Casa do Gaiato de Beire foi fechada pela Segurança Social

Unidade da Obra do Padre Américo acolhia doentes incuráveis e com deficiência desde o final dos anos 50 do século passado. Cerca de meia centena de utentes foram transferidos para outras instituições. Padre acusa Segurança Social de acto “quase selvagem”.

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Nuno Ferreira Santos

A Casa do Gaiato de Beire, no concelho de Paredes, uma instituição que desde o final dos anos 50 do século passado albergava doentes incuráveis e deficientes sem retaguarda familiar, foi encerrada na sequência de uma acção de fiscalização, confirmou ao PÚBLICO o Instituto da Segurança Social (ISS).

A acção decorreu na quarta-feira e encontravam-se nas instalações desta unidade cerca de meia centena de utentes que foram transferidos para outras instituições de solidariedade social.

"Após avaliação das condições de funcionamento e face às graves irregularidades verificadas - deficientes condições das instalações e de segurança e insuficiência de recursos humanos, que colocava em perigo iminente a integridade de utentes, portadores de deficiências físicas e/ou mentais, entre outras – conclui-se pela necessidade de se proceder ao encerramento urgente da resposta social", justificou em comunicado o Instituto da Segurança Social (ISS), que é tutelado pelo ministro Vieira da Silva.

A Segurança Social, através das suas equipas técnicas, desenvolveu "as diligências necessárias ao encaminhamento dos utentes para estabelecimentos licenciados", acrescentou o ISS, frisando que,  "dada a ausência de qualquer responsável na instituição e em ordem a garantir a normalidade da acção", contactou "de imediato as forças policiais como habitualmente sucede, que coadjuvaram, ao longo da tarde, as equipas" na realização da operação.

A operação de retirada dos utentes surpreendeu os dirigentes da obra criada pelo padre Américo, que adiantaram que vão recorrer desta decisão. O padre Júlio Pereira, actual director da unidade de Beire, acusou até a Segurança Social de um acto “quase selvagem”, devido à forma como retirou os utentes. 

“Depois de tantos anos nesta comunidade, para onde alguns vieram ainda muito novos com doenças crónicas, retirá-los assim, desta forma quase selvagem, isto causa sofrimento”, declarou o padre Júlio Pereira à Lusa. “Não há justificação nenhuma para esta atitude e não concordamos com ela”, acrescentou, sublinhando que antes deste processo a vida era “normal” ali.

“Temos doentes connosco há mais de 40 anos"

O padre garantiu que a unidade “tem todas as condições para funcionar, como já funciona há 60 anos”. O problema, destacou, é que a Casa do Gaiato tem “um modelo de funcionamento que não é o da Segurança Social”. “Querem-nos encaixar à força no modelo da Segurança Social. Nós não encaixamos num modelo que não é o nosso”, disse. “Temos doentes connosco há mais de 40 anos. Alguns vieram em condições péssimas e nunca ninguém quis saber”, lembrou.

Criticando a operação por não ter tido a presença de uma força policial nem ter sido apresentado qualquer documento que a autorizasse, adiantou que a Segurança Social não chegou a levar todos os doentes. “Eles começaram a levar os primeiros doentes. O que é certo é que a polícia nunca apareceu. A partir desse momento, eu disse: ‘Não levam mais doentes! Têm de trazer um documento ou a polícia a atestar a autoridade para fazerem isto!”, contou.

Duas casas

As instalações de Beire são formadas por duas casas. Na Casa do Calvário estão 14 utentes identificados como “rapazes com incapacidade de autonomia, todos acima dos 40 e 50 anos de idade”. Estes utentes, segundo o padre, ainda se mantêm na Casa do Calvário. Quanto à Casa do Gaiato de Beire, onde estavam 50 utentes, todos com doenças crónicas, restam sete ou oito, especificou. 

Em Março do ano passado, a Casa do Calvário saltou para a ribalta depois de o padre que então a dirigia ter sido condenado pelo Tribunal de Penafiel a uma pena de dois anos e nove meses de prisão (suspensa), pela prática de seis crimes de maus tratos.

Com 86 anos de idade e há décadas à frente desta unidade, o padre Baptista estava acusado de 13 crimes daquela natureza, mas foi absolvido de oito. Foi igualmente proibido de permanecer na instituição.

O tribunal considerou que ficaram provadas durante o julgamento várias situações de maus tratos de que foram vítimas os utentes daquela unidade, a maior parte com doenças do foro mental. O colectivo destacou o facto de o padre, que sempre negou a prática de maus tratos, prestar cuidados de enfermagem aos utentes sem ter qualificações académicas para o fazer. 

Mas essa não foi a a primeira vez que o ex-director foi constituído arguido. Em 2004, tinha sido indiciado num outro processo por suspeita de maus tratos a dois menores. Um deles tinha sido encontrado amarrado pelos pulsos, num quarto. A justificação apresentada pelo padre foi a de que o jovem fugia e comia as suas próprias fezes, se estivesse em liberdade. Os menores foram transferidos e o processo foi arquivado pelo Ministério Público.

Este inquérito tinha sido instaurado na sequência de um relatório da Inspecção-Geral da Segurança Social que chegou a comparar o cenário encontrado na instituição ao de um hospício do século XIX. Os utentes dependentes de terceiros passavam grande parte do dia sentados em aparadeiras, devido à falta de pessoal, segundo referia o relatório, que enfatizava que alguns estavam amarrados pelos pulsos e que eram os deficientes com mais capacidade que tratavam dos mais dependentes. 

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