O "sobrevivente" Callum Wilson chega primeira vez à selecção

Avançado do Bournemouth, que superou graves lesões na carreira, foi chamado para os jogos de Inglaterra contra os EUA e a Croácia. Um caso de resistência.

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Há uma montanha-russa de episódios na vida de Callum Wilson que, a dada altura, transformou o sonho de chegar à selecção de Inglaterra numa gigantesca improbabilidade. Obstáculo a obstáculo, porém, o avançado que tem ajudado a projectar o Bournemouth na Premier League foi dando passos em frente. E nesta quinta-feira foi recompensado quando ouviu o seu nome da boca de Gareth Southgate, um seleccionador que o conhece bem e que o convocou para os embates com os EUA e a Croácia.

O nome Callum Eddie Graham Wilson pode dizer pouco à maioria dos adeptos portugueses, mas basta olhar para a lista de goleadores da principal Liga inglesa para perceber que a época 2018-19 está a correr-lhe de feição - tem seis golos marcados em 11 jogos, ficando somente atrás de Aguero, Aubameyang e Hazard, todos eles com sete. Um arranque de temporada que projecta os adeptos dos "cherries" para os números de 2014-15, então no Championship (fez 20 golos em 45 jogos no campeonato), e que remete também para um ano antes, quando o avançado brilhava com a camisola do Coventry City, no terceiro escalão (21/37).

Foi justamente lá, em Coventry, que nasceu há 26 anos. E foi lá que foi forçado a emancipar-se rapidamente, numa família com mais cinco irmãos (é o mais velho), numa casa com três quartos e sustentada em exclusivo pela mãe (Callum sabe apenas que o pai é jamaicano e acredita que o potencial físico que apresenta tem uma base genética). Em entrevista ao The Guardian, confessou que muitas vezes saía de casa para dar mais espaço à família e que o futebol era o território no qual se refugiava das exigências da vida diária.

Começou no Coventry City, a precisar continuamente da boleia de terceiros para se deslocar para os treinos. Nas camadas jovens, foi alternando entre as sessões de trabalho no clube e o "recuo" para uns patamares abaixo, na chamada Sunday League, para contornar essa sensação estranha de depender de terceiros para prosseguir no futebol. Até que se mentalizou de que teria mesmo de se sacrificar se quisesse subir a escadaria do sucesso.

Esse alerta chegou sensivelmente na mesma altura em que, incentivado pela mãe, saiu de casa para viver com a namorada. Habituado às refeições de take away e a acumular fast food, descobriu então uma alimentação mais equilibrada. "Foi ela que me mostrou as saladas e a comida saudável", confessou ao The Guardian, a respeito da actual mulher. E foi essa mudança de hábitos que contribuiu para reduzir o risco de lesões, já que até esse período tinha fracturado por três vezes o mesmo pé.

Mas enganava-se se pensava que já tinha virado costas ao infortúnio. A alegria de ter assinado pelo Bournemouth, em 2014 - e de se ter estreado na Premier League no ano seguinte -, rapidamente se esbateu quando, em Setembro de 2015, sofreu uma rotura do ligamento cruzado anterior do joelho direito. Era titular nessa altura e vivia um momento de forma promissor. Foi obrigado a abrandar, a aceitar a paragem, a preparar a recuperação de uma lesão que, em muitos casos, mina definitivamente uma carreira.  

Voltaria aos relvados em Abril de 2016, ainda longe do jogador que era e, acima de tudo, muito longe de imaginar que o calvário ainda não tinha terminado. O ano decorreu sem grande brilhantismo, com as limitações decorrentes de um regresso progressivo e com os olhos postos no futuro próximo. Por isso, quando em Fevereiro de 2017 sentiu um estalido no joelho esquerdo, percebeu que o caso era sério. Para o bem e para o mal, já sabia ao que ia. E suspeitava do pior.

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David Klein/Reuters

Diagnóstico: rotura do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo. Em menos de ano e meio, sofria duas lesões gravíssimas, uma em cada perna. "Quando cheguei a casa nesse dia, a minha mulher não estava. Atirei as chaves pelo ar e quase partia uma porta. Fui para cima, deitei-me na cama, desolado, e adormeci. Estava a soluçar, eram lágrimas de tristeza, por um período de paragem tão longo", descreveu ao diário britânico.

A experiência da primeira lesão, porém, ajudou-o a encarar o segundo revés com novo ânimo. Decidiu passar umas semanas fora de Inglaterra, a recuperar, sem se desgastar demasiado com a necessidade de voltar urgentemente à competição. O clube teve de virar-se para outras soluções e contratou dois avançados. Callum Wilson perdia espaço no plantel, mas não estava disposto a baixar os braços. Já com um filho e num momento determinante da carreira, ia ter de perseverar. 

O esforço e a paciência compensaram. Por muito improvável que seja recuperar a forma após duas lesões desta magnitude, o avançado para quem o número 13 é um sinónimo de sorte voltou em força. Em 2017-18, fez oito golos em 28 jogos e na presente temporada já elevou consideravelmente a fasquia (sete golos em 13 jogos nas diferentes competições). Uma produção suficiente para catapultar o Bournemouth até um surpreendente sexto lugar na Premier League e para chamar a atenção do seleccionador. 

"O Callum é um avançado com o qual já trabalhámos nos sub-21, por isso conhecemo-lo bem. Ele é uma ameaça no ataque à profundidade. Tanto tem marcado golos como tem feito assistências, por isso é uma boa oportunidade para o avaliarmos de perto e vermos se encaixa naquilo que pretendemos fazer", contextualizou Gareth Southgate nesta quinta-feira, durante o anúncio da convocatória. "E será óptimo para ele trabalhar agora com a equipa principal", acrescentou. Wilson certamente que concordará.

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