"Sou fundamentalista contra a crueldade"

Censurar e condenar a crueldade, quer ela se aplique a um ser humano, quer se aplique a um animal, não é um retrocesso civilizacional.

Não é necessário ser um fundamentalista dos direitos dos animais para concordar com o juiz que ontem assinou a sentença que condenou a 16 meses de prisão efectiva um homem que esventrou a sangue frio uma cadela grávida. Não é necessário ser um fundamentalista para condenar o comportamento de alguém que faz uma intervenção cirúrgica a um animal em trabalho de parto, retira os fetos e coloca-os num saco de plástico no lixo, onde morreram de fome e de frio.  O que justifica uma decisão deste tipo, a primeira desde a entrada em vigor, em 2014, da lei que criminaliza os maus tratos a animais de companhia, é o “sofrimento atroz”, como é referido na sentença. Numa palavra, crueldade. É disso que estamos a falar. Censurar e condenar a crueldade, quer ela se aplique a um ser humano, quer se aplique a um animal, não é um retrocesso civilizacional. O tema não é pacífico entre juristas, particularmente entre quem considera que os animais devem continuar a ser classificados como coisas e não como sencientes e a quem devem ser reconhecidos direitos de protecção. Os direitos dos animais, como outros direitos consagrados na ultima década, foram objecto de legislação específica porque foi a evolução civilizacional que assim o impôs.

Desta decisão podem resultar duas consequências óbvias: alguma jurisprudência que ajude os tribunais a olharem para o tema com outra atenção e um efeito dissuasor capaz de inibir práticas cruéis similares a estas. A lei tem as suas incongruências. Uma delas é o facto de a legislação não condenar a violência praticada contra outros animais que não os de companhia, não se aplicar a outros vertebrados, como acontece em outros países europeus, ou da possível ausência de pena para quem matar os seus animais sem maus-tratos. Toda a evolução legislativa é fruto de um compromisso.

Não é também necessário ser um fundamentalista dos direitos humanos para questionar por que é que três agentes da PSP foram condenados a penas de prisão suspensas por um crime de sequestro agravado. O tribunal deu como provado que os agentes colocaram um jovem algemado na bagageira do carro, que o agrediram e trataram “como se lixo se tratasse”, num “grave abuso de autoridade”, sem qualquer arrependimento sequer. Numa palavra, crueldade. Apetece repetir o que disse o juiz do primeiro destes dois casos: “Sou fundamentalista contra a crueldade”.

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