"Se Orbán aceitar os valores do Partido Popular Europeu fica, se recusar sai"

Alexander Stubb falou com o PÚBLICO em Lisboa, numa das paragens da campanha para ser presidente da Comissão Europeia. Admite que é o "underdog" mas espera ter feito uma diferença.

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Alexander Stubb em Lisboa Miguel Manso/PÚBLICO

Alexander Stubb acabou de vir de uma corrida matinal, tem meia hora para uma entrevista antes de dar outra por telefone, mas nunca dá a sensação de ter pressa. Nota-se a preocupação em pronunciar algo em português – sabe-se que fala cinco línguas – e tem sempre um aparte bem-disposto adaptado ao local onde está. Admite que é pouco provável que consiga vencer o alemão Martin Weber, mas tem esperança: “Está provado que acontecem milagres”.

A sua campanha pretendeu "animar" o debate, mas a Europa não pareceu pronta para isto?

É apenas a segunda vez que estamos a tentar [que o candidato indicado pelo grupo político que vença as eleições do Parlamento Europeu seja o Presidente da Comissão Europeia]. Queria que fosse um processo como o das primárias nos EUA, gostaria de ter viajado com Manfred Weber a todas as capitais para debater o futuro da Europa. Por isso tirei uma licença sem vencimento de cinco semanas para a campanha. Mas não aconteceu. Está a Europa pronta? Talvez mais do que da última vez, mas ainda não estamos lá.  

Em relação às eleições recentes na Alemanha e o mau resultado da CSU na Baviera, pensa que pode ter um efeito na candidatura de Manfred Weber, que é da CSU?

Poderá ter duas implicações. A primeira é que precisamos de perceber que o modo tradicional de fazer política morreu. Tentar incitar ódio e medo como fez [Horst] Seehofer sobre a migração na Baviera não funcionou, as forças pró-europeias venceram. Isto deveria ser uma chamada de atenção para todo o Partido Popular Europeu (PPE). 

A segunda é, mas isso caberia a Manfred [Weber] responder, se ele está interessado em ser presidente da CSU e, se sim, penso que seria incompatível com ser o presidente da Comissão. Há um conflito de interesse em ser o líder de um partido local e o chefe da Comissão Europeia, cujo trabalho é defender todos os europeus e ser o guardião dos tratados. 

Muitas pessoas temem uma campanha dominada por populistas e nacionalistas para as próximas eleições europeias. Partilha este temor?

Acho que se tem de enfrentar o populismo e nacionalismo de frente. Não devemos culpar as pessoas que votam nos populistas, mas sim perguntar por que estão a votar neles, e em geral é porque falhámos em alguma coisa. E penso que falhámos em duas coisas. A UE tem quatro objectivos: paz, prosperidade, segurança e estabilidade. Em relação à paz e prosperidade temos estado bem: somos o continente mais rico do mundo e o mais pacífico também. Mas na estabilidade e segurança temos falhado nos últimos dez anos. Em relação à estabilidade, com a crise do euro – não preciso de dizer isto em Portugal – e em relação à segurança com a crise da migração. Como não temos feito o suficiente nestes dois pontos, as pessoas têm procurado soluções alternativas, por vezes populistas que têm dado soluções fáceis para problemas complexos. Precisamos de lidar com isto.

Um dos modos como a comissão actual tentou ligar-se à vida concreta das pessoas foi a proposta sobre a mudança de hora. O que acha disso?

[Ri-se] Bom, eu vivo numa constante mudança horária, vim de Helsínquia que está duas horas à frente de Lisboa, depois fui para Bucareste que é igual, depois Varsóvia, Paris, a uma hora, depois Lisboa, e vou para Atenas onde é a mesma hora da Finlândia. Se esta foi uma questão que tocou os europeus? De algum modo sim, toda a gente tem uma opinião – excepto eu [risos]. Mas depende de como for gerido, se se tornar uma cacofonia de zonas horárias diferentes, é estúpido, se for um esforço coordenado devia resultar. Mas penso que em geral o que há a dizer às pessoas que têm menos interesse ou aos eurocépticos: ser contra a UE é como ser contra a Internet. Pode-se até deixá-la, mas diria que é mais inteligente tentar influenciar o seu conteúdo. Também tenho dito isso aos meus amigos britânicos que estão a sair da UE

A próxima comissão será a primeira depois do "Brexit". Quais pensa que serão as principais tarefas da Comissão?

Em relação ao Reino Unido: a primeira coisa será o período de transição e a segunda a nova relação. E penso que o comissário do Alargamento deveria negociar o novo acordo. Não é o presidente que faz a agenda mas a agenda que faz o presidente. Por isso, espera-se qualquer surpresa: não se sabe, agora, o que vai ser. Mas as minhas três prioridades seriam: um, a Europa digital, a revolução digital vai mudar tudo. Dois, as alterações climáticas; se não lidarmos com isto, o que tivemos de crise migratória em 2015 terá sido uma brincadeira. Três é a transição do trabalho. Nós sonhámos com uma vida dividida em três partes, estudo, trabalho, reforma (para os finlandeses seria estudo, trabalho e reforma em Portugal), mas para a próxima geração será estudo-trabalho-estudo-trabalho-mais estudo-outro trabalho...

Uma das maiores diferenças entre si e Weber é a posição em relação à permanência do Fidesz, o partido do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, no PPE…

Sou muito tolerante mas não para a intolerância. Se não defendermos valores europeus – democracia liberal, Estado de Direito, direitos fundamentais, direitos humanos, liberdade, protecção de minorias, igualdade e tolerância –, não temos nada. Foi sobre estes valores que a Europa foi fundada, foi o que derrotou o fascismo, o que derrotou o comunismo. Se forem dados passos em direcção à democracia iliberal, é muito difícil voltar atrás. Também penso que muitos políticos hoje tentam liderar com base no ódio e medo, quando deveriam dar esperança e sugerir soluções. Defendo um processo de três fases: primeiro, negociar com o Fidezs os valores, segundo, fazer com que Orbán assinasse pessoalmente os valores do PPE, e terceiro, se aprovar os valores fica, se não, sai.

Usa muito metáforas desportivas, dizendo que a sua corrida contra Weber seria como um jogo de futebol entre a Finlândia e a Alemanha?

Sim, preferia que fosse hóquei no gelo. Tenho de ser realista em relação às minhas hipóteses, e claro que há forças no establishment que apoiam Weber e não tenho problemas com isso. Mas penso que aqui muitas pessoas percebem que venho de um país pequeno e periférico, tal como Portugal, e com uma situação bastante similar, vindo das margens geográficas mas tentando estar no centro da integração europeia. Portanto, preciso de marcar um par de golos nos últimos minutos. Mas vamos ver, está provado que há milagres que acontecem.

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