Johnson Semedo viu um dos jovens "deitado de barriga para baixo" com "os agentes em cima dele”

O homem por trás da Academia Johnson viu Miguel Reis ser "espancado" por um grupo de vários polícias quando ia a passar de carro pela Esquadra de Alfragide a 5 de Fevereiro de 2015.

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MIGUEL A. LOPES

A João Semedo Tavares conhecem-no sobretudo por Johnson Semedo, o homem por trás da Academia Johnson que se dedica a treinar jovens em futsal na Cova da Moura. No dia 5 de Fevereiro de 2015 ele estava, porém, a conduzir um carro como motorista da agência Lusa em serviço quando passou pela rotunda em frente à Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial de Alfragide. Viu Miguel Reis, um dos jovens da Cova da Moura que conhece há anos e de quem foi monitor, a ser “espancado” por agentes da PSP, contou ao Tribunal de Sintra. Desde Maio que 17 agentes da PSP estão a ser julgados por um colectivo de juízes do Tribunal de Sintra, acusados pelo Ministério Público de vários crimes como falsificação de auto, tortura e racismo contra seis jovens da Cova da Moura. 

A acusação divide-se em dois momentos: o primeiro, em que uma equipa da PSP vai à Cova da Moura fazer patrulhamento e detém Bruno Lopes, alegando que este tinha atirado pedras à carrinha da polícia — aí, um agente terá disparado dois tiros e atingido duas moradoras; um segundo momento, quando amigos deste jovem se dirigiram à esquadra para pedir esclarecimentos mas acabaram detidos e acusados de invasão. 

João Semedo Tavares foi ouvido sobre o segundo momento. “Antes de chegar à rotunda, na paragem de autocarro, vejo cinco agentes em cima do Miguel”. Parou e apitou. “Ele estava deitado de barriga para baixo e tinha os agentes em cima dele”. O treinador de futsal contou que, depois de cumprir o serviço, foi a “casa do miúdo” contar o que tinha visto. Miguel Reis, continuou, “é completamente pacato e educado”. “Nunca o vi em problemas de maior”, afirmou. 

Morador na Cova da Moura desde os seus dois anos, João Semedo Tavares garantiu ainda que nunca tinha visto ninguém a arremessar pedras à polícia desde que lá vive. Esta tem sido uma pergunta feita várias vezes pelos advogados dos 17 agentes para tentarem justificar a detenção de Bruno Lopes, acusado de mandar pedras à carrinha. 

Também a fizeram a Fernando Veiga, morador do bairro e testemunha que prestou declarações sobre as circunstâncias dos dois momentos da acusação. O jovem contou que ouviu os tiros e viu uma carrinha da PSP a chegar ao bairro nesse dia. Descreveu pessoas a fugirem em pânico, mas negou que tivesse acontecido alguma agressão dos moradores ou insultos aos polícias.

Em casa, ouviu tiros. Quando se dirigiu ao local onde Bruno Lopes foi detido, havia sangue na parede, descreveu.

Fernando Veiga, que é apenas uma testemunha dos acontecimentos, foi questionado durante mais de uma hora e meia — diversas vezes foi instigado a repetir pormenores sobre acontecimentos que já tinham sido esclarecidos ao Ministério Público. Relatou que os seis jovens se dirigiram à esquadra em grupo calmamente e que, com tranquilidade, dois deles, Celso Lopes e Flávio Almada, falaram com um dos agentes que estava à porta, sem nunca serem agressivos. Já os polícias disseram-lhes “pretos do caralho, filhos da puta saiam daqui”, relatou.

Disse também ter visto Celso Lopes a ser atingido por um tiro à porta da esquadra e depois no chão, a ser alvo de pontapés e bastonadas. Depois Fernando Veiga fugiu, com outra testemunha, Angelino Almeida. Também relatou ter visto uma agente a limpar a carrinha com uma vassoura — mas não viu directamente vidros nem dentro, nem fora da carrinha. Outras das acusações dos agentes é que os jovens tentaram invadir a esquadra, atirando pedras.

A dada altura Isabel Gomes da Silva, advogada dos arguidos, pergunta em tom mais alto à testemunha o porquê de, tendo existido pânico no bairro quando apareceu a carrinha da PSP, os jovens foram em grupo à esquadra. “Isso não faz sentido”, comenta. A juíza não se opõe à repetição e insistência da mesma pergunta: “Se ele estava detido, o que é que foi lá saber? Se está detido, está detido. Se o Celso [Lopes] e o Flávio [Almada] foram os únicos a falar [com a polícia quando chegaram à esquadra], podiam ter ido sozinhos, porque é que vocês foram?” Apenas nessa altura é que a juíza interferiu: “Acho que não vai obter mais do que isto. Foram saber do amigo à esquadra.”

Fernando Veiga foi também questionado sobre se conseguiria identificar algum dos agentes e respondeu que sim: “Algum está aqui no tribunal?”, perguntaram. Depois de confirmar que sim, disse que era o que tinha disparado a arma —trata-se do agente João Nunes, que já depôs.  

Agressão ou "queda acidental?"

Na segunda-feira foram ouvidos socorristas que se deslocaram à esquadra para prestar assistência naquele dia. Andreia Casanova, bombeira, que fazia dupla com outro colega, Vítor Silva, referiu que no inicio Rui Moniz não queria ir ao hospital mas que acabou por concordar. Foram chamados com a indicação de que se trataria de uma agressão.

Foi ela quem fez a avaliação do doente, mas quem escreveu o verbete foi o colega, com base no que esta lhe relatou — Andreia Casanova referiu que Rui Moniz se queixou de dor no braço esquerdo e que portanto o aconselhou a ir ao hospital. Porém, o colega Vítor Silva escreveu que este se tinha recusado a ser assistido e que se tratara de "queda acidental", e isto não foi o que Andreia Casanova lhe transmitiu, segundo disse em Tribunal. O juiz perguntou: havendo uma avaliação sua, como explica que apareça que a vítima recusou ser avaliada? “Má comunicação [com o colega]”, respondeu, indecisa. 

A bombeira não viu sangue nem sinais de agressões significativos, tal como disseram em depoimentos ao tribunal os outros bombeiros. Disse também que a sua equipa tinha sido a primeira a chegar ao local - mas quem chegou primeiro ficou por explicar já que a outra bombeira, Valéria Souza, disse há algumas sessões que tinha sido a sua equipa. Este pormenor é relevante porque Valéria Souza avançou essa explicação para o facto de ter ficado 40 minutos na esquadra — demasiado tempo para aquela operação, consideraram os juízes. “Não podia abandonar o local” até chegarem as ambulâncias do INEM, explicou. Um dos jovens acusou uma das socorristas, com sotaque brasileiro (Valéria Souza), de cumplicidade com os agentes. 

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