Descida do desemprego perde força e subida dos salários acelera

O salário médio cresceu 3,5% no terceiro trimestre de 2018, reflectindo a escassez de mão-de-obra disponível. Desemprego dá sinais de que a descida rápida pode estar a chegar ao fim.

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Rita Franca

Depois de seis descidas consecutivas desde o final de 2016, um período em que passou de 10,5% para 6,7%, a taxa de desemprego repetiu, no terceiro trimestre deste ano, o mesmo valor que tinha registado nos três meses anteriores. Uma estabilização deste indicador que, combinada com outros sinais que estão a ser dados pelo mercado de trabalho, dá força à ideia de que, mesmo com a economia a continuar a crescer, a tendência de forte descida do desemprego a que Portugal tem assistido nos últimos anos pode começar a perder força, assistindo-se a uma fase de melhoria mais moderada do indicador.

De acordo com os dados publicados nesta quarta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de desemprego do terceiro trimestre deste ano foi de 6,7%, o mesmo valor do segundo trimestre, período em que tinha caído 1,2 pontos. Uma vez que a taxa de desemprego trimestral calculada pelo INE não é corrigida da sazonalidade, não se esperava que no terceiro trimestre do ano se repetisse o mesmo tipo de descida registada no segundo (o período de entrada no Verão em que os empregos sazonais maior efeito produzem).

Ainda assim, tanto em 2016 como em 2017, tinha-se assistido a uma diminuição da taxa de desemprego no terceiro trimestre de 0,3 pontos pontuais, o que mostra que o desempenho registado este ano ficou abaixo daquilo que aconteceu nos últimos dois anos, período de melhorias muito acentuadas neste indicador.

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“O que vejo é uma aproximação à taxa natural de desemprego”, explica o professor da Universidade do Minho, João Cerejeira, que antecipa por esse motivo descidas mais moderadas neste indicador no final de 2018 e em 2019, mesmo se economia continuar a crescer.

A taxa natural de desemprego é um conceito usado pelos economistas para tentar definir um nível de desemprego de equilíbrio, que não crie pressões inflacionistas. Em teoria, se a taxa de desemprego se encontrar no seu valor “natural”, novas descidas do indicador apenas podem ser feitas num cenário de aumentos salariais mais elevados que podem acabar por gerar agravamentos da taxa de inflação. Isto significa que, ao chegar à taxa de desemprego natural, fazer descer o número de desempregados torna-se mais difícil.

Não existe um valor único e preciso para a taxa de desemprego natural de Portugal neste momento, já que depende das metodologias de cálculo utilizada (várias estimativas apontam para que possa ser agora mais alta do que era antes da crise). Mas, assinala João Cerejeira, existem nos números do mercado de trabalho publicados pelo INE vários indícios de que se pode estar agora mais perto de atingir esse valor.

Um desses indicadores, diz o economista, é o facto de “a subida do emprego que ocorreu no terceiro trimestre se ter dado essencialmente pela passagem para a população activa de pessoas que estavam inactivas”. Os dados do INE mostram que, apesar de ter havido um aumento de 28 mil empregos no terceiro trimestre, o número de desempregados até subiu ligeiramente (cerca de 900 pessoas). Em contrapartida a população que se declara inactiva diminuiu, em cerca de 33 mil pessoas.

“O nível do desemprego já é suficientemente baixo para incentivar os inactivos a passarem para o mercado de trabalho”, afirma. Este tipo de tendência é também notório no facto de, ao contrário do que acontece com a taxa de desemprego oficial, a taxa de subutilização do trabalho (que inclui inactivos que não procuram emprego e trabalhadores a tempo parcial sem que o desejem) voltou a baixar no terceiro trimestre de 13,3% para 13,1%.

Salário médio cresce 3,5%

Outro indício de aproximação de Portugal à sua taxa de desemprego natural está na evolução dos salários, que começam, segundo João Cerejeira, a reflectir o facto de já não haver tantas pessoas disponíveis para trabalhar. De acordo com os dados do INE, entre os inquiridos, o salário médio registou em termos homólogos um crescimento de 3,5% no terceiro trimestre do ano. Foi só a partir do início deste ano que taxas de crescimento dos salários ficaram acima dos 3%. Em 2017, estavam na casa dos 2% e em 2016 dos 1,5%.

