A pesquisa faz parte da cozinha de Tiago Santos no Quórum

O objectivo do chef de 30 anos, com formação em Geografia, é recuperar a cozinha portuguesa das décadas de 1940 a 1960.

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Tiago Santos dá primazia aos produtos regionais Jorge Simão

À entrada do restaurante Quórum há uma parede com alguns retratos que parecem ali estar só para decoração, mas o chef Tiago Santos, 30 anos, sabe os nomes de cada uma daquelas pessoas de cor. São os produtores com quem trabalha, pessoas e não grandes marcas. Na sua cozinha entram produtos de nicho e alguns que se não fosse assim já não existiam e com eles desapareciam formas de fazer antigas.

O objectivo do chef de 30 anos, com formação em Geografia, é o de recuperar a cozinha portuguesa das décadas de 1940 a 1960 – um tempo que “teve coisas más”, reconhece, mas que “teve uma coisa boa: estávamos fechados à globalização”. “Muita coisa se manteve”, frisa, dando como exemplo o arroz de Salreu, um arroz selvagem que cresce numa zona protegida, em Estarreja, onde metade da produção é comida pelos pássaros, logo, não compensa continuar a plantá-lo.

E os exemplos sucedem-se porque Tiago Santos vibra com todo o conhecimento que vai adquirindo nas suas viagens exploratórias pelo país. Nos Açores encontrou um milho semelhante ao cancha peruano, mas ali chama-se do Espírito Santo porque é por altura das festas que se colhe. “Ninguém quer comer e deixa de se produzir. [Além disso,] são produtos associados à pobreza e houve alterações nos mercados de consumo”, justifica.

As enguias – continua o chef enquanto os jornalistas provam os primeiros pratos do menu de degustação –, também eram um “produto associado à pobreza” e hoje custam 18 euros o quilo. “Tentamos não ser populistas, mas queremos alertar as pessoas para estas situações”, diz.

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Paulo Barata

Nas suas reinterpretações da cozinha de outros tempos não inclui a carne de vaca porque não fazia parte da alimentação dos portugueses, acrescenta. Mas desengane-se quem pensa que vai comer um bacalhau com grão com o sabor de antigamente. Não. O desafio da cozinha do Quórum – constituída por uma equipa muito jovem – é surpreender o cliente. O restaurante tem espaço para 22 comensais e como está numa zona turística, na Rua do Alecrim, muito do serviço de mesa é feito em inglês. 

"Biblioteca de sabores"

A preocupação com a comida é a mesma com os vinhos propostos para o menu, ora são biológicos, ora são de pequenos produtores, ora são de castas em vias de extinção, ora de descobertas circunstanciais que Tiago Santos faz. O chef defende a importância de “ganhar uma biblioteca de sabores e de aromas”.

Aliás, esse é o desafio que propõe à sua equipa quando começa a pensar em pratos novos, conta. Chama-lhe o “método Walt Disney”, ou seja, as ideias que se exploram são as mais improváveis e, por vezes, são essas que chegam à mesa. “Não há um único prato que seja só inteligência da minha cabeça”, assegura.

Bruna Esteves é a sommelier e começa por apresentar uma garrafa de Loureiro, um espumante de reserva (2014) biológico. À mesa chegam pães que são feitos diariamente no restaurante, manteigas de cabra e de vaca e um azeite de Moura – “produzem 400 garrafas, compramos todas”, orgulha-se o chef.

Há uns snacks de boas-vindas que, de tão desconstruídos, não conseguimos associar ao que são, mas há polvo, pão com chouriço, pataniscas de bacalhau. Segue-se um moscatel roxo Quinta do Piloto para acompanhar aquilo que parece uma bonita gema de ovo, mas que sabe a tomate. Tiago Santos lembra o seu avô, que era “fragateiro” e que fazia uma caldeirada por cima da qual se abria um ovo. Foi esta a inspiração. 

Para acompanhar uma sopa completíssima na quantidade de ingredientes, na forma como estes são confeccionados e nas técnicas aplicadas, incluindo uma japonesa e outra italiana, o chef e os seus cozinheiros trazem para a mesa um prato com raviolis com gamba-rosa do Algarve, algas de Ílhavo e vertem sobre ele um dashi (um caldo) de enchidos fumados da serra do Barroso – “estão em vias de extinção”, alerta, voltando a sublinhar que estes produtos, tanto os fumados como o vinho associado de casta Malvasia de Torres Vedras, são “a prova viva da portugalidade”.

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Paulo Barata

Tiago Santos regressa à sala de refeições com um peixe azul cru na mão. “Sabem o que é?”, desafia os jornalistas, a quem o animal parece um carapau grande. Sim, é um negrão de Sesimbra, “um carapau muito difícil de apanhar, é apanhado à cana”. É esse que chegará à mesa, alguns minutos depois, acompanhado com batatas e cebolas e estas são de Casalinhos de Alfaiata, uma aldeia do concelho de Torres Vedras, e foram escolhidas pela sua acidez. “Os tubérculos, os legumes, só não são nobres se não quisermos”, argumenta Tiago, orgulhoso com o resultado final.

A refeição prolonga-se com um cozido de grão de Alcains, na Beira Baixa, com um sabor a castanha e o porco cozinhado. De seguida o chef surpreende com um prato que não vai voltar a servir, é uma parte menos nobre do animal, é um músculo, o lombelo, cozinhado durante 96 horas a 57 graus. Muito da cozinha de Tiago Santos é tentativa e erro, admite.

É tempo de sobremesas e a proposta é Laranja dos Pobres num prato colorido que lembra a louça de feira – a maior parte da louça, Santos herdou do anterior chef do restaurante, Rui Silvestre, que abandonou o projecto recentemente; a excepção são estes pratos. O chef recorda que, antes do domínio da laranja doce e sumarenta algarvia, os alentejanos tinham nos seus quintais umas laranjeiras bravias, que davam um fruto pequeno e amargo. O prato fica completo com mel e azeite, o tal de Moura. 

À saída, há um pequeno embrulho de papel que é oferecido aos clientes. Lá dentro há umas bolachinhas. São secas e caseiras, óptimas para comer na manhã seguinte e lembrar uma refeição de luxo feita com ingredientes regionais.

O Fugas jantou a convite do Quórum

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