo providenciar, aos seus graduados e a outros quadros técnicos, formação profunda em tecnologias aplicadas.

No caso do Instituto Superior Técnico, estas iniciativas de formação, que funcionam sobre a designação global de “Técnico+”, têm como objectivo disponibilizar formação avançada, permanentemente actualizada, em diversas áreas tecnológicas, incluindo inteligência artificial, ciência de dados, materiais, nanotecnologia, telecomunicações, indústria 4.0, novas tecnologias de construção, energia e mobilidade inteligente, entre tantas outras. É fundamental, para a competitividade da nossa economia, que os quadros das suas empresas se mantenham capazes de desenvolver tecnologia profunda, porque só essa permitirá criar valor de uma forma sustentada. Esperemos que as empresas, grandes e pequenas, saibam reconhecer esta necessidade.

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