Na Web Summit, Marcelo apela à luta da tecnologia contra a xenofobia, a intolerância e o racismo

Presidente da República encerrou a Web Summit com um apelo para que a tecnologia seja utilizada para o "bem da sociedade". A edição de 2018 da conferência já tinha ficado marcada por debates e reflexões sobre os riscos das redes sociais e da inteligência artificial.

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Miguel Manso

Marcelo Rebelo de Sousa subiu ao palco da Web Summit, no último dia da cimeira da tecnologia em Lisboa, para pedir aos 70 mil participantes para colocarem o “bem da sociedade” no topo dos seus objectivos ao desenvolverem novas tecnologias.

“O digital devia ser para a liberdade. Para abrir economias, sociedades, promover o diálogo e a tolerância” –, alertou o Presidente da República, num discurso em inglês – “mas hoje em dia vemos o contrário em todo o mundo, vemos xenofobia, vemos intolerância, vemos racismo, vemos guerras comerciais, vemos fronteiras a fechar.”

Para Marcelo, os participantes da Web Summit têm o poder de inverter esta equação. “O digital não se pode esquecer do resto da sociedade”, disse. “É claro que vocês são, de certa forma, pioneiros, heróis, líderes, no presente e no futuro. Mas não se esqueçam no resto das pessoas e, por favor, ajudem a criar um mundo melhor.” E acrescentou: “Esta onda que está a atravessar o globo vai demorar anos. É o contrário da revolução digital. Temos de lutar pelos princípios da revolução digital.”

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As palavras do Presidente da República marcaram o final de mais uma edição da Web Summit, que desde 2016 junta em Portugal diversos oradores (desde políticos e robôs, a empresários, artistas, cientistas e atletas) para debater o futuro da tecnologia e o seu impacto no planeta. O evento de 2018 viu o palco a ser ocupado pelo inventor da Web, Tim Berners-Lee, o presidente da Samsung, Young Sohn, e a Comissária Europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager. Entre os vários temas em debate, este ano falou-se muito de inteligência artificial, da enorme quantidade de dados que as grandes tecnológicas hoje têm dos seus utilizadores, e de cibersegurança.

Muitos avisos

A edição deste ano ficou marcada por vários alertas. Além das palavras do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, Tim Berners-Lee aproveitou a cerimónia de abertura, na segunda-feira, para pedir aos profissionais de tecnologia para “pensar nas implicações” dos programas que criam. Já Christopher Wylie, o programador britânico que denunciou o escândalo de dados do Facebook e da Cambridge Analytica, avisou que “estamos a deixar-nos colonizar pelas empresas de tecnologia”. Para Wylie, estas companhias estão a ser tratadas como “entidades divinas” a quem entregamos todos os recursos (nomeadamente, dados pessoais). É um pensamento que o presidente da Samsung, Young Sohn, ecoou ao subir ao palco quando disse que era importante reflectir sobre como “os dados são o novo petróleo”. Sohn, porém, deixou mais perguntas do que respostas sobre o tema.

“Ultimamente, para muitos pessoas, a confiança [nas empresas de tecnologia ] sofreu danos. As pessoas viram os seus dados serem roubados, mal usados, viram empresas a ter comportamentos abusivos”, lembrou também a Comissária Europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, durante o seu discurso. No futuro, o aumento do cibercrime pode ser uma das consequências da inteligência artificial, avisou James Trainor, antigo responsável pelo FBI. E o problema intensifica-se com a falta de profissionais no sector de cibersegurança. 

Encontrar respostas para estes problemas nem sempre é fácil. Em palco, Tamar Yehoshua, uma vice-presidente do Google responsável pela gestão de produtos, disse que o equilíbrio entre a “manter a segurança dos dados das pessoas” e criar produtos intuitivos e fáceis de usar é um dos grandes desafios que todas empresas de tecnologia enfrentam. “As decisões não são a preto e branco. Temos de encontrar o equilíbrio certo”, disse. 

