Ex-secretário de Estado ilibado de ter sido comprado pelos colégios GPS

Juiz Ivo Rosa concluiu que não houve corrupção. Cinco dos sete arguidos irão mesmo assim a julgamento por outros crimes.

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Paulo Pimenta

Presumir que quando um governante vai trabalhar para o sector privado, numa área que tutelou, isso é sempre sinónimo de corrupção constitui uma conclusão arbitrária e especulativa. Esta é uma das traves mestras do despacho do juiz de instrução criminal Ivo Rosa que nesta sexta-feira ilibou deste crime todos os sete arguidos do processo dos colégios GPS, incluindo o ex-secretário de Estado da Administração Educativa, José Canavarro, e o antigo director regional de Educação de Lisboa, José Almeida.

Depois de terem viabilizado a construção, nos concelhos das Caldas da Rainha e de Mafra, de quatro novos colégios beneficiários dos chamados contratos de associação — através dos quais o Estado incumbe o sector privado de suprir a carência de oferta de ensino do sector público —, tanto José Canavarro como o director regional acabaram por ir trabalhar para o grupo GPS. Foi em 2005, após a queda do Governo de Santana Lopes, que José Canavarro integrava, e antes de os primeiros subsídios terem sido efectivamente concedidos a estes colégios.

No entender do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, estes dois responsáveis puseram o Estado a financiar o grupo privado para arranjarem emprego nos colégios. Mas Ivo Rosa concluiu o contrário. “Não podemos confundir realidades susceptíveis de configurarem conflitos de interesses — que podiam e deviam ser evitadas através de legislação adequada — com situações susceptíveis de configurarem a prática de corrupção”, escreveu o magistrado no despacho em que iliba os arguidos.

O juiz reconhece que a contratação dos dois homens pelos colégios pode ter até sido lesiva do interesse público — mas que isso por si só não chega para os fazer julgar por corrupção. Tal como não é necessariamente crime, refere também, uma eventual violação das exigências legais no que concerne à contratação pelo Estado do fornecimento de serviços. Uma eventual ilegalidade deste tipo até poderá vir a ser sancionada, admite, mas apenas pelo Tribunal de Contas.

O facto de os subsídios provenientes dos contratos de associação terem uma duração de apenas um ano, como sublinharam os advogados de defesa, foram um dos argumentos que o magistrado acolheu. Tendo o Governo de Santana Lopes tido uma duração tão curta, comprar os seus governantes numa altura em que já se sabia que se iam afastar em breve não tinha grande interesse, uma vez que deixavam de poder garantir apoios estatais no ano seguinte.

De resto, sublinha Ivo Rosa, o investimento na construção de novos colégios que o grupo GPS fez foi francamente superior aos apoios estatais que iria receber no seu primeiro ano de funcionamento. Só no colégio Rainha Dona Leonor, nas Caldas da Rainha, foram gastos seis milhões de euros. E prova de que a carência de estabelecimentos de ensino era real, assinala, é que os contratos de associação com estes colégios se mantiveram vários anos e vários Governos depois. Nalguns casos ainda se mantêm. E aos tribunais “não cumpre sindicar a forma como o Estado cumpre a sua obrigação constitucional de assegurar a todos o acesso ao ensino gratuito em zonas carecidas de escolas públicas”, escreve o juiz, sob pena de violação do princípio de separação de poderes.

Por outro lado, sublinha, os despachos em que aqueles dois responsáveis reconheciam a carência da rede pública nas Caldas e em Mafra e autorizavam a criação dos quatro novos colégios não vincularam o Estado à celebração de contratos de associação. Foi, aliás, já o sucessor de José Canavarro na pasta da Administração Educativa — Valter Lemos, nomeado por um Governo socialista — quem acabou por dar a autorização de pagamento, uma vez que também ele reconhecia a ruptura do parque escolar público nos concelhos das Caldas da Rainha e de Mafra. 

Coisa diferente seria perceber se os processos do grupo GPS foram despachados com maior celeridade que os de outros empresários do ramo. Mas isso não foi investigado pelo Ministério Público, observa Ivo Rosa. Para acrescentar ainda outra conclusão favorável ao ex-secretário de Estado: os menos de seis meses que passou no Ministério da Educação nunca lhe teriam granjeado confiança suficiente para levar por diante um esquema que lhe permitisse impor aos seus subordinados orientações contrárias ao interesse público. 

José Canavarro: “Fez-se justiça."

O caso dos colégios vai, porém, seguir para julgamento, uma vez que, por falta de tempo para prepararem a defesa, os advogados dos arguidos optaram por não submeter outras acusações deste processo — burla qualificada, falsificação de documentos e peculato — ao crivo do juiz Ivo Rosa.

Por isso, tanto o líder do grupo GPS, o socialista António Calvete, como os restantes administradores dos colégios (cinco arguidos no total) irão sentar-se no banco dos réus por estes delitos — supostamente comprovados pelas perícias financeiras feitas pela PJ às contas do grupo, mas que foram desvalorizadas por Ivo Rosa, que neste como noutros casos as considerou pouco isentas, porque feitas a pedido do Ministério Público.

José Canavarro mostra-se satisfeito: “Fez-se justiça. Nunca ninguém do grupo GPS me procurou para pedir o que quer que fosse. Não fiz nada de errado.” Apesar de compreender que as decisões da justiça levam o seu tempo, o hoje professor da Universidade de Coimbra lamenta que nalguns casos a lentidão seja tão grande. Foi suspeito de corrupção durante mais de cinco anos.

O Ministério Público está a analisar o despacho de Ivo Rosa para decidir se irá recorrer dele.

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