Há quem esteja a pagar mais IMI por falta de actualização de dados

Fisco exige que sejam os contribuintes a pedir a actualização de vários dados, como o do valor de construção, que desceu nos últimos. Mas quem pede arrisca-se a ficar a pagar mais e não há devolução do que pagou em excesso.

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Nuno Ferreira Santos

É caso para recorrer à expressão popular de “preso por ter cão e preso por não ter”. O Fisco não actualiza e diz que não tem que actualizar, de forma automática, o valor médio de construção, que desceu nos últimos anos e que é um dos critérios considerados na determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis, sobre o qual incide o imposto municipal sobre imóveis (IMI). A não actualização deste dado, que é publicado anualmente por portaria do Ministério das Finanças, e de outros, penaliza milhares de proprietários.

O fisco também não actualiza outros critérios, num total de seis que contam para a determinação do VPT, uns que são favoráveis ao contribuinte e outros que podem não o ser. É o caso do coeficiente de vetustez, ou seja, de antiguidade do imóvel, factor que reduz a factura do imposto com o avançar dos anos. E o do coeficiente de localização, revisto em 2015, e que subiu ou desceu conforme as zonas.

Há um dado que o Fisco actualiza de forma automática, que é o da correcção da desvalorização da moeda (vulgo inflação), a cada três anos, sobre o total do VPT apurado.

Para além de se recusar a fazer a correcção automática, deixando isso nas mãos dos proprietários - a larga maioria dos quais desconhece essa possibilidade - o Fisco exige aos contribuintes que peçam uma reclamação das matrizes, ou Modelo 1 do IMI, o que pode representar uma armadilha. Isto porque, ao pedirem “uma reclamação das matrizes”, é feita uma reavaliação do imóvel e o contribuinte arrisca-se a ficar a pagar mais no futuro (se o coeficiente de localização for mais elevado, por exemplo). E não recupera o que pagou a mais no passado. Estabelece o Código do Imposto Municipal que só há direito a retroactivos se o valor cobrado a mais resultar de um erro ou falha dos serviços das Finanças, situação que as Finanças descartam.

O assunto da não actualização das matrizes com informação que as próprias Finanças têm na sua posse é recorrente, mas foi notícia, na semana passada, no Correio da Manhã, na sequência de uma resposta dada pelo Ministério das Finanças a um pedido de esclarecimento relativamente ao valor de construção.

O valor médio de construção desceu em 2010 - por proposta da CNAPU, uma comissão onde estão representadas entidades públicas e privadas - para 603 euros por metro quadrado, contra valores que variaram entre 609 e 615 euros entre 2005 e 2010. Desde 2010 que se mantém nos 603 euros (482,40 euros, acrescidos de 25% do terreno).  

Com a avaliação geral dos imóveis, levada a cabo em 2012/13, o valor de 603 euros foi actualizado em aproximadamente cinco milhões de imóveis. Mas nos restantes, cerca de um milhão (se não foram transaccionados entretanto), o valor de construção considerado no VPT é mais elevado.

Os cerca de um milhão de imóveis ficaram fora da avaliação de 2012 porque mudaram de mãos (foram vendidos ou herdados) entre 2003 e 2010, o que fez com que já tivessem sido avaliados para efeitos fiscais com os critérios do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.

A ANP pediu esclarecimentos ao Ministério das Finanças sobre a exigência, que algumas repartições de Finanças estão a fazer, para que os contribuintes entreguem o Modelo 1 do IMI (reclamação à matriz), quando estes solicitam a actualização do valor de construção, o que dá origem a uma nova reavaliação. No entanto, noutros casos, explicou ao PÚBLICO o presidente da ANP, António Frias Marques, tem sido possível actualizar aquele valor, sem a exigência do Modelo 1, que pode inclusive obrigar à apresentação de plantas de arquitectura.

A resposta das Finanças deixou o presidente da ANP, António Frias Marques, “perplexo”, uma vez que é reiterada a necessidade do Modelo 1.

 Ao PÚBLICO, o Ministério das Finanças também assegura que, “sempre que há mudanças no valor médio de construção, tem de ser o contribuinte, no quadro do procedimento de reclamação de matrizes, a promover essa alteração”.

“Mude-se a lei”

Sobre o diferente entendimento dos serviços (uns a exigir o Modelo 1 e outros não), o ministério diz, ao PÚBLICO, que “apenas nos casos em que os serviços de Finanças já disponham dos elementos relativos aos prédios a avaliar (como é o caso das plantas de arquitectura, por exemplo) pode o Chefe de Finanças dispensar a junção desses elementos aquando da entrega da declaração Modelo 1 do IMI”.

Tal como António Frias Marques, o fiscalista Rogério Fernandes Ferreira defende que “a actualização da informação deve ser feita de forma automática pelas Finanças, não fazendo sentido que fique dependente dos contribuintes, muitos dos quais desconhecem esta situação”.

Fernandes Ferreira lembra que “não é a única situação que, em desfavor dos contribuintes, as Finanças não utilizam informação que têm em seu poder, ou dificultam as reclamações, como é o caso da exigência do Modelo 1 do IMI, que não faz qualquer sentido para esta situação”. Refere ainda que “o fisco cria verdadeiros alçapões aos contribuintes, como poderem ficar a pagar mais IMI em resultado da nova reavaliação”.

“Mude-se a lei”, desafia Rogério Fernandes, para este e outros casos (como em algumas situações relacionadas com o mais recente Adicional ao IMI), sublinhando ainda a impotência de ser criado um provedor do contribuinte, que poderia ser muito útil neste tipo de casos.

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