Aceitar o populismo é desistir do país

De nada serve normalizar a eleição de uma pessoa cujo discurso representa o oposto dos nossos valores.

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Reuters/STRINGER

“Estão dez pessoas sentadas à mesa. Entra um nazi e senta-se. Apenas uma pessoa se levanta e sai. Estão, agora, dez nazis sentados à mesa”.

Encontrei esta citação algures no Facebook nestes últimos dias em que foram trocadas acusações acesas nas redes sociais a propósito das eleições presidenciais no Brasil (não me recordo a quem foi atribuída e, na verdade, nem sei se é real, mas se algum leitor puder confirmar ficaria agradecido). A citação levou-me a pensar nas várias perspectivas que apontam as razões que têm levado ao surgimento de figuras populistas um pouco por todo o mundo com valores, no mínimo, duvidosos para quem pretende viver em democracia, como por exemplo, Jair Bolsonaro.

Entre as explicações mais racionais existe uma retórica comum a quase todas as elas: a crise em que a esquerda (neste caso o PT) colocou o país fez crescer uma repulsa contagiante perante um partido que governou o Brasil durante grande parte deste século e, portanto, teriam de ser imputadas responsabilidades aos seus líderes. Portanto, é neste contexto que surge Bolsonaro e nascem os seus apoiantes. Mas será bem assim? Está tudo certo no que diz respeito à imputação de responsabilidades a um partido que governa há tanto tempo e deixou o país chegar ao estado a que chegou, mas o PT é tão responsável pela eleição de Bolsonaro como seria de qualquer um dos restantes 12 candidatos. O país está em crise e é expectável que quem se encontra no poder seja castigado nas urnas.

Reduzir a eleição de Bolsonaro à incompetência da esquerda e do PT é ignorar a incapacidade (ou falta de vontade) que a direita teve nestas eleições. Ao fim ao cabo, tendo em conta a situação económica do país e que Lula da Silva se encontra preso, o PT teve um resultado bastante satisfatório. O problema está, a meu ver, no desempenho desastroso dos partidos de centro-direita que não tiveram qualquer expressão no eleitorado, ficando Bolsonaro com o caminho aberto para a vitória.

É aqui que se encontra o centro do furacão, quer no Brasil, quer noutros locais do mundo. Porque se, por um lado, vemos líderes de todos os espectros políticos ditos democráticos chocados com o resultado destas eleições, por outro é sabido que ninguém está livre de um Bolsonaro e basta sairmos da nossa caixa e olharmos para o mundo. Sem fazer contas, arrisco-me a dizer que mais de metade da população mundial vive sob regimes autoritários ou com líderes que não transformam as palavras em actos devido à resistência democrática que ainda enfrentam. Salva-se a União Europeia e, mesmo assim, os maiores países assistem à expansão do populismo como já não se via desde a II Guerra Mundial.

O centro do furacão está, também, quando assistimos a líderes de partidos de direita como Assunção Cristas a afirmar, por um lado, e bem, que o grande desafio do CDS-PP e dos partidos democratas-cristãos nos próximos anos será o combate ao populismo, mas, por outro, quando confrontada com uma escolha entre um candidato democrático de esquerda ou um candidato abertamente fã de regimes autoritários e com um discurso de ódio, prefere abster-se. Isto demonstra, por si só, que Cristas não está totalmente comprometida com o que diz ser o grande desafio do partido. Não basta falar, é preciso agir.

Certamente, mais episódios semelhantes poderão ser replicados por esse mundo fora maioritariamente ligados a partidos conservadores que são os primeiros a apontar o dedo à extrema-esquerda, mas têm receio de o fazer à extrema-direita na hora das eleições, principalmente quando o adversário é conotado como sendo de esquerda.

De nada serve normalizar a eleição de uma pessoa cujo discurso representa o oposto dos nossos valores, simplesmente porque, provavelmente, não conseguirá cumprir as suas promessas e criticar quem alerta para o facto de ser perigoso eleger pessoas como Bolsonaro. No fundo, nenhuma dessas pessoas deseja estar certa, pelo contrário (até porque se Bolsonaro não conseguir introduzir as políticas antidemocráticas que pretende, em muito se vai dever a estas pessoas). Esta luta não pode ser travada apenas pela esquerda, sob pena de todos perdermos (da mesma forma que a luta contra regimes autoritários comunistas não pode ser feita apenas pela direita democrática).

Não querendo ser demasiado catastrófico, creio não ser preciso relembrar todo o percurso de Adolf Hitler até obter um poder incontrolável. Espero, também, não ser necessário um novo Churchill algures nos próximos anos, seria muito mau sinal. Aprendamos com os nossos erros, engolindo o nosso orgulho e sempre relembrando a frase com que iniciei esta crónica.

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