João Cerejeira salienta ainda o papel que as alterações dos fluxos migratórios podem estar já a ter na evolução da taxa de desemprego. Ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores, há agora indicadores que mostram uma maior entrada de imigrantes, o que também permite que haja subidas de emprego sem que a taxa de desemprego se reduza muito mais.

O cenário de abrandamento da descida da taxa de desemprego para o qual os dados do terceiro trimestre parecem apontar não se afasta muito daquilo que são as próprias previsões do Governo para o mercado de trabalho. No OE para 2019, o Executivo prevê que a taxa de desemprego baixe dos 8,9% de 2017 para em 6,9% em 2019. A média da taxa de desemprego dos três trimestres já decorridos este ano está nos 7,1%, o que significa que, num cenário de manutenção nos últimos três meses deste ano (um período em que as descidas são mais difíceis) de uma taxa trimestral de 6,7%, a taxa de desemprego anual em 2018 ficaria em 7%, a apenas 0,1 pontos da meta do Governo. Para 2019, o Governo aponta para a manutenção de uma tendência de descida, mas assume que esta seja feita de forma mais moderada, para 6,3%. Em termos de crescimento do emprego, o Governo projecta que, depois do crescimento de 3,3% em 2017, a variação passe a ser de 2,5% em 2018 e de 0,9% em 2019.

“Aquilo que estou a antecipar para 2019, se não se registar nenhum choque externo, é uma descida moderada da taxa de desemprego, próxima de 0,3 pontos percentuais, mas ao mesmo tempo a continuação de um crescimento do emprego até aos 5 milhões [actualmente é de 4,9 milhões], com um contributo importante da imigração”, afirma o especialista em questões relacionadas com o mercado de trabalho.

Recibos verdes em recorde de sete anos

Na área do emprego, o terceiro trimestre também não trouxe dados muito significativos. A população empregada teve um aumento tímido face ao trimestre anterior (mais 28.700 pessoas empregadas), quando em 2017 a evolução do segundo para o terceiro trimestre tinha sido bem mais positiva, com o emprego a crescer em 42.600 pessoas.

Comparando com o período homólogo, uma análise que de certa forma anula os efeitos da sazonalidade, o INE aponta para a existência de mais 99.800 empregados (um aumento de 2,1%). Trata-se ainda assim de um abrandamento face à evolução que se vinha sentindo anteriormente, e há sinais de que os contratos de prestação de serviços estão a ressurgir.

Quando se olha para o tipo de contrato, a surpresa vem do lado dos trabalhadores a recibos verdes, que atingiram o número mais elevado dos últimos sete anos.

Os vínculos sem termo registaram um aumento de 2,7% e representam agora 77,8% do total. Os contratos sem termo tiveram uma queda de 0,3%, mas em compensação as prestações de serviços aumentaram 9% do terceiro trimestre de 2017 para o de 2018.

O Parlamento tem em cima da mesa alterações à legislação laboral para dificultar a contratação ao termo, mas o uso de recibos verdes também poderá requerer medidas adicionais. É que o número de trabalhadores a recibo verde (148.200) atingiu o nível mais elevado desde o segundo trimestre de 2011 (148.500).

Esta subida nas prestações de serviço  pode estar relacionada com o facto de o emprego ter tido um crescimento homólogo significativo na educação e na administração pública (8,6%). É que apesar de estar em curso um programa de regularização de precários no Estado, ele está atrasado e, por outro lado, tem sido necessário recorrer a prestações de serviço para responder a necessidades em várias áreas. 

O emprego cresceu sobretudo na indústria (2,9%) e nos serviços (2,1%) – em particular nas actividades de educação e de administração pública, defesa e segurança social obrigatória –, enquanto na agricultura recuou 1%. 

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