Pensões antecipadas: You can do magic?

Esperemos que a “magia” das pensões antecipadas do regime geral da segurança social não termine como a história do “Grande Houdini”.

Nascido em Budapeste, Harry Houdini, nome artístico de Ehrich Weisz, foi um dos mais famosos “escapologistas” e ilusionistas da história.

Um dos seus truques (“Handcuff Act”) teve tanto sucesso que em cada cidade que visitava em tournée a polícia local gostava de testar Houdini prendendo-o nas suas celas. O resultado era sempre o mesmo: Houdini conseguia escapar.

Talvez inspirados pelo “Grande Houdini”, o grupo britânico de folk rock America, no seu grande sucesso de 1982, cantava “You can do magic, you can have anything that you desire”.

Surpreendentemente, ou talvez não, quando olhei para o Relatório da Conta da Segurança Social de 2016, as proezas de Houdini ao som de You can do magic vieram-me imediatamente à cabeça. Para compreender melhor esta associação de pensamentos, olhemos para a Lei de Bases da Segurança Social.    

De acordo com a Lei de Bases, o Sistema de Segurança Social está dividido em três grandes componentes: Sistema de Proteção Social de Cidadania (SPSC); Sistema Previdencial (SP); e Sistema Complementar.

O SP visa proteger, nas eventualidades previstas, os trabalhadores independentes e por conta de outrem que tenham contribuído para os regimes de segurança social durante um determinado período mínimo. 

Ao SPSC caberá, para aqueles que não estão cobertos pelo SP, garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão social.

Do ponto de vista do financiamento, a proteção garantida no âmbito do SPSC é “financiada por transferências do Orçamento do Estado e por consignação de receitas fiscais”, enquanto as prestações substitutivas dos rendimentos de atividade profissional, atribuídas no âmbito do SP, são, fundamentalmente, “financiadas por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras”.

Pelo atrás exposto, parece ficar claro que um trabalhador com uma carreira contributiva para o regime geral do Sistema Previdencial e que cumpra requisitos para ter acesso a uma pensão de velhice (mesmo que antecipada) deverá receber uma pensão paga pelo Sistema Previdencial. Parece obvio? Infelizmente, para alguns parece que não.   

De acordo com o Relatório da Conta da Segurança Social de 2016, “As pensões pagas no âmbito do Subsistema de Solidariedade (componente do SPSC) englobam pensões antecipadas por desemprego e por outros motivos ao abrigo de vários diplomas”, sendo que, “em 2009, incluíram-se neste subsistema as pensões antecipadas por desemprego para desempregados de longa duração, abrangidos pelos Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, e n.º 187/2007, de 10 de maio, o que explica o seu enorme aumento”.

Traduzindo o anterior para o leitor comum, o que é dito no referido Relatório é que uma parcela significativa das despesas com pensões antecipadas por desemprego para desempregados de longa duração que até 2008 estavam a ser pagas (e bem) pelo Sistema Previdencial (SP), ou seja, pelas contribuições e quotizações dos trabalhadores, passou a ser paga pelo Sistema de Proteção Social de Cidadania (SPSC), ou seja, com recurso ao Orçamento do Estado.

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Esta “transferência” de responsabilidade explica, em grande medida, a subida significativa da despesa e do número de pensionistas de pensões antecipadas do SPSC e a queda observada no SP.

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Qual o efeito desta “magia” nas contas do Sistema Previdencial?

Não sendo possível calcular com exatidão o impacto desta decisão, uma vez que a informação disponibilizada é muito “opaca”, poderemos concluir, por estimativa, que a manutenção no Sistema Previdencial das pensões antecipadas por desemprego para desempregados de longa duração, abrangidos pelos Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, e n.º 187/2007, de 10 de maio, conduziria em 2016 a um aumento da despesa com pensões não inferior a 700 milhões de euros, desequilibrando de forma mais acentuada as já débeis contas do Sistema Previdencial.

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Tal como outros mágicos de grande sucesso, também Harry Houdini teve um final abrupto.

Numa das demonstrações de suas habilidades – a "incrível resistência abdominal" –, um estudante terá invadido os bastidores e, sem dar tempo para que Houdini preparasse os músculos, golpeou-lhe o abdômen com três socos, rompendo-lhe o apêndice e levando-o à morte menos de uma semana depois.

Esperemos que a “magia” das pensões antecipadas do regime geral da segurança social não termine como a história do “Grande Houdini”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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