Buzinar contra a corrupção e o "sossego da migalha"

Durante todo o dia, cerca de uma centena de pessoas concentrou-se em frente ao Parlamento num protesto contra a corrupção e pedindo mais medidas de prevenção e punição para os envolvidos nesse tipo de crime.

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Vários lesados do BES também marcaram presença no protesto lm miguel manso

Seriam apenas algumas dezenas, mas muitos vinham de longe e não se cansaram de fazer barulho, muito barulho, durante todo o dia, no pequeno largo ao fundo das escadas do Parlamento. Bem gritaram “ladrões” e “corruptos”, assobiaram e buzinaram na direcção do edifício, onde três dezenas de deputados ouviram, dentro do plenário, não a contestação, mas apenas o ministro dos Negócios Estrangeiros. De braço no ar, iam movendo os dedos para mostrar o gesto de roubar a cada movimento de pessoas na porta principal da Assembleia.

À convocatória feita nas redes sociais para a manifestação "Portugueses com voz contra a corrupção" terá respondido cerca de uma centena de pessoas. Ao efeito sonoro juntou-se o visual: uma dezena de panos brancos com letras vermelhas gigantes pendurados nas grades e atados aos postes chamavam a atenção bem de longe.

“Roubo”, “Vigarice”, “Solução pró tachão”, “Somos todos lesados”, lia-se em algumas. A associação ao caso do Novo Banco é inevitável, mas os promotores – Mário Gonçalves, Sofia Ferreira e Catarina Sousa Mendes – faziam questão de vincar que ali estavam “lesados de todos os sectores da sociedade”, que se preocupam com o alastrar do fenómeno da corrupção. O objectivo da concentração era “passar a mensagem de que o Portugal actual é um país de corrupção onde os corruptos são investigados, condenados e depois são levados para as suas mansões”, descreve Mário Gonçalves.

Os promotores pediram para entregar um manifesto ao presidente da Assembleia da República em que defendem ser "urgente lutar por uma reforma em prol da transparência na política e administração pública e uma comunicação social isenta que contribua para um país com acesso aos factos sem manipulação". E acrescentam que perante os sucessivos "escândalos de corrupção" como o caso BES ou a Operação Marquês "urge desenvolver, incentivar e fortalecer as acções direccionadas à fiscalização da gestão pública, ao diagnóstico e combate à corrupção".

Numa altura em que o Parlamento continua a discutir (desde há dois anos e meio) a questão da transparência, o pequeno manifesto aponta também a necessidade de se apostar na "prevenção, detecção e investigação criminal dos crimes de prevaricação e abuso de poderes praticados por titulares de cargos políticos, fraudes na obtenção ou desvio de subsídios, administração danosa e branqueamento de capitais e peculato".

O icebergue e a economia de partilha

O albicastrense António Barros gosta de usar metáforas: diz que a corrupção é como uma mancha de óleo no mar ou um icebergue – “nunca conseguimos avaliar a sua real dimensão porque não sabemos o que está por baixo”.

Catarina Sousa Mendes é uma dona de casa incomodada com o sentimento de impunidade e o alastrar da corrupção, vive “num estado de preocupação com a política” e não se sente representada no Parlamento. Mas duas horas depois do início do protesto sentia-se um pouco frustrada. “Na minha página houve 2000 pessoas que se mostraram interessadas, 400 diziam que vinham. Parecia que havia um interesse generalizado. Há sempre um grande calor a discutir o assunto da corrupção mas depois… Espanta-me que as pessoas sejam apenas papagaios.” E encontra razões para isso? “Há muito quem seja 'Estado-dependente', terão talvez medo de perder algum benefício que tenham. Deixam-se estar no sossego da migalha e não passam à acção.”

Não é o caso de Nuno Sousa. Engenheiro de telecomunicações desempregado, de S. João da Madeira, é um adepto da economia baseada em partilha de recursos como a comunidade norte-americana de Twin Oaks (estado da Virgínia). Diz que já sentiu na pele o lastro da corrupção quando uma empresa lhe ficou com a patente de uma passadeira electrónica para peões. Aos políticos critica os interesses antagónicos entre o agir pessoal, em nome do partido, em nome da economia e em nome das políticas económicas de Bruxelas.

Lesados do BES - processo também foi uma forma de corrupção

Olhando à volta, multiplicavam-se os casos de quem fora “roubado” no Novo Banco, como faz questão de dizer Manuel Sousa, emigrante, que recusa o epíteto de “lesado”. Conta a história toda das sucessivas negociações entre os clientes prejudicados e o Governo, desde há quatro anos. O seu dinheiro continua sem aparecer. “Os nossos depósitos estavam garantidos pelo Banco de Portugal, pela ministra das Finanças e pela CMVM. A provisão desapareceu. Isto não é nem mais nem menos que corrupção”, vinca, irritado.

Eram também emigrantes as três mulheres que empunhavam bandeiras francesas e outra suíça, assim como Helena da Cruz Pereira, espanhola mas casada com um português, que trazia duas bandeiras amarelas e vermelhas ao ombro - aproveitou as férias para vir a mais um protesto antes de regressar a Paris.

Mais comedido, Domingos Cabaço, autarca há 45 anos na zona de Loures e Odivelas, não poupa ninguém. “Oliveira e Costa, Armando Vara, Duarte Lima e muitos outros estão a ser protegidos pelas altas individualidades. Os jantares na Quinta da Marinha e as férias no Brasil têm um preço…”, atira, referindo-se a Ricardo Salgado e ao BES. “Quem se atrasa a pagar qualquer coisa ao Estado tem o ordenado penhorado e os corruptos pagam os advogados a peso de ouro com o dinheiro do crime”, critica Domingos Cabaço. “Há muita indignação mas os portugueses ficam numa posição passiva. Olhe com o Presidente: ele passa o tempo com beijinhos, abraços e fotografias, e as pessoas ficam vaidosas de estarem com ele, mas não têm médico de família, nem transportes em condições… e não lhe dizem nada?!?”

“A corrupção é o maior cancro da nossa ex-democracia e a maior causa de mau viver de muitos portugueses”, lia-se numa lona pendurada nas grades. Que apontava até o “remédio” - “Presidente da República: Joana Marques Vidal; primeiro-ministro: Paulo Morais; ministro da Justiça: Carlos Alexandre; ministro da Economia: José Gomes Ferreira.”

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