Novidades e startups sob holofotes

A Web Summit trouxe também histórias sobre a influência positiva que a Internet pode ter nas pessoas. É o caso de Nnenna Nwakanma, que nasceu na Nigéria e foi abandonada em criança, mas hoje está no topo de uma empresa tecnológica global: a Fundação World Wide Web, criada por Tim Berners-Lee, a lutar para promover a literacia digital

O Governo aproveitou os holofotes da Web Summit para apresentar um novo fundo de inovação social – para promover projectos nas áreas da educação, empregabilidade, igualdade de género, envelhecimento activo – no valor de 55 milhões de euros. Já o grupo Volkswagen anunciou a abertura de um centro de desenvolvimento de software, em Lisboa, o primeiro do fabricante fora do território germânico

Em simultâneo com os debates a decorrer nos palcos da Web Summit, perto de 1800 startups ocuparam a FIL (Feira Internacional de Lisboa) para dar a conhecer os seus projectos e conhecer investidores. Destas, 170 das empresas numa fase inicial (com ideais desenvolvidas, mas menos de três milhões de dólares em investimento) competiram entre si pelo título de melhor da Web Summit. A vencedora deste ano foi a Wayve, uma startup britânica que quer usar algoritmos inteligentes para pôr carros a aprender a conduzir sozinhos em minutos, e que já tem automóveis nas estradas do Reino Unido. Contrariamente aos anos anteriores, porém, não houve um prémio monetário (algo que o co-fundador da Wayve, Alex Kendall, disse não ser importante numa conferência de imprensa com o troféu na mão).

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Paddy Cosgrave cumprimentou o co-fundador da Wayve, a empresa que venceu o concurso de starups de 2018 com um sistema para ensinar carros a conduzir JOSE SENA GOULAO/LUSA

Ao final do dia, terminadas as conferências, os convidados tiveram a hipótese de continuar o debate em vários eventos organizados pela Web Summit noutra zonas da cidade de Lisboa (com direito a copos de poncha, bolas de Berlim, e concertos grátis entre a oferta). No último dia da feira, a celebração foi na Casa Independente.

É bom ter estabilidade, mas é preciso mais espaço 

"Terminada esta edição, posso apenas dizer que é bom ter a estabilidade dos dez anos", admitiu o fundador do evento, Paddy Cosgrave, numa conferência de imprensa em que fez o balanço sobre os últimos quatro dias. “Foi um ano difícil. É bom ter estabilidade, e dar à minha equipa a certeza que cá vamos ficar nos próximos anos”, disse, acrescentando que nos próximos tempos pretende mudar-se para Lisboa com a família.

Para Cosgrave, o número em destaque este ano (mais do que os 70 mil participantes, as 1800 startups ou os mais de 1200 oradores) foi o número de participantes femininas nesta edição da Web Summit. “Conseguimos ter 44% de mulheres entre as participantes da Web Summit este ano”, disse. Vê atrair mais mulheres para as áreas do empreendedorismo e tecnologia como fundamental. Horas antes do final da conferência, Cosgrave chamou todas as mulheres que quisessem ir ao palco da conferência para tirar uma fotografia.

“Foram precisas duas fotografias”, recordou Cosgrave com orgulho, admitindo que ambiciona alcançar a paridade no futuro.

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Para os próximos anos, diz que tem várias ideias, desde “cimeiras sobre o vinho em Portugal” a convidar mais artistas para o evento, ou criar uma série de entrevistas de fundo – em formato de podcast, com os vários convidados que passam pelos palcos da conferência. “Num espaço para duas mil pessoas, em formato intimista, às 11 da noite. Quão interessante seria ouvir mais do Tim Berners-Lee durante uma hora? E Margrethe Vestager?” sugeriu Cosgrave. Também não exclui a hipótese de mais um palco dedicado à agrotech (o ramo que junta a tecnologia e a agricultura). Nota, no entanto, que a ideia não é totalmente realista.

“Se passaram pela FIL durante estes dias conseguem ver que o espaço está no limite. Enquanto o espaço não aumenta, não vamos conseguir expandir muito”, avisou Cosgrave. Para poder acolher a cimeira de tecnologia até 2028, a FIL (Feira Internacional de Lisboa) vai duplicar de tamanho. Cosgrave continua sem conseguir revelar muitos detalhes sobre a expansão do espaço. Sabe-se apenas que haverá uma conexão entre a Altice Arena e a FIL.

Foi em Outubro que se soube que a Web Summit ia ficar em Lisboa por mais 10 anos, com Portugal a garantir um investimento de 11 milhões de investimento por ano.

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