Conservador e os poetas de karaoke

Rejeitar este património de ideias é estender o tapete encarnado aos populismos emergentes e decretar a infeliz extinção da direita clássica. Estes valores não são bons por serem antigos. São antigos por serem bons.

O conservadorismo é o instrumento político que falta ao centro-direita para se reposicionar como pendor do regime e conter o avanço do niilismo, no inverno em que o bom senso se suicidou na antecâmera dos extremismos.

Apesar disso, vai-se vendendo a patranha de que a única diferença entre a direita e a esquerda reside na balança que mede o peso do Estado na economia, em mais ou menos impostos. No resto, que não cabe numa folha de excel, ordena-se em nome da liberdade o mais sinistro dos consensos. Esta tese seria perfeita, ou não tivesse ignorado que há uma vasta pluralidade de formas de servir a liberdade.

O conservador ama a liberdade dentro da ordem natural das coisas, espontânea, experimentada, e posteriormente enraizada nas sociedades ocidentais como um fator identitário. Compreende que a evolução bem orientada que procura não acontecerá sem liberdades políticas, civis e económicas. Todavia, não as usa como ato de desresponsabilização, que rasga o compromisso com o legado que recebeu. Não encara a normatividade cultural, a educação, as convenções sociais, a família e a moral, como forças opressivas que violam os direitos individuais.

Se a liberdade não fosse enquadrada, o subjetivismo triunfaria, nada seria comum a todos, tudo seria válido e passaria a ser igual a tudo e igual a nada. É, pois, este argumento que permite simultaneamente a um conservador afirmar-se pela liberdade, mas não ser um liberal puro.

Ao mesmo tempo, o conservadorismo arrisca desmerecer-se se for exclusivamente capturado pela diletante disposição conservadora arvorada por Oakeshott. No mero posicionamento adequado à circunstância, incapaz de gerar um quadro de valores mentais que sirvam de guia coerente para a atuação política. Embora também seja isto, não pode ser só isto. Uma vez que o conservadorismo não é uma loja de conveniências ao sabor do vento. Nem o carro-vassoura da mudança. Muito menos a caricatura de alguém que, por desistência, acaba por ser arrastado por um caminho que não escolheu.

Pelo contrário, exige-se que o conservadorismo seja o sentinela que protege a manutenção da ordem ou que oferece uma alternativa ao caminho seguido. Que saiba o que quer conservar, melhorar e transmitir – segundo a trilogia adotada por Burke. Até dar corpo ao maestro com a batuta em punho a frear o ritmo das mudanças. Por outras palavras, o conservadorismo deve gizar uma doutrina programática. Sobretudo, numa sociedade que abriu as portas à indeterminação e onde o exercício de encontrar um chão comum a partir do qual se possa pensar o mundo já não é só uma tarefa útil. É urgente.

Particularmente quando a direita cool e tecnocrata acha que para ser moderna tem que dormir com a esquerda libertária. Incapaz de perceber que o preço a pagar por esse affair é a ascensão dos autoritarismos – isto é, a força simétrica dos vanguardismos da esquerda, consentidos pelo encantamento de determinada direita. Que se alimentam de cada milímetro de subordinação dos partidos tradicionais para conquistar metros na simpatia das pessoas enfadadas com a destruturação da sociedade e com a linguagem coerciva de quem a impõe.

O perigo aqui é simples de adivinhar: não havendo teto conservador que abrigue esta gente, sobra-lhes o chapéu infrene dos nacionalismos e protofascismos, que podendo identificar corretamente vários problemas, falham redondamente nas soluções que apresentam. É óbvio que eles são nossos inimigos. Porém, foi a agenda relativista da esquerda, acolitada no yupismo de alguma direita – e seus poetas de karaoke – que os pariu. O desafio passa, afinal, por assumir o conservadorismo não só como disposição, mas como opção: para que ninguém tenha que escolher entre dois polos que são igualmente maus: o da direita apaixonada pela esquerda – e vice-versa – e o dos radicalismos insuportáveis. O que é bem diferente de ser centrista ou equidistante, dado que ser moderado implicará, não raras vezes, escolher um lado próprio e não a cadeira vazia que está ao meio de duas soluções.

Da mesma maneira que Kirk enunciou dez princípios conservadores, os sinais de hoje recomendam-nos que resgatemos os valores e as instituições que ao longo da história demonstraram na prática trazer resultados positivos. Só deste modo responderemos às pessoas, compreendendo os seus problemas reais e apontando soluções razoáveis.

Um centro-direita conservador que não seja indiferente ou irrelevante precisará de apostar na defesa da dignidade da vida e da natalidade, e retirar-se de soluções de descarte como a eutanásia ou o aborto, defendendo os que mais sofrem e as mulheres que, em situações por vezes austeras, optam pela vida; na rejeição da ideologia de género, que baralha, confunde e hispersexualiza os conceitos mais básicos; no reconhecimento da abertura espiritual e religiosa do povo, separada do poder político, mas protegida do laicismo radical; na promoção da escola como elevador social, que cultiva a exigência e a autoridade de quem ensina; na preferência pela família, sua autonomia, e na conciliação do tempo familiar com a profissão; no patriotismo e na soberania do país na Europa das nações, em prol da manutenção da relevância das instituições democráticas nacionais, em comunhão com os princípios da cooperação e integração comunitárias; na propriedade privada, contra a fadiga fiscal e o esbulho de rendimentos; no derrube do politicamente correto, do policiamento da linguagem, e da superioridade amoral de quem quer inverter valores; na valorização ética e social do trabalho, lutando pela erradicação do desemprego e da precariedade; no institucionalismo, que pressupõe compromisso; na igualdade de oportunidades e na eficácia do mérito, independentemente da origem social, da classe económica, da naturalidade, da raça, do sexo ou de qualquer outro fator discriminatório, em detrimento dos favores, dos favorecimentos, do centralismo, de machismos ou de machismos de sinal contrário; na coesão territorial de um país que é composto por litoral, interior e ilhas; na solidariedade com os que menos têm; na segurança e defesa, investindo mais no prestigio de quem nos guarda e defende; na democracia, como garantia do pluralismo e das liberdades civis; na justiça célere e eficaz, que persiga a corrupção e puna os criminosos; na economia de mercado livre que, para ser efetivamente livre, deve ser regulada.

Rejeitar este património de ideias é estender o tapete encarnado aos populismos emergentes e decretar a infeliz extinção da direita clássica. Estes valores não são bons por serem antigos. São antigos por serem bons. Se fossem maus ter-se-iam perdido no caminho e morrido com o tempo, à medida que a experiência humana os fosse minando. Chegaram até nós sem “atalhos” de revoluções ou de ruturas. Não advêm de uma conceção abstrata. Afeiçoaram-se à realidade, pois resultam dela. E, apesar de muitas mudanças e da evolução, há algo no essencial da sua mensagem que perdurou. São precisamente eles que nos fazem ser conservadores. Porque atrás deles está a nossa civilização. Porque através deles está a alternativa aos extremismos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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