A contemplação segundo Geoff Dyer, o requiem de Zurlini e o espanto com Weiwei

Cansada de letras, sossego o olhar numa imagem de Garry Winogrand, o fotógrafo nova-iorquino desaparecido aos 54 anos, na Cidade do México. E pasmo diante de uma instalação do chinês Weiwei, um contestatário dos regimes totalitaristas. Raízes é a maior exposição da sua carreira.

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EPA/SEBASTIAO MOREIRA

De phones, saio com quem me transmite sempre sensação de movimento. Cat Power. Ouço-a enquanto caminho e isso “resolve-me” problemas, desato sempre nós. Andei centenas de quilómetros ao som de Sun, transportada para paisagens, longe. Nova Iorque, sobretudo, e muitas viagens de comboio. Agora sintonizo-a em Wanderer, o novo trabalho onde fala de salvação pessoal. Apanho um avião até S. Paulo. A música, sabe-se, encontra quase sempre relação com a paisagem. Com ela entro num território que também se quer salvar e pasmo diante de uma instalação do chinês Weiwei, um contestatário dos regimes totalitaristas. Raízes é a maior exposição da sua carreira, viagem pelas suas obras mais emblemáticas, uma leitura trágico-poética do mundo actual e também uma interpretação das raízes do Brasil e da identidade brasileira. Ocupa todo o espaço da Oca, no parque Ibirapuera. Fui vê-la a 28 de Outubro de 2018, e isso fará parte da minha história. 

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Cansada de letras, sossego o olhar numa imagem de Garry Winogrand, o fotógrafo nova-iorquino desaparecido aos 54 anos, na Cidade do México. Foi um dos melhores a retratar o quotidiano da América, nos diferentes registos sociais e geográficos. É uma fotografia a preto e branco. Nela estão dois homens de chapéu de cowboy, cada um com uma mala de viagem. São pouco mais do que duas silhuetas numa penumbra. Parecem acabados de chegar e têm aquela espécie de cegueira e perdição dos que vêem pela primeira vez um lugar e tentam adivinhar em que direcção ir. Há toda uma narrativa está por construir. Na legenda, um sítio e uma data vaga: Aeroporto de Los Angeles, algures nos anos 70. A imagem desinquieta-me e leva-me de volta às letras. Aos textos do inglês Geoff Dyer – autor de Areias Brancas ou Mas É Bonito - sobre o trabalho deste mestre da fotografia de rua. Chama-se The Street Philosophy of Garry Winogrand (University of Texas Press, 2017). Palavras e imagens funcionam numa sintonia rara, com Dyer a escrever movido pelo prazer da viagem e da observação de Winogrand. O resultado é um livro raro e ao qual apetece reagir, nem que seja no acto nada passivo, função e inerente à grande arte: a pura contemplação.

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Revejo outra obra onde se encontram duas diferentes linguagens artísticas, o filme O Deserto dos Tártaros do italiano Valerio Zurlini. É uma espécie de réquiem, um homem solitário ante a evidência de que a vida lhe dará menos do que a possibilidade de fantasiar e morrer, adaptação do romance com o mesmo nome de Dino Buzzati, sobre um jovem militar enviado para uma fortaleza fronteiriça, com a função de vigiar a chegada dos tártaros que virão do deserto. Muitos quiseram adaptar o livro maior de Buzzati, incluindo Antonioni, mas só Zurlini conseguiu. Ainda se encontram DVD’s – essa relíquia - deste filme onde a contemplação é sinónimo de frustração e delírio.

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